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5 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS PARA INVESTIGAR O DISCURSO DE PESSOAS SURDAS

5.2 Delineamento de Pesquisa

No que diz respeito aos procedimentos práticos de realização do estudo, esta pesquisa realizou-se através da análise do discurso de cinco sujeitos surdos e surdas, classificados como possuidores de surdez profunda e surdez moderada. Sendo quatro com surdez profunda e um com surdez moderada. Todos filhos de pais ouvintes. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados e contatado através do conhecimento prévio e de contatos pessoais da pesquisadora com as faculdades atuantes na cidade de Caruaru. Os critérios de participação foram, além do diagnóstico de surdez profunda e moderada, o fato de ter alcançado o ingresso em um curso superior em Caruaru e a disponibilidade de participar das entrevistas. Foram procuradas e aceitaram participar da pesquisa uma pessoa do gênero masculino e quatro do gênero feminino, todas elas matriculadas e concluintes em cursos de graduação e/ou pós-graduação na cidade Caruaru, em Pernambuco. As idades variam entre 20 e 33 anos no momento da redação desta pesquisa. Foram realizadas entrevistas narrativas em conjunto com um roteiro semiestruturado de tópicos, diretamente em Libras, com registros feitos por meio de vídeo, com cada um/a dos sujeitos da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas individualmente em salas reservadas e tiveram como técnica a produção de uma narrativa de vida, que proporcionou investigar junto aos estudantes surdos e surdas os processos de constituição de subjetividade no percurso da escolarização vivenciado por esses sujeitos. Com um dos entrevistados, foi necessário realizar mais de uma sessão de entrevista. Sendo oportunizado ao participante a liberdade de expressar livremente sobre suas vivências pessoais permitindo vir à tona os aspectos relevantes para a temática investigada. O foco nas entrevistas foi direcionado para o tema aquisição da linguagem, enfatizando sua relação com o processo de escolarização desses sujeitos. Algumas perguntas para aprofundamento da narrativa foram elaboradas antecipadamente e organizadas de forma semiestruturada, mantendo a flexibilidade e a liberdade da pesquisadora em sua formulação e articulação na entrevista. As questões foram direcionadas, tendo como base a pergunta problema da presente pesquisa.

A técnica da narrativa de vida apresenta-se como uma ferramenta de estímulo e encorajamento para a pessoa entrevistada relatar suas histórias. A entrevista narrativa proporciona não apenas o relato cronológico de acontecimentos, mas também

proporciona o reconhecimento das funções, sentidos e significados que permeiam toda a história narrada pelos sujeitos. Essa técnica vai além do esquema pergunta-resposta, possui a forma de entrevista não-estruturada, tendo a mínima influência possível do entrevistador, não impondo suas formas de linguagens (BAUER; JOUCHELOVITCH, 2002).

Bauer e Jovchelovitch (2002) descrevem que existem fases importantes a serem adotadas. A primeira é a preparação, nesta fase a exploração do campo e a formulação de questões que reflitam o interesse do pesquisador devem ser desenvolvidas. Posteriormente, vem o processo de iniciação, contendo a formulação do tópico inicial para narração, esse tópico deve permitir a abertura e progressão do processo de narração. Após inicio da narração, a mesma não deve ser interrompida. Os autores referem-se a essa etapa como narração central, mencionando que “durante a narração, o entrevistador se abstém de qualquer comentário, a não ser sinais não verbais de escuta atenta e encorajamento explícito para continuar a narração” (BAUER; JOUCHELOVITCH, 2002, p. 99).

No tocante a entrevista, contatamos que: “A entrevista se impõe sempre que se ignora o mundo referência ou que não se deseje decidir a priori sobre o sistema de coerência interno as informações pesquisadas” (BLANCHET e GOTMAN apud BRANDÃO, 2002, p. 38). A postura demonstrando interesse deve ser utilizada por parte do entrevistador e intervenções devem ser feitas após finalização no que se refere a oportunizar o sujeito a falar algo a mais. Ao fim da narração central, inicia-se a fase de questionamentos, esses devem ser direcionados no intuito de complementar as lacunas, indo das perguntas referentes à narrativas para as outras questões de interesse da pesquisa. Por fim, após a finalização da gravação, seja verbal ou visual, deve-se estar atenta a este momento em que muitas vezes apresentam comentários informais, que podem ser de muito valia (BAUER; JOUCHELOVITCH, 2002).

