Antes de definirmos o conceito de superf´ıcie de Riemann, vamos definir alguns conceitos da teoria das fun¸c˜oes de uma vari´avel complexa, que ser˜ao fundamentais para o entendimento do trabalho.
Seja U ⊂ C um aberto do plano complexo e seja f : U → C uma aplica¸c˜ao de classe
C1 (f e f0 cont´ınuas). Dizemos que f ´e uma aplica¸c˜ao conforme se f preserva ˆangulos
e preserva a orienta¸c˜ao do plano. Dizemos que f ´e anti-conforme se f preserva ˆangulos, mas inverte a orienta¸c˜ao do plano.
Observa¸c˜ao: uma aplica¸c˜ao holomorfa injetora ´e sempre uma aplica¸c˜ao conforme.
Defini¸c˜ao 2.3.1 Um espa¸co topol´ogico de Hausdorff S ´e uma superf´ıcie de Riemann
se existir uma fam´ılia {(ϕi, Ui), i ∈ I}, chamada de atlas tal que:
1. {Ui, i ∈ I} ´e uma cobertura aberta de S.
2. cada ϕi : Ui → Vi ´e um homeomorfismo de Ui sobre um aberto Vi do plano complexo.
Essas aplica¸c˜oes s˜ao chamadas de cartas locais de S. 3. Se Ui∩ Uj 6= ∅, ent˜ao
ϕij = ϕj ◦ ϕ−1i : ϕi(Ui∩ Uj) −→ ϕj(Ui∩ Uj)
Figura 2.1: mudan¸ca de cartas anal´ıtica ϕj ◦ ϕ−1i ϕi ϕj Ui Uj
Todas as Superf´ıcies de Riemann s˜ao variedades orient´aveis pois o determinante da matriz Jacobiana de uma aplica¸c˜ao biholomorfa ´e sempre positivo.
Defini¸c˜ao 2.3.2 Sejam S1 e S2 superf´ıcies de Riemann. Uma aplica¸c˜ao cont´ınua
f : S1 → S2 ´e uma aplica¸c˜ao anal´ıtica em p ∈ S1 se para qualquer carta local ϕ1 : U1 → V1
de S1 ao redor de p e para qualquer carta local ϕ2 : U2 → V2 de S2 ao redor de f (p), a
aplica¸c˜ao ϕ2◦ f ◦ ϕ−11 for anal´ıtica complexa numa vizinhan¸ca de ϕ1(p) .
Mais ainda, dizemos que f : S1 → S2 ´e anal´ıtica se ela for anal´ıtica em todos os
pontos de S1.
Figura 2.2: aplica¸c˜ao anal´ıtica entre superf´ıcies de Riemann ϕ2◦ f ◦ ϕ−11 ϕ1 ϕ2 U1 V1 U2 V2 p f f (p)
Vejamos alguns exemplos de Superf´ıcies de Riemann:
Exemplo 2.3.3 O plano complexo C .
Exemplo 2.3.4 A esfera de Riemann C∞= C ∪ {∞} .
Exemplo 2.3.5 Dom´ınios: subconjuntos abertos e conexos de uma Superf´ıcie de Riemann.
Exemplo 2.3.6 Toros.
Defini¸c˜ao 2.3.7 Duas Superf´ıcies de Riemann s˜ao conformemente equivalentes se existir
um homeomorfismo anal´ıtico, cuja inversa ´e anal´ıtica, entre essas superf´ıcies. Isto define uma rela¸c˜ao de equivalˆencia na classe de todas as superf´ıcies de Riemann.
O pr´oximo teorema nos d´a uma maneria de construirmos exemplos de superf´ıcies de Riemann a partir da a¸c˜ao de um grupo Kleiniano no plano complexo estendido.
Teorema 2.3.8 Seja G um Grupo Kleiniano agindo em C∞ com conjunto regular Ω.
