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2 2 Histórico das convenções internacionais acerca do tráfico internacional de pessoas.

Sob o ponto de vista histórico, temos que, inicialmente, a preocupação da comunidade internacional centrava-se no tráfico de negros, objeto de comércio para escravidão. Em 1814, fora firmado entre Inglaterra e França o Tratado de Paris, visando coibir a referida forma de tráfico. Em 1926, acerca do mesmo objeto, adveio uma Convenção promovida pela Sociedade das Nações, Convenção sobre a escravatura, reafirmada pela ONU em 1953. Segundo tal Convenção o tráfico de escravos compreenderia qualquer ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo, bem como de cessão

66 Relatório da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes (PESTRAF). In: <www.mj.gov.br>.

67 110 rotas de tráfico interno (78 rotas interestaduais e 32 intermunicipais) e 131 rotas de tráfico internacional. LEAL, Maria Lúcia P., LEAL, Maria de Fátima P.. Tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de

exploração sexual comercial: Um fenômeno transnacional. SOCIUS (Centro de Investigação em Sociologia

Econômica e das Organizações), Working Paper no. 4, Universidade Técnica de Lisboa, 2005. In: <http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200504.pdf>. Acessado 01 de fevereiro de 2009.

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por venda ou câmbio de um escravo adquirido para vendê-lo ou trocá-lo e, de modo geral, todo ato de comércio e de transporte de escravos. Compreendendo escravidão neste momento como o “estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercitam os atributos do direito de propriedade ou de alguns deles”.68

A preocupação inicial com o tráfico de negros, ainda no início do século XIX, diante da exploração da mão-de-obra escrava, fora evoluindo, pouco a pouco, a um conceito maior de tráfico e exploração laboral, vindo a abranger o “Tráfico de mulheres brancas para prostituição”.

As primeiras discussões por parte da comunidade internacional acerca desta nova forma de tráfico ocorreram por volta do final do século XIX. Àquela época, em meados de 1900, segundo relatório da Aliança Global contra o tráfico de Mulheres (2000), a noção acerca de “tráfico” referia-se a “troca de escravos brancos”. Mais adiante, ainda segundo o mencionado documento, já por volta de 1904, devido a influência das camadas sociais médias da Europa, movidas a uma perspectiva moral-repressora, preocupadas em combater a prostituição e a conduta sexual, especialmente de mulheres, houve uma ampliação de sentido acerca da expressão “tráfico de pessoas”, passando esta também a abranger o fluxo migracional de mulheres das mais diversas partes do mundo para Europa com propósitos “imorais”, como a prostituição.69 Tal postura resultou em um Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas firmado em Paris naquele ano e transformado em Convenção no ano seguinte, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n. 5.591/1905.70

Saliente-se que, neste contexto, a versão dada ao tráfico pelas camadas sociais moralistas, conduzia à aplicação de políticas governamentais que restringiam a movimentação das mulheres, impedindo o seu livre exercício do direito de “ir e vir”, em flagrante afronta aos direitos humanos.

68 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

p. 10.

69 ESTRELA, Tatiana Silva.O enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual no Brasil:

Trajetória e desafios. Dissertação de Mestrado, Política Social, UNB-DF, 2007, p. 36.

A partir de então, muitas foram as Convenções acerca do tema: a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (Paris, 1910), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (Genebra, 1921), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (Genebra, 1933), o Protocolo de Emenda à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1947), e a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (Lake Success, 1949). Todas estas, acima citadas, Convenções Internacionais às quais o Brasil aderiu.71

Observe-se que o processo histórico-evolutivo do tratamento jurídico-penal acerca do tráfico de pessoas pode ser dividido em duas fases: antes e depois da Convenção de 1949, ou seja, no contexto da liga das nações e, posteriormente, à luz da ONU, mediante anulação expressa e substituição da normatização anterior.

Passada a fase inicial, encabeçada pelas camadas sociais moralistas, que tinham no combate ao tráfico de pessoas uma forma de repressão à prostituição, em um segundo momento, com a Convenção de 1910 (Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas), o tráfico de pessoas recebeu uma definição razoavelmente compartilhada por vários países, principalmente europeus. Nos termos da Convenção, entendeu-se como tráfico e favorecimento à prostituição: “o aliciamento, induzimento ou descaminho, ainda que com seu conhecimento, de mulher casada ou solteira menor, para a prostituição”.72 Considerando ainda que, em se tratando de mulher casada ou solteira maior, o traficante só poderia ser punido se praticado contra esta atos de violência, ameaça, fraude, abuso de autoridade ou qualquer outro meio de constrangimento. Permitindo-se, entretanto, aos Estados signatários oferecer igual proteção à mulher casada ou solteira maior mesmo quando ausentes tais circunstâncias.

