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2 3 A definição de tráfico de pessoas segundo o Código Penal Brasileiro vigente e o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o

Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e

Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças –

Protocolo de Palermo.

Em 2004, avançando o passo contra o tráfico internacional de pessoas para fins sexuais, o Brasil ratificou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças – Protocolo de Palermo, que, por sua vez, define o delito, in verbis:

A expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura

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ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. (Art. 3º).90

Neste contexto, em consonância com o dispositivo de definição do tráfico de pessoas, exposto no citado Protocolo, editou-se, no Brasil, a Lei 11.106/2005 alterando, conforme outrora já anunciado, o Código Penal vigente, no seu art. 231, redefinindo o tráfico de pessoas no Brasil, agora nos moldes daquele instrumento, embora ainda identificados alguns aspectos divergentes a serem analisados mais adiante.

Assim, passou o delito de tráfico internacional de pessoas a ser considerado dentro do ordenamento jurídico brasileiro como sendo:

Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do §1º do art. 227: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 2º - Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de cinco a doze anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

O protocolo de Palermo plantou no ordenamento jurídico internacional a primeira definição de tráfico de pessoas internacionalmente aceita. Foram muitas as discussões até que se chegasse a um posicionamento final que atendesse a diferentes pontos de vista expressos pelos diversos delegados dos países, reunidos em assembléia geral das Nações Unidas. A definição do delito fora, portanto, o produto de um consenso político, uma mediação de forças entre países de origem, transito, e destino.91

90 Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças – Protocolo de Palermo. In: <www.unodc.org/brazil>. Acesso em 01 jul. 2008.

91 OLIVEIRA, Marina P. P. de; LANDINI, Tatiana Savoia. Panorama histórico sobre o tráfico de pessoas. In:

O Protocolo do tráfico de pessoas, assim como a própria Convenção contra a criminalidade organizada transnacional, fora negociado por dois anos, em vários encontros realizados no Centro para Prevenção de Crimes da ONU em Viena (Austria), entre os meses de janeiro de 1999 a outubro de 2000. Nestes tomaram parte um Committee Ad Hoc intergovernamental estabelecido pela Assembléia Geral das Nações Unidas e representantes de mais de 100 governos, sob a égide da Comissão de Crime da ONU. Ademais, também fizeram-se presentes observadores de organizações do sistema da ONU, representantes de instituições da ONU da rede de programas de justiça criminal e de prevenção de crime, e lobbistas de organizações intergovernamentais (OIGs) e não-governamentais (ONGs).92

Em março de 1999, na segunda sessão para elaboração do referido instrumento, deu-se início a debates acerca do pólo passivo do delito, ou seja, das possíveis vítimas do tráfico, considerando-se a possibilidade de um posicionamento amplo neste sentido.93

Nestes termos, questões como outras possíveis vítimas além de mulheres (crianças, adolescentes, homens e transexuais), assim como diferentes outras formas de exploração objeto do tráfico (trabalho escravo, remoção de órgãos, etc) foram temas discutidos nos referidos encontros dos quais resultou o Protocolo. Entretanto, o ponto de maior entrave a um consenso, monopolizando as atenções no debate fora a questão da prostituição/exploração sexual, ponto que dominou as tentativas de um acordo e quase inviabilizou a elaboração da definição de tráfico de pessoas, hoje contida no Protocolo de Palermo.94

Enfim, em 28 de julho de 2000, aprovou-se a Convenção do Crime Organizado Transnacional e, logo em seguida, em 23 de outubro de 2000, após 217 encontros, o Protocolo Adicional contra o Tráfico Internacional de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Os demais Protocolos adicionais à Convenção, Protocolo contra o Contrabando de Migrantes na

92 AUSSERER, Caroline. Controle em nome da proteção: Análise crítica dos discursos sobre o tráfico

internacional de pessoas. Dissertação de Mestrado, Relações Internacionais, PUC-RJ, 2007, p. 40.