Seja p : Ω → Ω
G a proje¸c˜ao usual. Ent˜ao existe uma estrutura anal´ıtica
Ω
G que a torna uma superf´ıcie de Riemann e torna p uma aplica¸c˜ao anal´ıtica.
A demonstra¸c˜ao desse teorema poder ser encontrada no livro [7], p´agina 27.
O teorema seguinte, conhecido como Riemann Mapping Theorem, garante que existem apenas trˆes tipos de superf´ıcies de Riemann compactas simplesmente conexas: o plano complexo, isomorfo ao R2, o plano hiperb´olico (disco unit´ario aberto) e a esfera de
Riemann C∞.
Teorema 2.3.9 Seja S superf´ıcie de Riemann compacta simplesmente conexa. Ent˜ao:
S = R2 ou S = H2 ou S = S2 .
A demonstra¸c˜ao desse teorema pode ser encontrada no livro [3], p´aginas 179-188.
Por ´ultimo, o Teorema de Uniformiza¸c˜ao de Riemann, que ´e fundamental para o entendimento e constru¸c˜ao das superf´ıcies de Riemann compactas.
Teorema 2.3.10 Seja S superf´ıcie de Riemann compacta. Ent˜ao S ´e analiticamente
equivalente `a superf´ıcie Se
G, sendo eS o recobrimento universal de S e G um grupo Kleiniano agindo em eS = R2 ou H2 ou S2. G = π
Cap´ıtulo 3
Espa¸co de Teichm¨uller
3.1
Introdu¸c˜ao
O Problema de Moduli de Riemann ´e descrever as classes de isomorfismo de todas as superf´ıcies de Riemann em uma dada classe topol´ogica.
Riemann resolveu esse problema para superf´ıcies de Riemann simplesmente conexas. O Teorema de Uniformiza¸c˜ao de Riemann afirma que existem somente trˆes tipos diferentes de superf´ıcies de Riemann simplesmente conexas: o disco unit´ario, o plano complexo e a esfera de Riemann. No caso de superf´ıcies “duplamente” conexas X, pode-se mostrar que elas s˜ao isomorfas a um dom´ınio plano do tipo:
A(rX, RX) = {z ∈ C | rX < |z| < RX}
para algum rX e RX com 0 ≤ rX ≤ RX ≤ ∞. Al´em disso, quando X n˜ao ´e o plano
furado ou um disco furado, o quociente r = RX/rX determina a classe de isomorfismos
da superf´ıcie duplamente conexa X. Desse modo, o espa¸co de moduli dessas superf´ıcies
X ´e identificado com a semi-reta {r ∈ R | r > 0}.
A situa¸c˜ao torna-se mais interessante quando a topologia da superf´ıcie de Riemann em quest˜ao ´e mais complicada. Em primeiro lugar, complica¸c˜oes j´a s˜ao encontradas em
superf´ıcies de Riemann “triplamente conexas”, isto ´e, em cal¸cas: Uma cal¸ca ´e um superf´ıcie de Riemann homeomorfa a
S := ½ z ∈ C : |z| ≤ 1, |z −1 2| ≥ 1 4, |z + 1 2| ≥ 1 4 ¾
equipada com uma m´etrica hiperb´olica de tal modo que suas trˆes curvas de fronteira s˜ao geod´esicas.
Figura 3.1: dom´ınio trˆes-c´ırculo
Com o objetivo de resolver o problema de Moduli de Riemann para uma cal¸ca, na pr´oxima se¸c˜ao, demostraremos o seguinte reultado:
Teorema 3.1.1 A estrutura conforme (hiperb´olica) de uma cal¸ca ´e unicamente deter-
minada pelos comprimentos de suas trˆes curvas de fronteira c1, c2 e c3. Reciprocamene,
dados quaisquer n´umeros reais positivos λ1, λ2 e λ3, existe uma cal¸ca S cujas curvas de
fronteira c1, c2 e c3 possuem os comprimentos λ1, λ2 e λ3 respectivamente.
