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Era Lula e a estrutura da participação

No documento Participação e Governança na Era Lula (páginas 60-62)

CAPÍTULO II: CULTURA

2. Era Lula e a estrutura da participação

O caso brasileiro, no que tange a participação encontra características bastante específicas, marcada por esses processos sociais e políticos ressaltados acima. Neste caso a participação entra na categoria prática, que visa “conferir sentido à ação coletiva de atores populares” (Lavalle, 2011:34), tendo como ponto de partida a emancipação das camadas mais populares da população na década de 1960, exata década em que os direitos civis e políticos foram suspensos com o AI-5 de 1968 (Schwarcz & Starling, 2015), deixando bastante óbvio politicamente que naquele momento que o período ditatorial era efetivo. Somente em 1988 com a nova constituição que aponta caminhos para a inclusão da sociedade civil nos processos democráticos é que ressurge uma espécie de reconciliação entre movimentos sociais e poder público.

A ideia de participação popular constituiu-se participação cidadã, não só através do voto, que até então era vetado a população como um todo, mas também com a criação dos primeiros conselhos que inicialmente constituíam-se por conselhos de saúde, educação e do direito da criança e do adolescente (Lavalle 2011). Foi preciso mais de dez anos para que a cultura alcançasse tal interação com o Estado. As primeiras organizações a acederem os primeiros diálogos, foram as do setor de saúde, na formulação de um embrião do que viria hoje a ser o sistema único de saúde (SUS), que garante a universalidade e gratuidade do acesso a saúde. Contudo, em outras áreas como educação, cultura e tecnologia, a visão neoliberal dominou nos primeiros anos do novo ciclo democrático brasileiro. Não há isenção das partes, no que configura a absorção dos conteúdos neoliberais pois estes também foram absorvidos pela participação popular (Lavalle,2011). Tal efeito será analisado com mais profundidade mais a frente quando debruçarmo-nos sobre as organizações sociais.

O primeiro vislumbre de mudança observado, em termos de formulação de políticas, data do processo eleitoral de 2002, que viria a eleger no segundo turno Luis Inácio Lula da Silva que inauguraria, principalmente no setor da cultura, uma forma diferenciada de relação. Isto pode ser observado já durante a campanha, onde o próprio programa foi construído com ajuda de figuras reconhecidas no setor da cultura, mais a frente falaremos sobre essas formulações de propostas e como elas desenvolveram-se no terreno, pois neste momento focaremos nessa nova relação do Estado com a sociedade civil.

2.1

“Carta ao povo Brasileiro” a chamada pré-eleitoral para a

participação

Antes de aprofundarmos na importância que a teve a “Carta ao povo Brasileiro” naquele momento no Brasil, é importante perceber como ela funcionou como uma chamada aos cidadãos para o exercício do governo. Esse ponto fica bastante evidente neste trecho: “O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla

negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade” (Silva, 2002: s/n). Certamente esse tipo de chamada, que muitas vezes soou falacioso vindo de outras candidaturas anteriores e posteriores a esta eleição, já foi realizada, o que é importante é perceber a razão pela qual ela foi vista como um compromisso real tendo um peso tão grande ou até maior do que o próprio programa de governo.

As relações estreitas e fortes que o Partido dos Trabalhadores possuía com os grandes movimentos sociais, nomeadamente Movimento dos Sem Terra, União dos Estudantes (UNE) e Central única dos trabalhadores (CUT) legitimaram perante o eleitorado os compromissos afirmados, mesmo que na realidade muitas questões durante a legislatura tenham sido difíceis de se estabelecerem e outros nem mesmo chegarem a acontecer efetivamente. Entretanto, os movimentos sociais e suas organizações deram base para a sustentabilidade da candidatura que levaria Lula à vitória.

Entretanto, não se pode dizer que esta forma de governar trouxe modificações na estrutura do Estado, o que aconteceu efetivamente foi um preenchimentos dos espaços vazios que ligaram a população com o poder federal construindo sistemas de articulação do poder local, regional e federal, onde não só as responsabilidades são divididas como também as demandas da população. Wampler (2011) ressalta que o poder legislativo local segue subordinado ao Poder executivo, o que pode significar um problema pois esta seria uma outra via para que ligação dos cidadãos com espaços participativos. Defende também a participação como um “enxerto” (Wapler, 2011:151) no próprio sistema democrático, realizando ligações em partes fraturadas.

Politicamente, revelou-se um novo processo, onde tais movimentos habituados a estar em posições opositoras, não só seriam ouvidas, como fariam parte deste mesmo processo, gerando uma momentânea crise identitária dos próprios movimentos sociais, que se debatia com algumas questões internas “de um lado, o abandono das utopias revolucionárias e a convicção normativa do valor da democracia como marco institucional para processar a mudança social; do outro, a crítica ao domínio das compreensões meramente institucionais da democracia e o empenho de reintroduzir questões substantivas no campo da teoria democrática.” (Lavalle, Houtzager, & Castello, 2006:76), ou seja, o tão desejado caminho para uma democracia porosa que ouvisse a população estava ao alcance naquele momento. Entretanto, estava também no centro da questão uma espécie de teste que coloca a sociedade civil e a sua capacidade de relação com as instituições políticas do Estado.

Atualmente observa-se com muita mais atenção a capacidade de influência da sociedade civil e principalmente como ela refinou a ideia de democracia ao mesmo tempo que é diretamente influenciada pela mesma.

CAPITULO IV: Governança e gestão de

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