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Definições de participação

No documento Participação e Governança na Era Lula (páginas 56-60)

CAPÍTULO II: CULTURA

1. Definições de participação

A participação tem vindo a ser discutida nas mais diversas instâncias dos estudos sociais e nos mais diferentes espaço. Esta sempre fez parte do fazer humano, entretanto quando instrumentalizada e racionalizada constrói para si subjetividades próprias que interagem com esferas diversificadas de poder. Ao buscar neste capítulo uma historicidade da participação, busca-se perceber como ela, enquanto participação coletiva, relacionou-se com as estruturas do Estado e da sociedade e como influenciou e é influenciada no contexto social. Para tal, é importante definir e diferenciar os principais conceitos de participação.

O primeiro ponto que é essencial diferenciar é a questão da participação individual da participação coletiva. O primeiro estabelece sua relação humana em contextos simbólicos bastante específicos. Já a participação coletiva ou ação coletiva, que é a que mais nos interessa, explica a participação num contexto mais global e em estruturas de relações de poder, designado um fenómeno identitário, com uma forte capacidade de representação simbólica, entretanto, sempre dentro de um contexto de sistema social (Guerra, 2006), ou seja, o entendimento da ação coletiva pressupõe um conhecimento prévio do contexto social na qual ela desenvolve-se.

1.1 Participação e contextos políticos

Lavalle (2011) diferencia a participação em diversas instâncias, defendendo-a não só como categoria teórica da democracia, mas também como “categoria nativa da prática política de atores sociais” (Avritzer, 2007: 13). Essa ideia, no entanto, não comporta a totalidade da abrangência da participação que trataremos nesse trabalho. A forma como ela é utilizada pelas partes, como esta ganha legitimidade perante seus pares, perante a sociedade, que autoriza essa participação e como esta possui um papel essencial no que tange a sua validação devem ser considerados estruturantes. E para tal, certos pontos são importantes para que essa conceção não se desfaça nos primeiros constrangimentos.

Algumas questões são suscitadas no desenvolvimento atual da literatura sobre participação, tanto no campo teórico, como também na observação e análise dos efeitos que esta possui nas tomadas de decisão. Guerra (2006:8), por exemplo, defende que “participação não é sinônimo de consenso”, ou seja, mais do que encontrar um discurso comum, a participação exige um olhar mais aprofundado sobre as racionalidades dos grupos que o compõem, mas que quanto maior a pluralidade dos atores envolvidos, mais alcance ela possui. Este, certamente, não é um processo simples e, exatamente por esta razão, é

essencial perceber que esta possui níveis e tipos e que influenciam diretamente no peso e na qualidade destas decisões tomadas. Mais a frente, por exemplo, observaremos com este processo se deu no Brasil e como a participação popular transitou para as instituições participativas. Bordenave (2002) defende que, a participação não só é necessária, mas também que esta é uma necessidade humana, pois este individuo/sujeito é um ser em constante necessidade de interação social. Essa ideia vai ao encontro, por exemplo, das formas de participação no Brasil no período da ditadura militar, onde apesar da ausência de uma sociedade democrática, a participação encontrou meios de existir.

1.1.1 A representação dentro da Participação

Atualmente muitos discursos concentram-se na crise do sistema democrático, no afastamento e falta de empatia pelos políticos escolhidos para representação, com isso, outras formas de interação são experimentadas para que esse fosso seja reduzido.

Este ponto é crucial para entender a real função da participação dentro da democracia representativa. Um dos primeiros questionamentos acerca da participação e da representatividade passa por entender o que a participação representa dentro da estrutura da democracia representativa, se ela não seria apenas uma reprodução em pequena escala da própria representação, ou se de fato essa participação consegue penetrar nas estruturas de poder influenciando-a internamente. No entanto, Avritzer (2007) diferencia a representação parlamentar da representação na participação, pois traçam caminhos distintos. A representação parlamentar atualmente possui sistemas estabelecidos com mecanismos de controlo rígidos, mas com carater bem generalista quando se trata de temas, possui uma abrangência territorial forte, porém limitada ao contexto nacional, já a participação é dada por reconhecimento entre partes, concentrada principalmente por temáticas, sua ação pode extrapolar territórios e tem como finalidade “interacção e a cooperação programadas com vista a atingir objectivos concertados” (Guerra, 2006: 16). Assim, vemos que enquanto representantes parlamentares tratam de diversos assuntos que devem repercutir num determinado território, os atores sociais tratam de temas específicos que podem ser replicados em contextos socias semelhantes, mesmo fora do território nacional.

