• Nenhum resultado encontrado

Mapa 2.14 A divisão entre WMP e CEMPMapa 2.15 Mapa Linguístico de Timor-Leste.

3 O MAMBAE E SUA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA

3.1 Definindo a Identidade Étnica Mambae

Durante o trabalho de campo era comum ouvir dos falantes Mambae que eles eram mutualmente inteligíveis, principalmente com falantes Mambae de aldeias próximas. Contudo, estes mesmos afirmavam se comunicar com grupos Mambae de aldeias distantes sempre na língua Tetun, pois receavam não serem bem compreendidos.

Se não possuem o mesmo canal de comunicação e não são uma única comunidade de fala, o que define a identidade étnica Mambae? São os diferentes reinos que no passado existiram? Algum agrupamento histórico?

45 RDTL, 2017b.

Como discutido em §1.1.4.6, a identidade étnica é um fator chave na identificação linguística. A identidade étnica não é simplesmente uma questão de categorias e nomenclatura; nem as identidades podem ser pesquisadas de forma redutiva como se fossem fenômenos comunicacionais de primeira ordem. Um determinado grupo pode afirmar seu status único através de qualquer variedade de símbolos, incluindo valores distintivos, rituais, tradições, festivais, vestimenta étnica e outros aspectos diversos da cultura material. Segundo observado em §1.1.4.6, a identidade é mais profundamente associada à linguagem; e, na medida em que a linguagem depende da identidade étnica para uma definição adequada, as avaliações das categorias étnicas e a nomenclatura fornecem informações fundamentais sobre as distinções de identidade etnolinguística percebidas, úteis para uma definição sincrônica da língua.

Mahapatra (1981 apud Pattanayak, 1990), discutindo etnicidade, identidade e língua mostra que, em muitos casos, etnicidade é o foco primário da identidade de um grupo, e que língua e etnicidade são co-extensivos. Assim, em alguns casos, o fator cultural pode ser mais identitário do que a própria língua.

Nesta perspectiva, uma das definições de melhor aplicabilidade ao ecossistema Mambae é a de Giddens (2001) sobre identidade e seus atributos, nos quais a identidade está relacionada com o entendimento que as pessoas têm acerca de quem são e do que é importante para elas. Este entendimento constitue-se pela função de certos atributos que são prioritários em relação a outras fontes geradoras de sentido. Giddens (2001) afirma que na sociologia há dois tipos de identidade que podem ser usados aqui para explicar a unidade e diversidade Mambae: a identidade social e a identidade pessoal respectivamente, que embora sejam analiticamente distintas, estão profundamente relacionadas.

A identidade social constitui-se das “características que os outros atribuem a um indivíduo” (Giddens, 2001, p. 29). São marcadores que, de forma geral, indicam quem é esta pessoa e, ao mesmo tempo, posicionam esta em relação a outros indivíduos com os quais compartilha as mesmas características. No caso do povo Mambae estas características são atribuídas por sua concepção cosmológica.

Todos aqueles que se declaram Mambae, não necessariamente falam uma língua Mambae, mas possuem uma identidade distinta: compreender e conservar o cosmos, e se identificarem como os únicos guardiões de céu e da terra, distinguindo-os de todas outras pessoas da ilha de Timor. Traube (1986, p. 48) afirma que a identidade coletiva (social) Mambae é definida em termos de privilégios e responsabilidades nos rituais destes em nome de todos os outros habitantes da terra.

Referente a identidade individual, Giddens (2001) afirma ser este o processo de desenvolvimento pessoal por meio do qual as pessoas formulam uma noção intrínseca de si próprios e do relacionamento com o mundo a sua volta. No povo Mambae, a identidade individual é caracterizada por sua genealogia, ou seja, por sua uma lisan47 de origem dentro do

povo Mambae.

Isto evidenciou-se durante a pesquisa de campo, quando um dos entrevistados afirmou que nos postos administrativos de Remexio e Liquidoe, município de Aileu, todos falavam o mesmo Mambae. Quando indagado do por quê, afirmou que eles são oriundos de Raimaus, lugar onde se localiza as uma lisan do povo destas duas regiões. Conforme o encaminhamento da pesquisa, notou-se que esta informação condizia com os resultados obtidos também pela análise lexical que será vista na próxima seção.

A uma lisan representa a origem genealógica timorense, que no caso do povo Mambae é de linhagem patrilinear, reforçando a identidade através da relação entre a pessoa e sua família, e o laço desta com os seus antepassados. A definição de uma lisan não é muito clara por não haverem estudos sobre esta e por sua concepção estar entrelaçada com a uma lulik48 - casa relacionada com a prática de rituais e crenças timorenses -, sendo o ponto focal do protocolo cerimonial.

Os textos que descrevem sobre este assunto afirmam que uma lisan e uma lulik são a mesma coisa. Contudo, nenhum dos timorenses entrevistados confirmaram tal afirmação. Pelo contrário, explicaram as diferença entre as duas ‘casas’ como já explanado acima.

Segundo Fox (2011, p. 252), ao longo dos anos, novas uma lulik foram surgindo de diferentes grupos, mas não por conta própria, mas sempre em relação a uma outra uma lulik. Ele afirma que cada uma lulik faz parte de uma rede conectada às outras uma lulik, permitindo que grupos e indivíduos rastreim sua origem, sua fonte comum e, ao mesmo tempo, fornecer a base para a cooperação ritual do presente (2011, p 254).

Entretanto, salienta-se aqui que nem toda uma lisan Mambae possui falantes de uma língua Mambae. Como visto no capítulo anterior, há entre o povo Mambae aqueles que são falantes de Tetun e dizem ser oriundos de uma uma lisan Tetun. Acredita-se que isso se deve a fatores históricos, possivelmente por conta dos antigos reinos que ali coexistiram.

Diante disto, conclui-se que a identidade social do povo Mambae é marcada por sua cosmologia, enquanto sua identidade individual pela sua genealogia e, consequentemente, sua língua. Deste modo, a hipótese que surge é que uma pessoa Mambae pode ser de uma uma lisan

47 lit. casa tradicional.

de língua Tetun ou de uma lisan de língua Mambae. Esta hipótese precisa de um estudo mais aprofundado, que poderá ser abordado numa pesquisa posterior.

Esta concepção é corroborada pela percepção de Edwards (1994, pág. 128), no qual a identidade étnica é a lealdade de um grupo com os seus ancestrais. Não há necessidade de uma continuação, ao longo de gerações, da mesma socialização ou padrões culturais, mas um senso de um limite do grupo deve permanecer. Isso pode ser sustentado por características compartilhadas (linguagem, religião, etc.) ou por contribuições mais subjetivas para um senso de "grupo" ou por alguma combinação de ambos.

Hatfield e Lewis (1996, p. 43) afirmam que ao pesquisar sobre identidade étnica e língua, deve se observar as múltiplas identidades e, debaixo de determinadas circunstâncias, como uma língua está relacionada com aquela identidade - que no caso do povo Mambae, pode- se encontrar falantes de Mambae e Tetun dentro de uma visão cosmológica unificada.

Documentos relacionados