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Vinculação, Esquemas Iniciais Desadaptativos e Psicopatologia

Após exposição e revisão bibliográfica dos construtos - Vinculação e Esquemas iniciais desadaptativos - que compõem a estrutura base da segunda parte deste trabalho, iremos proceder, tendo em conta o objetivo do mesmo, a uma revisão teórica mais pormenorizada que irá permitir associar a qualidade do processo das construções de relações de vinculação ao desenvolvimento de psicopatologia no geral e dos EID’S em particular.

No entanto, e apesar de a revisão bibliográfica realizada se centrar mais na psicopatologia em geral, em grande parte devido à dificuldade de acesso a estudos científicos que estabeleçam uma relação direta entre vinculação e EID’s, poderemos estabelecer associações, partindo do geral (psicopatologia) para o particular (esquemas e padrões de vinculação). Consideramos que estas associações serão passíveis de se realizar devido ao facto de as ideias basilares dos construtos expostos nos capítulos anteriores serem, na sua essência, similares e complementares – em que medida a presença de padrões de vinculação inseguros e a existência de EID’s, concomitantemente ou não, se destruturam em quadros psicopatológicos.

Neste ponto, gostaríamos de ressalvar o facto de que o objetivo deste estudo não é explorar a psicopatologia em si, apenas vê-la como parte integrante dos estudos de caso que compõem este trabalho, mas também como produto da possível presença de padrões de vinculação inseguros e esquemas iniciais desadaptativos.

Diversos estudos têm sido realizados, nomeadamente a nível nacional, que associam a vinculação a quadros psicopatológicos, a título de exemplo: Sroufe, Carlson, Levy e Egeland (1999); Dozier, Stovall e Albus (1999); Lyddon e Sherry (2001); Fonagy (2003); Egeland e Carlson (2004); Atkinson e Goldberg (2004); Carvalho, 2007; Dias, 2007; Monteiro, Tavares e Pereira, 2007; Neves, 2008; entre outros. No mesmo sentido, diversos estudos realizados, os quais já foram referenciados no Capítulo 2, permitem verificar que os EID’s estão positivamente relacionados com diversos tipos de sintomas

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psicopatológicos, confirmando que os esquemas aumentam a vulnerabilidade a perturbações psicopatológicas.

Dozier, Stovall e Albus (1999) referem que o modelo de desenvolvimento proposto por Bowlby está claramente articulado com implicações psicopatológicas. Acrescem que e, segundo esse modelo, o desenvolvimento vinculativo da criança para com o seu cuidador é imprescindível para o seu crescimento já que influencia não só as representações sobre si e sobre os outros, mas também fornece estratégias para processar pensamentos e emoções relacionados com a vinculação e com a própria figura de vinculação. Quando a criança desenvolve representações negativas acerca de si e dos outros, assim como, quando adota estratégias de processamento de pensamentos e emoções que não correspondem ou comprometem a realidade, ficam mais vulneráveis para o desenvolvimento de um quadro psicopatológico (Dozier, Stovall & Albus, 1999).

No mesmo sentido, Egeland e Carlson (2004) referem que a teoria da vinculação, desde os seus primórdios, demonstrava preocupação acerca das implicações dos padrões de vinculação atípicos assim como, na formação e curso de relações saudáveis entre pais – filhos. Bowlby (1998) referia que no decorrer do desenvolvimento e construção da personalidade, haveria uma ligação entre privação emocional precoce e desenvolvimento de patologias. Podemos concluir que a teoria proposta por Bowlby é uma teoria tanto de desenvolvimento normal como de desenvolvimento patológico. Apesar de se considerar as experiências precoces como a base do desenvolvimento futuro há que ter em conta que as mesmas irão sofrer influências e até modificações mediante o contexto e experiência precedentes (Egeland & Carlson, 2004).