93 AUSSERER, Caroline. Controle em nome da proteção: Análise crítica dos discursos sobre o tráfico

internacional de pessoas. Dissertação de Mestrado, Relações Internacionais, PUC-RJ, 2007, p. 41.

94 OLIVEIRA, Marina P. P. de; LANDINI, Tatiana Savoia. Panorama histórico sobre o tráfico de pessoas. In:

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Terra, no Mar e no Ar e o Protocolo contra a Manufatura e o Tráfico de Armas de Fogo, foram aprovados, respectivamente, em 24 de outubro de 2000 e 31 de maio de 2001.95

Nos termos do Protocolo contra o Tráfico de Pessoas, após tantas discussões e debates, conseguiu-se o impossível: uma vitória para duas vertentes, que apontavam em sentidos opostos, reivindicando perspectivas distintas a serem adotadas na conceituação do ilícito. De um lado os abolicionistas, do outro, os regulacionistas.96

Os abolicionistas defendiam a criminalização de toda forma de tráfico, com ou sem o consentimento da vítima, considerando a pessoa traficada para fins sexuais como uma vítima a ser resgatada e reabilitada do mundo da prostituição97, e o meretrício um combustível que alimenta a conduta dos traficantes, de modo que combater o tráfico de pessoas implicaria necessariamente em combater a prostituição. Para esta vertente o combate ao tráfico e à prostituição se confundem98, na medida em que o tráfico é uma forma de exploração desta, que há de ser sempre forçada99, posto que, sob a ótica desta corrente, nenhuma mulher escolhe ser prostituta100. Não se trata de uma opção de vida, mas de uma situação a qual estas são levadas por outras pessoas, no caso traficantes, aproveitando-se sempre de sua condição de vulnerabilidade em um mundo machista e de poucas oportunidades para as mulheres, de uso de violência ou de coação. O ponto de vista abolicionista não reconhece distinções entre prostituição forçada e por livre escolha, consideram-na sempre “forçada”, sobretudo, sustentam que qualquer tentativa de legalização da prostituição e mesmo simples considerações acerca de um possível consentimento à exploração desta (como no contexto do

95 AUSSERER, Caroline. Controle em nome da proteção: Análise crítica dos discursos sobre o tráfico

internacional de pessoas. Dissertação de Mestrado, Relações Internacionais, PUC-RJ, 2007, p. 41.

96 AUSSERER, Caroline. Controle em nome da proteção: Análise crítica dos discursos sobre o tráfico

internacional de pessoas. Dissertação de Mestrado, Relações Internacionais, PUC-RJ, 2007, p. 30. 97

DOEZEMA, Jô. Loose Women or Lost Women? The Re-Emergence of the Myth of “White Slavery” in Contemporary Discourses of “Trafficking in Women”. Gender Issues, Vol. 18 (1), 2000, p. 27. In: <http://www.walnet.org/csis/papers/doezema-loose.html>. Acessado em 2 de março de 2009.

98 JULIANO, Dolores. El trabajo sexual en la mira. Polémicas y estereotipos. In: Cadernos Pagu, n. 25. Campinas, jul/dez, 2005, pp. 94-95.

99 KEMPADOO, Kamala. Mudando o debate sobre o tráfico de mulheres. In: Cadernos Pagu, n. 25. Campinas, jul/dez, 2005, p.58.

100 OLIVEIRA, Marina P. P. de; LANDINI, Tatiana Savoia. Panorama histórico sobre o tráfico de pessoas. In:

tráfico de pessoas) deveriam ser encarados como permissão a violação dos direitos humanos.101

Neste processo de “cruzada moral”102 encabeçado pelo movimento

abolicionista fora criada uma organização internacional chamada Fédération Abolitionniste Internationale, em 1875, fundada por Josephine Butler, principal representante do movimento, fortalecendo a concepção da prostituição não voluntária em apoio aos abolicionistas, interpretando o combate ao tráfico como um combate à prostituição em geral, encarada uma ameaça a ordem internacional.103

Por outro lado, os regulacionistas defendem uma versão diversa acerca da prostituição e sua relação com o tráfico. De acordo com esta segunda vertente há duas formas de prostituição: a prostituição voluntária e a prostituição coercitiva. Entendendo estes que deva ser a prostituição voluntária considerada uma atividade legal104 e, como tal, sujeita a regulação, mediante controle estatal. Nestes termos, advogam pela não incriminação do tráfico de pessoas para fins sexuais na hipótese da prostituição consentida.