71 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.3, p. 243; JESUS, Damásio E. de .Trafico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 28-29.

72 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

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A Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (Genebra, 1921) manteve quase que invariavelmente os termos da Convenção de 1910, inclusive no que pertine à regra geral de que o consentimento da mulher vítima do tráfico excluiria o delito. Por outro lado, acrescentou à definição de tráfico, no rol dos possíveis traficados, crianças do sexo masculino; alterando, ademais, a maioridade de 20 para 21 anos.

Em 1933, com a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, modificou-se o entendimento até então estabelecido relativamente ao consentimento da vítima do tráfico. Nos termos desta Convenção: “Quem quer que, para satisfazer as paixões de outrem, tenha aliciado, atraído ou descaminhado, ainda que com seu consentimento, uma mulher ou solteira maior, com fins de libertinagem em outro país, deve ser punido” (art. 1º)73. Até a presente Convenção a mulher maior que declarasse o seu consentimento à situação do tráfico e da exploração, via de regra, não poderia ser considerada vítima do ilícito, a sua concordância diante do fato afastaria a infração.

Neste processo de sucessão histórica acerca de um entendimento e conceituação sobre o delito em tela, chegamos à Convenção de 1949, Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, firmada logo após a criação da ONU e a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Tal Convenção surgira em um momento de tomada de consciência acerca dos direitos humanos, no contexto do pós-guerra e dos efeitos do holocausto. Tratou do tráfico de pessoas com um olhar voltado à dignidade da pessoa humana, por tantas vezes violada no curso de tal atividade, pondo a perigo o bem estar do cidadão, da família e da comunidade em geral, nacional e internacional.

Nestes temos, o art. 1º da Convenção determina que os Estados signatários devem comprometer-se a punir qualquer pessoa que no propósito de satisfazer os desejos de outrem venha a “aliciar, induzir ou descaminhar , para fins de prostituição, outra pessoa, ainda que com seu consentimento”, assim como “explorar a prostituição de outra pessoa, ainda que com seu consentimento”. O art. 2º, em complemento, especifica condutas outras como:

73 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

manter, dirigir ou financiar conscientemente casa de prostituição; dar ou tomar de aluguel um imóvel para fins de prostituição de outrem.

Seguindo a linha das Convenções anteriores, permanecia a Convenção de 1949 numa postura negativa em relação à prostituição, até este momento encarada como “um atentado à moral aos bons costumes”74, associando essa concepção ao combate ao tráfico de pessoas. A reprovabilidade que permeia a Convenção, portanto, não se refere apenas ao tráfico de pessoas, mas também à própria prostituição75. A Convenção de 1949 partindo de uma perspectiva proibicionista da prostituição criminalizou atos associados a esta, embora excluindo a prostituição de per se desta criminalização. Em verdade, o instrumento torna iguais o tráfico e a exploração da prostituição76.

A Convenção determinava aos estados-membros tomarem medidas médicas, sociais e legais a fim de eliminar a prostituição e reabilitar as mulheres, entretanto, para repelir uma eventual legislação por parte destes estados de regulamentação da prostituição, não abordava as causa do tráfico, nem da própria prostituição.77

Preocupou-se a Convenção de 1949 em definir como vítima do tráfico pessoa de um ou outro sexo, independentemente da idade. E, embora ainda não houvesse ali uma definição precisa ao tráfico, ficava permitido aos Estados Partes prever condições ainda mais rigorosas que aquelas já delineadas no combate ao ilícito, além de serem lançadas bases de cooperação jurídica internacional.78

74 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

p. 12.

75 PISCITELLI, Adriana. Brasileiras na indústria transnacional do sexo. In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos, nr. 7, mis em ligne Le 12 mars, référence Du 9 juillet 2007. Disponible sur: HTTP://nuevomundo.revues.erg/document3744.html. Acesso em 03 de novembro de 2008.