Ao tratar da ausência ou fluidez de fronteiras na participação, fala-se do desenvolvimento da participação, quer dizer que, nem todas as consequências são passiveis de serem medidas. Percebe-se que a soberania deixa de ser um processo dado a partir de um esquema de delegação e passa a ser um espaço de discussão não monopolizado que pode e deve ter suas decisões revisitadas a qualquer tempo (Urbinati, 2006). Ao ultrapassar a ideia de soberania entendida a partir de construção de fronteiras sejam elas ideológicas, sociais, culturais, coloca uma questão importante no que tange a legitimidade dos interlocutores que, como falado acima, ao contrário do sistema representativo acontece por reconhecimento entre partes. Entretanto, como se dá esse processo de reconhecimento é algo ainda bastante nebuloso, onde se colocam algumas perguntas, é um reconhecimento vindo da escala

superior, nesse caso o Estado? Da população? Ou dos outros pares já reconhecidos? Entretanto, sabe-se que muitos desses pares podem ser extremamente distantes dos cidadãos construindo um paradoxo, onde o Estado busca a participação para legitimar seu papel buscando reaproximar-se dos cidadãos, mas esta participação ecoa também em indivíduos que nem sequer tomaram parte deste processos.

Neste contexto é essencial ressaltar que a participação, como é vista e utilizada pelo poder do Estado, não tem como objetivo uma mudança estrutural do tipo de democracia da sociedade em si, mas ela apresenta-se como uma especialização da própria representação (Avritzer, 2007) que, aparentemente, cria um teto no tipo de tomadas de decisões na relação Estado e Sociedade Civil. No entanto, este não pode negar a fluidez e a capacidade de penetração da participação, pois como observado acima, esta possui racionalidades próprias e outras formas de penetração social.

O Estado tem como objetivo real um “alargamento da base democrática da sociedade, de forma que todos tenham consciência explícita de que participam racionalmente da acção pública” (Guerra, 2006: 17), mas sempre com o objetivo da legitimação da ação do Estado e é possível que aqui encontre-se o limite da participação, provavelmente imposto pelos atores com mais poder dentro daquela dinâmica. Wampler (2011), por exemplo, diz que a dissonância dos interesses entre as partes interessadas em relação aos representantes do Estado tendem a reduzir a base do diálogo entre ambos, principalmente se este conselho pautar seu discurso em tons mais críticos. Sendo assim, há nestes espaços um entendimento primário para o desenvolvimento de uma base de diálogo que não desenvolve-se no consenso como defende Guerra (2006), mas pautam-se por um objetivo comum e desenvolvem, na verdade, os caminhos que possam ser traçados para chegarem a tal objetivo.

Avritzer (2007) observa a participação também sob a ótica das distorções do próprio sistema político que é “incapaz de dar conta da totalidade das relações representação entre os atores sociais e o Estado” (Avritzer, 2007: 452), assim a participação seria uma forma de alimentar a representação criando interlocutores com uma escuta mais apurada para situações que passam-se no terreno e que o Estado não consegue alcançar.

A interação entre Estado e Sociedade civil é antiga, porém o afinamento deste processo deu-se a partir dos anos 80. Nos países ditos, em desenvolvimento, a dificuldade que o Estado tinha em atingir certos setores da sociedade abriu um grande espaço para que essas instituições crescessem. O Estado, por sua vez cooptou boa parte dessas instituições para orientar sua própria gestão, como diz Guerra (2006:16) “a participação dos actores económicos e sociais nas políticas de desenvolvimento advém da concepção de gestão da esfera pública que apela à participação dos actores e ao reconhecimento de cada projecto de mudança social, engendra energia positivas para a mudança nos atores envolvidos”, reafirmando principalmente perante os cidadãos sua legitimidade enquanto governo bem- sucedido.

No tereno o que se observa é uma larga dificuldade do Estado em penetrar certos territórios. Entretanto, no caminho encontram essas instituições que seguem no sentido

oposto indo diretamente ao encontro do Estado. Avritzer (2007), contudo, questiona principalmente a real legitimidade dessas instituições como efetiva representante de um tema/e ou grupo, diz que na maior parte das vezes “a representação da sociedade civil é um processo de superposição de representações sem autorização e/ou monopólio para o exercício da soberania” (Avritzer, 2007: 444). Aqui encontra-se um problema estrutural da forma como a democracia representativa relaciona-se com a participação da sociedade civil, levando a questionar principalmente como dá-se o processo que oferece legitimidade ou não para determinada instituição.

Convém perceber que a questão da participação, por si só uma dinâmica complexa, quando relaciona-se com estruturas fortes e profundas como o Estado, tende a criar também estruturas e dinâmicas cada vez mais fortes para fazer frente aos questionamentos levantados sobre a sua legitimidade, principalmente quando ultrapassam territórios e colocam em cheque certas ações e políticas de outro Estados.

No documento Participação e Governança na Era Lula (páginas 56-60)