Esse teorema d´a origem `a seguinte constru¸c˜ao: seja
M (S) = { X | X ´e uma estrutura complexa em S }.
Observe que o grupo de homeomorfismos que preservam orienta¸c˜ao de uma cal¸ca S, deno- tado por Homeo+(S), age em M (S) do seguinte modo: seja X ∈ M (S) uma estrutura
complexa em S e seja f ∈ Homeo+(S). Definimos f∗(X ) ∈ M (S) como a estrutura
complexa em S tal que a aplica¸c˜ao
f : (S, f∗(X )) → (S, X )
´e uma equivalˆencia holomorfa entre essas duas superf´ıcies de Riemann. Para ser mais claro, se ϕi : Ui ⊂ S → C ´e uma carta da estrutura complexa X , ent˜ao ψi = ϕi◦f : f−1(Ui) → C
´e uma carta da estrutura complexa f∗(X ).
Desse modo, ´e natural identificarmos essas duas estruturas complexas de S em M (S). Assim, o espa¸co de Moduli de S ´e definido por:
Mod (S) = M (S)
Homeo+(S)
.
Entretanto, vamos analisar mais cuidadosamente as aplica¸c˜oes de Homeo+(S) que
deixam invariante cada uma das curvas de fronteira c1, c2 e c3 de S.
Argumentos topol´ogicos mostram que f ∈ Homeo+(S) deixa cada uma das curvas
de fronteira de S invariante se, e somente se, f ´e homot´opica `a identidade. Seja ent˜ao
Homeo0(S) o subgrupo de Homeo+(S) constitu´ıdo de todas as aplica¸c˜oes homot´opicas `a
identidade.
Naturalmente, da constru¸c˜ao acima, como Homeo0(S) ´e subgrupo de Homeo+(S),
podemos considerar a a¸c˜ao de Homeo0(S) em M (S). O espa¸co quociente obtido desta
a¸c˜ao ´e chamado espa¸co de Teichm¨uller de S: Teich (S) = M (S)
Homeo0(S)
.
Das considera¸c˜oes anteriores e do Teorema 3.1.1, o espa¸co de Teichm¨uller de uma cal¸ca S com curvas de fronteira c1, c2 e c3 possui a seguinte caracteriza¸c˜ao como conjunto:
seja [X ] ∈ Teich (S) a classe de equivalˆencia de uma certa estrutura complexa em S. Os comprimentos l(c1), l(c2) e l(c3) das curvas de fronteira de S, quando S est´a munida da
de um representante X em [X ]. Isso define uma aplica¸c˜ao: Φ : Teich (S) → R+× R+× R+
[X ] 7→ (l(c1), l(c2), l(c3))
O teorema 3.1.1 implica imediatamente em:
Teorema 3.1.2 A aplica¸c˜ao Φ descrita acima ´e uma bije¸c˜ao.
Desse modo, o espa¸co de Teichm¨uller de uma cal¸ca possui uma descri¸c˜ao razoavel- mente simples. Voltemos agora ao problema de analisarmos o espa¸co de Moduli de S. ´E claro que Homeo+(S) cont´em aplica¸c˜oes que permutam as trˆes curvas de fronteira de S
de todas as seis maneiras poss´ıveis. Da´ı conclu´ımos que Mod (S) = R+× R+× R+
permuta¸c˜ao de coordenadas .
Esse exemplo simples, o estudo dos espa¸cos de Moduli e de Teichm¨uller de uma cal¸ca, serve para ilustrar a diferen¸ca entre o espa¸co de Teichm¨uller e o espa¸co de Moduli de uma superf´ıcie de Riemann.
Vamos agora estender as defini¸c˜oes anteriores para qualquer superf´ıcie e vamos, nas pr´oximas se¸c˜oes, determinar o espa¸co de Teichm¨uller de uma superf´ıcie de Riemann com- pacta de gˆenero ≥ 2 .