Egeland e Carlson (2004) acrescentam que a psicopatologia resulta de uma série de sucessivas adaptações. Fatores de risco, como por exemplo, um padrão de vinculação ansioso na infância, podem iniciar um processo de distúrbio, contudo, a psicopatologia prevalece apenas se as adaptações subsequentes continuarem a desviar-se de um funcionamento adaptado e positivo. A mudança é possível em cada fase de desenvolvimento, no entanto, a mudança é limitada por adaptações prévias (Egeland & Carlson, 2004).

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Como já foi explorado no Capítulo 1 da presente Dissertação, Bowlby (1985, 1998, 2002) mencionava que para a formação de working-models funcionais, a mãe deve ser sensível e reativa aos sinais e necessidades da criança. Ainda segundo o mesmo autor, o desenvolvimento dos working-models disfuncionais e mais tarde, a manifestação de psicopatologia, reside na alteração de processos de vinculação e não na fixação ou regressão a estados anteriores do desenvolvimento (Canavarro, 1999).

Ressalvando a importância dos working-models, tanto na funcionalidade como na disfuncionalidade, Bowlby (1985) considera-os então estruturas centrais na saúde mental do adulto, são os principais mecanismos explicativos da presença, ou não, de psicopatologia (Canavarro, 1999).

A autora Canavarro (1999) ilustrou este mecanismo através do seguinte esquema:

Figura 1 – Ligação entre relações de vinculação e saúde mental (Canavarro, 1999). Fatores genéticos Fatores relacionais Tipo de Vinculação durante a infância

Working-models

Saúde Mental

Equilíbrio Emocional Psicopatologia

Sobre os outros

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Bowlby (1985, 1998) diz-nos que não é apenas o meio envolvente que determina o desenvolvimento segundo um determinado padrão mas também, através das estruturas próprias da personalidade que, uma vez formadas, adquirem meios de autorregulação (Canavarro, 1999).

Através da exploração e análise de diversos estudos centrados nas relações afetivas na idade adulta e na saúde mental, Canavarro (1999) conclui que as relações de vinculação inseguras se encontram ligadas à psicopatologia no adulto. Assim, a influência do estabelecimento de relações afetivas negativas tem um efeito global sobre a psicopatologia em geral. A autora refere ainda que, a partir da análise desses mesmos estudos, é possível afirmar que na idade adulta, os indivíduos com perturbações depressivas ou da ansiedade, quando comparados com indivíduos sem perturbações emocionais, apresentam um maior índice de padrões de vinculação de tipo inseguro – ansioso/preocupado e evitante.

Young sugere que os problemas na vida adulta surgem como resultado dos EID’s, devido ao facto de representarem padrões cognitivos latentes, distorcidos e disfuncionais que se desenvolvem durante a infância ou adolescência e são elaborados ao longo da vida (Young, 2003). A natureza disfuncional dos esquemas torna-se geralmente visível mais tarde, quando os indivíduos perpetuam esses mesmos esquemas nas interações com os outros.

Dozois, Frewen e Covin (2006) reforçam a ideia de que os estilos parentais, a qualidade e o tipo dos laços afetivos estabelecidos precocemente com o cuidador, contribuem para a base do desenvolvimento de crenças acerca de si próprio e do mundo que o rodeia.

Guidano (1987) procurou delinear o desenvolvimento de alguns distúrbios psicopatológicos que, na sua conceção, correspondem a disfunções cognitivas específicas, abordando também a influência das relações afetivas na psicopatologia. O autor diz-nos que a distorção das conceções sobre si próprio, especialmente aspetos fundamentais da identidade (valor pessoal, merecimento) determina uma atitude rígida e

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defensiva sobre si próprio, que torna problemática a interação subsequente com outras estruturas de identidade pessoal e com aspetos da realidade (Canavarro, 1999).

Canavarro (1999) refere, a partir dos estudos de observação clínica de Guidano (1987), que nos casos clínicos com padrões depressivos, as relações afetivas estabelecidas durante a infância foram marcadas por perdas e rejeições (sensação de solidão que se organiza em esquemas emocionais que oscilam entre o desespero e a raiva) e, nos padrões agorafóbicos, as relações foram pautadas pela interferência dos pais no comportamento exploratório e procura de autonomia (necessidade de proteção de um mundo percebido como hostil e ao mesmo tempo necessidade absoluta de liberdade e independência).