Os dois citados movimentos – abolicionistas e regulacionistas105 – foram representados, respectivamente, no campo de luta entre as ONGs, dispostas a influenciarem na formulação da definição do delito de tráfico internacional de pessoas quando da elaboração do Protocolo de Palermo, pelos seguintes grupos: de um lado o grupo liderado pela ONG CATW (Coalition Against Trafficking in Women) defensora da versão abolicionista, e de outro o grupo conhecido por Human Rights Caucus, liderado pela ONG GAATW (Global

101 PISCITELLI, Adriana. Brasileiras na indústria transnacional do sexo. In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos, nr. 7, mis em ligne Le 12 mars, référence Du 9 juillet 2007. Disponible sur: HTTP://nuevomundo.revues.erg/document3744.html. Acesso em: 03 de novembro de 2008.

102 GRUPO DAVIDA. Prostitutas, “traficadas” e pânicos morais: uma análise da produção de fatos em pesquisas sobre o “Tráfico de seres humanos”. In: Cadernos Pagu, n. 25. Campinas, jul/dez, 2005, pp. 161-162.

103 AUSSERER, Caroline. Controle em nome da proteção: Análise crítica dos discursos sobre o tráfico

internacional de pessoas. Dissertação de Mestrado, Relações Internacionais, PUC-RJ, 2007, p. 32/33.

104 JULIANO, Dolores. El trabajo sexual en la mira. Polémicas y estereotipos. In: Cadernos Pagu, n. 25. Campinas, jul/dez, 2005, pp. 94-95.

105 SCHETTINI Pereira, Cristiana. Lavar, passar e receber visitas: debates sobre a regulamentação da prostituição e experiências de trabalho sexual em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, fim do século XIX. In:

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Allience Against Traffic in Women) e composto por organizações de direitos humanos, por ativistas de “antitráfico” e por grupos que representam os direitos de trabalhadoras do sexo, que defendiam uma visão mais abrangente e emancipatória do delito de tráfico, consoante o movimento regulacionista.106

O Human Rights Caucus defendeu uma definição de tráfico que incluísse, além do tráfico para fins de exploração sexual, outras formas de exploração, numa tentativa de dissociar tráfico de prostituição, considerada por este grupo uma atividade que deve ser respeitada e devidamente regulamentada, o que tornaria, portanto, o tráfico, uma conduta lícita quando desenvolvida no contexto da prostituição consentida. Já o grupo liderado pela ONG CATW (Coalition Against Trafficking in Women) interpreta qualquer trabalho sexual comercial como inerentemente explorador e, portanto, uma violação aos direitos humanos, defendendo, assim, a incriminação do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual independentemente de considerações acerca de um possível consentimento à prostituição.

Como se vê, há diferentes discursos acerca do tráfico de pessoas, uma diversidade de formas de compreendê-lo, dificultando a elaboração de uma definição oficial expressa por meio de um consenso no Protocolo de Palermo, o que resultou numa expressão, de certo modo, apaziguadora. Nos termos do protocolo, se por um lado fora definido o delito considerando a possibilidade de consentimento quanto à prostituição, fator que afastaria a incidência do crime (ponto a favor dos que defendiam a regulação da prostituição), por outro, elencou-se uma série de circunstâncias que invalidariam esse consentimento, como fraude, coação, ameaça, engano ou situação de vulnerabilidade (pensamento abolicionista)107. Ademais, ao tráfico foram consideradas possíveis outras finalidades, não apenas a exploração sexual, consoante defendiam os regulacionistas.