76 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

27-28.

77 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

28.

78 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

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A citada Convenção, adotada por 69 países, tinha mecanismos precários de aplicação. Nenhum órgão independente fora estabelecido para fim de monitorar sua implementação e metade dos países-membros não elaborou relatórios.79

Em 1979, adveio a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, reconhecendo a ineficácia da Convenção de 1949. Nestes termos, a Convenção obrigava os Estados Partes a tomarem medidas apropriadas a fim de suprimir todas as formas de tráfico e de exploração da prostituição de mulheres (art. 1º).80

Assumindo um importante papel na defesa dos direitos das mulheres, a Convenção de 1979 foi ratificada por 165 dos 188 estados-membros das Nações Unidas, inclusive todos da América Latina, embora com algumas reservas que interferiam na efetividade das medidas. O Brasil ratificou-a em 1984 com reservas, suspensas apenas em 1994.

Neste ínterim, em face da Convenção, em 1983, o Conselho Econômico e Social da ONU passou a cobrar relatórios dos países signatários, e, desde então, a entidade dedicou-se a organização de programas, ações e Convenções acerca do tráfico de pessoas para fins sexuais.

Em 1992, a ONU lançou o Programa de ação para a Prevenção da Venda de Crianças, Prostituição infantil e Pornografia Infantil, reforçado no ano seguinte com a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, cuja Declaração e Programa de Ação salientavam a importância da “eliminação de todas as formas de assédio sexual, exploração e tráfico de mulheres”81. A Conferência de Viena revelou-se

como um grande passo na definição contemporânea dos direitos humanos e sua importância

79 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

28.

80 ESTRELA, Tatiana Silva.O enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual no Brasil:

Trajetória e desafios. Dissertação de Mestrado, Política Social, UNB-DF, 2007, p. 41.

81 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

no mundo globalizado82. A declaração da Conferência enfatizava a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos. Nas palavras do mestre Damásio de Jesus:

A Declaração ressaltou a importância de os países trabalharem, coordenadamente e com a participação integral da sociedade civil, na direção da eliminação da violência contra a mulher, incluindo o tráfico internacional na lista das violações sexuais. As ações, embora não fossem claramente assinaladas, seriam realizadas pela cooperação internacional, não de acordo com o plano de combate ao crime, mas sim nos termos do direito da mulher ao desenvolvimento econômico e social e à superação da desigualdade e da discriminação.83

O processo de busca constante de uma definição acerca do tráfico atingiu o seu ápice em 1994, com a Resolução da Assembléia Geral da ONU que passou a definir o tráfico de pessoas como sendo:

Movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das fronteiras nacionais e internacionais, principalmente de países em desenvolvimento e de alguns países com economias em transição, com o fim de forçar mulheres e crianças a situações de opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício de proxenetas, traficantes e organizações criminosas, assim como outras atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico forçado, os casamentos falsos, os empregos clandestinos e as adoções fraudulentas.84

Um ano após, 1995, em Beijing, deu-se a Quarta Conferência mundial sobre a Mulher. Nesta, em defesa dos direitos das mulheres aprovou-se uma plataforma de ação onde foram estabelecidas dez esferas de ação, tais como: a promoção dos direitos humanos das mulheres, a eliminação da violência contra a mulher, a proteção da auto-suficiência da mulher, o acesso à educação e aos seus serviços médicos, promoção da participação da

82 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

30.

83 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

31.

84 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

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mulher no processo de tomada de decisões, integração dos aspectos relacionados com a igualdade de gênero na política e no planejamento, dentre outros. Observa-se, portanto, na Conferência de Beijing, por meio da referida plataforma de ação, uma recomendação aos estados para que assumam uma posição de combate às razões do tráfico, de ataque aos fatores que de certa forma fragilizam as possíveis vítimas do tráfico tornando-as alvo fácil nas mãos traficantes e exploradores sexuais.85

Ademais, nos termos da Conferência, no que pertine à violência contra a mulher, um dos três objetivos estratégicos traçados seria a eliminação do tráfico de mulheres e a assistência a ser prestada às vítimas da violência derivada da prostituição e do tráfico. Sendo, neste contexto, compreendida a prostituição forçada como uma forma de violência, ao tempo em que, a prostituição voluntária, uma atividade plenamente desprovida de violação a direitos humanos. Ponto de vista, então, contrário àquele apregoado na Convenção de 1949.86

Observada a plataforma de ação, instituída com a Conferência de 1995, segundo relatório elaborado pela Comissão sobre o Estatuto das Mulheres87, alguns dos estados-membros tomaram medidas condizentes com os objetivos traçados, prestando assistência e garantia de permanência temporária às vítimas do tráfico em seu território por razões humanitárias, bem como mobilizaram-se junto a sociedade civil, no sentido de incentivar a troca de informações e aferição das causas e das tendências acerca do violência contra as mulheres, inclusive relativamente ao tráfico.