Como já foi revisto no Capítulo 2, referente aos EID’s, é reconhecido que os esquemas resultam de experiências precoces com pessoas significativas (Vlierberghe & Braet, 2007). Segundo Young (2003) esquemas específicos disfuncionais e estratégias de “coping” desadaptadas desenvolvem-se quando necessidades básicas infantis tais como, vinculação segura aos demais ou liberdade para expressar emoções, não são preenchidas (Vlierberghe & Braet, 2007; Young, Klosko & Weishaar, 2003). Vlierberghe e Braet (2007) acrescentam que em situações de vida “stressantes” estes esquemas disfuncionais tornam as pessoas vulneráveis para o desenvolvimento de problemas psicopatológicos.

Young, Klosko e Weishaar (2003) referem que a noção de modelos dinâmicos internos, introduzida por Bowlby (1985,1998, 2002), se assemelha à noção de EID’s. Tal como os esquemas, um modelo dinâmico interno é largamente baseado em padrões de interação entre a criança e a mãe (ou outra figura de vinculação) (Dozois, Frewen & Covin, 2006). Se a mãe reconhece que a criança necessita de proteção, ao mesmo tempo que respeita a necessidade de a criança se tornar independente, a mesma irá, provavelmente, desenvolver um modelo dinâmico interno de si própria como capaz e competente (Young, Klosko & Weishaar, 2003; Dozois, Frewen & Covin, 2006). No entanto, se a mãe negligencia, com frequência, as tentativas da criança de chamar a atenção ou de procurar a sua independência, esta irá construir um modelo interno

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dinâmico de si própria como incapaz e incompetente (Young, Klosko & Weishaar, 2003).

Assim, ao utilizarem os seus modelos dinâmicos internos, as crianças poderão predizer o comportamento das figuras de vinculação, assim como, prepararem as suas próprias respostas.

Neste sentido, os EID’s são modelos internos dinâmicos disfuncionais e as respostas das crianças às figuras de vinculação são as suas estratégias de coping (Young, Klosko & Weishaar, 2003). Os autores seguem na mesma linha de raciocínio acrescentando que, tal como os esquemas, os modelos processam a informação que nos rodeia pelo que, distorções defensivas dos mesmos ocorrem, impedindo a sua alteração, o que os torna, tal como os esquemas, cada vez mais rígidos, habituais e automáticos. Os modelos começam a ser cada vez menos acessíveis à consciência e mais resistentes à mudança, assim como os esquemas.

Deste modo, uma vinculação segura irá permitir a aquisição de competências autorreguladoras, sentimentos de autoeficácia, compreensão dos sentimentos/emoções, resultando em crenças positivas acerca de si próprio (Dozois, Frewen & Covin, 2006).

Bornstein (2005) estabelece também uma estreita relação entre os EID’s e os modelos dinâmicos internos determinados por Bowlby. Tal como a teoria da vinculação, a teoria dos esquemas postula que as nossas experiências precoces com as figuras significativas, assim como com o nosso cuidador primário (figura de vinculação), formam um modelo no qual as nossas experiências futuras de relações de proximidade se irão basear (Bornstein, 2005).

Tal como o conceito de vinculação segura, Young (2003) refere que as experiências precoces de proteção, de segurança, a providência de cuidados e sua consistência, formam a base para a nossa capacidade de estabelecer relações de vinculação saudáveis na idade adulta (Bornstein, 2005). De forma a ilustrar aquilo que sucede mediante esta interação, o autor refere que, por exemplo, quando o estabelecimento da nossa

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vinculação em criança é interrompido, por negligência, abuso ou outro trauma infantil, a nossa capacidade para confiar fica comprometida. Isso vai resultar em esquemas iniciais desadaptativos, uma vez que teremos a expetativa de que relações próximas serão abusivas, humilhantes e com a probabilidade de abandono (Bornstein, 2005). Assim como a teoria da vinculação, que defende a representação internalizada do objeto (modelos dinâmicos internos), Young (2003) também sustenta a ideia de que as memórias de relações dolorosas precocemente estabelecidas com os cuidadores encontram-se no centro dos EID’s.No entanto, ao invés da vertente mais psicanalítica, ligada aos impulsos instintivos, Young (2003) não coloca o enfâse em consequências fantasiosas mas sim nas consequências reais, no papel distorcido da realidade que os EID’s constituem (Bornstein, 2005).