O presente Protocolo, nos termos em que define o tráfico, reconhece a existência da prostituição voluntária e da prostituição forçada.108 Considerando, via de regra,

106 JULIANO, Dolores. El trabajo sexual en la mira. Polémicas y estereotipos. In: Cadernos Pagu, n. 25. Campinas, jul/dez, 2005, pp. 94-95.

107 OLIVEIRA, Marina P. P. de; LANDINI, Tatiana Savoia. Panorama histórico sobre o tráfico de pessoas. In:

Enfrentamento ao Tráfico de pessoas no Brasil. 1 ed. São Paulo: IBCCRIM, 2008, v. 1, pp. 29/43, passim. 108 JESUS, Damásio E. de. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

a incidência do delito de tráfico de pessoas apenas em se tratando de prostituição coercitiva. Nos casos de prostituição voluntária, não-coercitiva, de adultos, não implicaria no ilícito. Tal regra encontraria exceção quando utilizados meios como violência, ameaça ou outras formas de coação, fraude, engano, abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade da vítima ou entrega ou aceitação de benefícios para fim de obter consentimento de quem tenha autoridade sobre a vítima. Presente quaisquer destas circunstâncias na conduta pertinente ao tráfico, independentemente da vontade ou não da vítima, objeto do ilícito, em prostituir-se, o delito de tráfico de pessoas se configuraria.

Ademais, determina o Protocolo de Palermo que o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança (menor de dezoito anos) para os fins de exploração serão considerados tráfico de pessoas, mesmo quando não utilizados os meios de coação, abuso e fraude mencionados anteriormente.

Há de ressaltar-se que, quanto a não incriminação do tráfico de pessoas em caso de prostituição voluntária, como regra, fez-se o presente Protocolo contrário à Convenção de 1949, que, por sua vez, o considerava sob toda e qualquer forma de prostituição.109

O protocolo emergiu, conforme já analisado, dentro de uma discussão internacional sob dois pontos contrastantes, a não incriminação da prostituição e a incriminação do lenocínio e do tráfico à prostituição em geral. O presente instrumento, tendo em conta as duas tendências, buscou expressá-las, atendê-las, em conjunto, nos termos conceituais do tráfico, expressos em seu art. 3º. Ocorre que, no propósito de conformá-las, confirmando ao mesmo tempo pontos de vista diferentes, acabou por adotar uma definição eivada por vícios de imprecisão.

Conforme infere Adriana Piscitelli:

Nas leituras críticas sobre o Protocolo de Palermo se observa que ele assume uma posição de aparente neutralidade no que se

109 JESUS, Damásio E. de. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

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refere ao debate sobre a prostituição, obtida às custas da falta de precisão no que se refere a termos de crucial importância para delimitar situações de tráfico, como « a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual », « servidão », « outras formas de coação », « abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ». A falta de precisão seria efeito da falta de acordo dos delegados governamentais, que se alinharam em uma ou outra posição e seu efeito seria a dificuldade de trabalhar adequadamente com o Protocolo, delimitando situações de tráfico de pessoas.110

Sendo assim, observe-se que, muito embora a definição do tráfico de pessoas apresentada no Protocolo de Palermo tenha se direcionado, via de regra, no sentido da não incriminação em casos de prostituição consentida, considerando-a possível, preocupou-se o legislador internacional em não desconsiderar de todo o posicionamento abolicionista, garantindo, assim, um grande número de assinaturas ao Protocolo. Isto posto, deixou em aberto certas expressões no bojo conceitual do ilícito, imprecisões que ganham conteúdo próprio quando da interpretação por parte de cada Estado receptor e signatário do Protocolo.