Como se vê, conforme delineado no teor das Conferências de Viena e de Beijing, proferidas no âmbito da ONU, passou o tráfico de pessoas a ser encarado como verdadeira afronta aos direitos humanos e, como tal, merecedor de medidas a serem assumidas por todos os Estados e Órgãos das Nações Unidas em firme propósito de eliminação do ilícito e valorização da dignidade da pessoa humana.

85 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

31.

86 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In:

Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2007,

p. 13.

87 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

Neste contexto, fora elaborado um Protocolo Opcional à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), em 1995, na Conferência Mundial sobre a Mulher, adotado pela Assembléia-geral da ONU em 1999. Neste, especificou-se em que termos considerar-se-ia a discriminação contra a mulher. Determinou-se a discriminação como sendo todo e qualquer ato atentatório aos direitos humanos da mulher, conforme dá-se no tráfico de pessoas, ilícito que viola direitos e liberdades fundamentais desta, como o direito de ir e vir, o direito ao próprio corpo (integridade física e psíquica), o direito à vivência saudável da sexualidade, dentre outros, considerando-o, portanto, uma prática a ser eliminada nos termos da Convenção.

O Protocolo Opcional à Convenção de 1979, por conseguinte, revelou-se como um poderoso instrumento de aplicação e respeitabilidade dos direitos humanos, em específico, das mulheres. Criou o Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher, atribuindo- lhe competência para receber eventuais denúncias sobre casos de violações de seus direitos.88

Mais adiante, 1998, em Roma, aprovou-se o Estatuto do Tribunal Internacional Criminal Permanente, do qual o Brasil fez-se signatário. Segundo este a violência contra a mulher trata-se de um crime cujo julgamento o Tribunal chama para sua competência. Nestes termos, o Estatuto define os crimes internacionais de escravidão sexual e de prostituição forçada como delitos contra a humanidade, considerando como característica própria da escravidão sexual o exercício de um dos atributos do direito de propriedade sobre uma pessoa, tal como comprar, vender, trocar, impor alguma privação, ou mesmo reduzir alguém à condição análoga à de escravo.

Ainda em 1998, a Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores definiu o tráfico internacional de pessoas com menos de dezoito anos como sendo a “subtração, transferência ou retenção, ou a tentativa de subtração, transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos”, considerando meios ilícitos o seqüestro, o consentimento mediante coerção ou fraude, a entrega ou o recebimento de benefícios para fim

88 JESUS, Damásio E. de . Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

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de obter o consentimento do responsável pelo menor, bem como propósitos ilícitos a prostituição, a exploração sexual, a servidão, dentre outros.89

Ademais, em 1990, o Brasil já assumia compromisso na luta contra o tráfico e a exploração sexual afetos à criança e ao adolescente, ratificando a Convenção sobre os Direitos da Criança, Convenção esta com o maior número de estados-membros (191), e que, por meio de cinco artigos (32, 34, 35, 36, 39), referia-se diretamente a tais questões. Sendo, em 2000, acrescida de dois Protocolos Opcionais, assinados (2001), embora não ratificados pelo Brasil, Protocolo Opcional sobre a Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis e Protocolo Opcional sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados. Observe-se que o primeiro, ao tratar de temas como a venda e a adoção ilegal de crianças, a prostituição e a pornografia infantis, clama por iniciativas, projetos e ações por parte dos estados-membros no propósito de combater e eliminar tais ilícitos transnacionais.

Neste ínterim, diante de tantas vozes acerca do assunto, as Nações Unidas, em Assembléia Geral, designou a um comitê intergovernamental a elaboração de uma Convenção Internacional contra o Crime Organizado Transnacional, e, ainda neste momento, a