Young, Klosko e Weishaar (2003) acrescentam ainda que, e como já referimos anteriormente, comportamentos desadaptativos poderão desenvolver-se como resposta a esquemas, mas que não fazem parte do esquema em si – poderão ser motivados, de forma cognitiva e emocional, mas não fazem parte do esquema como estrutura. Os autores salvaguardam também a ideia de que nem todos os esquemas são baseados em traumas de infância. Referem ainda que um indivíduo pode desenvolver por exemplo, o esquema de dependência/incompetência, sem nunca ter tido experiências na infância que levassem à criação deste padrão, pelo contrário, poderá até ter sido sob protegido.

No entanto, apesar de nem todos os esquemas terem traumas na sua origem, todos eles são destrutivos e causados, maioritariamente, por experiências nocivas que são repetidas, de forma regular, ao longo da infância e adolescência (Young, Klosko & Weishaar, 2003). Como os autores referem, os esquemas que tiveram a sua origem na infância, com a família nuclear, ou seja, que se desenvolveram mais precocemente, são os que se estabelecem de forma mais rígida. Contudo, esquemas desenvolvidos mais tarde (eg. isolamento social, que pode não refletir as experiências da infância precoce no núcleo familiar) são geralmente menos invasivos.

Neste sentido, Young, Klosko, e Weishaar (2003) consideraram uma divisão entre esquemas incondicionais (mais precoces, constituídos por crenças incondicionais sobre

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si e sobre os outros, impenetráveis à mudança ou à ação do sujeito) e condicionais (mais tardios e que podiam permitir obter resultados interpretáveis como favoráveis, pelo sujeito, mesmo que à custa de comportamentos nocivos) (Claudio, 2009).

Young (2003) refere que, e segundo o DSM-IV-TR (2006), uma das marcas registadas dos transtornos de personalidade é a presença de padrões invasivos, inflexíveis e duradouros.

Millon (1981, cit in. Young, 2003) reforça a mesma ideia, referindo que a inflexibilidade adaptativa e os círculos viciosos são dois dos maiores critérios para a patologia da personalidade. O autor refere ainda que os traços de personalidade são vistos como corretos para o indivíduo que os possui – são egossintónicos.

Posto isto, podemos apreender que há uma estreita relação entre vinculação, EID’s e psicopatologia. Não é nossa pretensão estabelecer uma relação de causa-efeito entre a possível existência de padrões de vinculação inseguros e/ou de esquemas disfuncionais concomitantemente com a existência de psicopatologia. No entanto, podemos aferir que tanto a vinculação como os esquemas, se formam precocemente e acompanham-nos durante o nosso desenvolvimento, são tidos parcialmente como inatos, orientam de forma implícita o modo como nos relacionamos com os demais, como reagimos, como interpretamos o mundo que nos rodeia e que expectativas temos acerca de nós e acerca dos outros. São também os mesmos que, mediante um contexto e circunstâncias favoráveis, nos tornam susceptiveis ao possível desenvolvimento de psicopatologias. A par disso, conceitos individuais como suscetibilidade e vulnerabilidade também formam as condições para a manifestação de condições psicopatológicas.

A parte empírica deste trabalho será de seguida descrita pretendendo, através de três estudos de caso, analisar as ideias base das teorias até aqui expostas, nunca tendo a intenção de generalizar, mas sim de apenas estudar três sujeitos em faixas etárias, meios sociais e condições de vida diferentes.

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PARTE II