Neste sentido, temos a hipótese prevista nos termos conceituais do tráfico de pessoas relativa ao abuso de uma situação de vulnerabilidade da vítima. Salienta-se, que a possível vulnerabilidade em que esta se encontre, argüida no art. 3º do Protocolo, como elemento facilitador à ação do mercador do meretrício, e que, portanto, dentre outras causas, excepcionaria a hipótese de não incriminação do tráfico quando da prostituição voluntária, abre ampla possibilidade à incidência do tráfico de pessoas. Isto, diante do fato das vítimas do tráfico serem, em maior parte, pessoas de precária condição econômica e assim, portanto, vulneráveis a propostas de “fugas” para outros países onde exerceriam uma prostituição lucrativa, intermediadas pelos traficantes do sexo. Trata-se, portanto, de um importante elemento de ampliação para os casos de incriminação do tráfico quando da prostituição consentida, nos termos do Protocolo. Aproximando-se, nestes termos, da concepção abolicionista que preza pela incriminação do tráfico de pessoas qualquer que seja a forma de prostituição, até mesmo por considerá-la sempre “forçada”, haja vista não tratar-se de uma escolha, porém uma falta de alternativa imposta por uma realidade sócio-econômica cruel e desumana a qual as pessoas vivem submetidas.

110 PISCITELLI, Adriana. Brasileiras na indústria transnacional do sexo. In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos, nr. 7, mis em ligne Le 12 mars, référence Du 9 juillet 2007. Disponible sur: HTTP://nuevomundo.revues.erg/document3744.html. Acesso em 03 de novembro de 2008.

Tal assertiva, entretanto, ficaria ainda a depender do entendimento acerca da “situação de vulnerabilidade” por parte de cada estado, consoante critério político, jurídico e cultural de cada um.

Observa-se ainda certa imprecisão na expressão “ou outras formas de coação” também presente na descrição conceitual do tráfico de pessoas no Protocolo. Neste, diz-se configurado o tráfico se a ação do traficante incorreu em uso de força, ameaça “ou outras formas de coação”. O que permite aos Estados uma visão ampla das diversas outras possíveis formas de coagir alguém a ingressar para outros países, que não seja pelo expresso uso da força ou ameaça, para nestes exercer a prostituição ou submeter-se a outras formas de exploração, reforçando assim o entendimento do grupo que advoga um discurso de que a prostituição é sempre “forçada”. É de salientar, portanto, também neste aspecto, a clara preocupação por parte do Protocolo, na figura de seus elaboradores, em conformar as diferentes versões suscitadas acerca da prostituição e sua relação com o tráfico.

Vê-se, assim, uma tendência do Protocolo em permitir a criminalização do tráfico não apenas em caso de prostituição forçada por uso de “violência efetiva”, quando o agente recorre a uso de força ou ameaça contra a vítima, mas também de considerá-lo em casos de “violência presumida” como nas hipóteses de “abuso da situação de vulnerabilidade da vítima, uso de outros meios de coação, fraude e engano”, considerando tais circunstâncias como elementos invalidadores de um possível consentimento à prostituição no contexto do tráfico. Nos termos do Instrumento internacional, dá-se o tráfico mesmo quando não- coercitiva a prostituição, desde que presentes situações que desqualifiquem o consentimento da vítima.

Ressalte-se também, que o Protocolo de Palermo abraçou a preocupação exposta na Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores (1998), voltando-se a combater o tráfico de pessoas para fins ilícitos. Nestes compreendidos, segundo a Convenção, além da exploração sexual, a servidão, dentre outros. Observando-se que nas

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Convenções Internacionais até 1949 havia preocupação apenas em coibir o tráfico para fins de prostituição.111

Palermo afirmou que “a exploração (finalidade do tráfico) incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos”112. Ou seja, dá-se o tráfico quando voltado à exploração, termo que abrange qualquer forma de exploração da pessoa humana, citando-se, apenas a título exemplificativo, diferentes possibilidades.

Essa concepção acerca da diversidade de finalidades, objeto do tráfico de pessoas, fora reforçada pelas recomendações do Informe Especial sobre Violência Contra as Mulheres para as Nações Unidas, em 1996, que aconselhava considerar que o deslocamento por meio de fronteiras nem sempre era voltado ao trabalho na prostituição, podendo envolver