Referindo-se à postura da pesquisadora, Brandão (2002, p. 40) corrobora que “empatia, engajamento mútuo (pesquisador e pesquisado) e objeto da pesquisa são elementos da triangulação fundamental para a condução do processo. O equilíbrio entre engajamento e distanciamento deve ser perseguido o tempo todo”. Considerando a não necessidade da presença de uma terceira pessoa, ou seja, um interprete como tradutor da Língua Brasileira de Sinais no processo das entrevistas facilitará o processo de

engajamento entre pesquisadora e sujeitos. O fato da pesquisadora ser fluente em Libras proporcionará um melhor engajamento.

Utilizaremos também como instrumento de pesquisa o diário de campo, cuja finalidade será registrar as percepções, sensações e observações vivenciadas durante as coletas de dados. “A fim de não perder esta importante informação, é aconselhável ter um diário de campo, ou um formulário especial para sintetizar os conteúdos dos comentários informais em um protocolo de memoria, imediatamente depois da entrevista” (BAUER; JOUCHELOVITCH, 2002, p. 100). No que concerne diário de campo, Lage menciona que:

(...) torna-se imprescindível o registro da experiência por meio de diário de campo, onde deverão ser anotadas em suas páginas a vivência da pesquisa e o universo que se acessou – de entrevistas à conversas informais, de sentimentos à dados quantitativos, de momentos de tensão até cânticos, marchas e encontros, indo além das observações e reflexões do pesquisador(a). (...) Sem uma forma sistêmica de registro das observações corre-se o risco de findado o período do trabalho de campo, perder a memória de momentos importantes. Nesta direção, o diário de campo é um instrumento não só de registro, mas fundamentalmente um instrumento de análise de todo o trabalho de campo (LAGE, 2013, p. 63).

Quanto aos procedimentos de análise e discussão dos dados coletados, serão submetidas à Análise do Discurso tendo como horizonte teórico a Teoria Política do Discurso elaborada por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. Orlandi (2005) refere-se às bases da análise, direcionando-se à constituição do corpus, que deve seguir critérios empíricos. Eni Orlandi aponta que o objeto de discurso não é dado, para que se chegue a ele é necessário a análise, a convergência da superfície linguística do dado empírico e do discurso concreto, em um objeto teórico. Com isso, visa-se compreender como um objeto simbólico produz sentidos.

Mendonça e Rodrigues (2014, p.47) afirmam que a teoria do discurso na perspectiva de Laclau e Mouffe “tem vivamente o potencial de ser uma ferramenta de compreensão social, uma vez que seu próprio entendimento dar-se aqui a partir da construção de ordens discursivas, sendo a questão do poder central e constituidora de relações sociais”. Para Laclau o social deve ser percebido a partir da lógica do discurso.

Discurso por sua vez, não deve ser aqui entendido como um simples reflexo de conjuntos de textos. Discurso é uma categoria que une palavras e ações, que tem natureza material e não mental e/ou ideal. Discurso é prática – daí a noção de prática discursiva – uma vez que quaisquer ações empreendidas por

sujeitos, identidades, grupos sociais são ações significativas (MENDONÇA; RODRIGUES, 2014, p.47).

Essa consideração de Mendonça e Rodrigues remete-nos a considerar a afirmação de Giacaglia (2006, p. 101) que menciona: “Por discurso não entendemos, então, uma combinação de fala e escrita, mas, pelo contrário, a fala e a escrita são apenas componentes internos das totalidades discursivas”. Orlandi cita Vignaux (1979) descrevendo que todo discurso tem como base um projeto totalizante de sujeito.

No próximo capítulo, abordamos a Educação e Subjetividade surda, através do corpus coletado. As entrevistas foram realizadas em Libras, registradas em vídeo e transcritas sem utilização de sistemas tecnológicos. Foram destacados para análise os seguintes eixos temáticos: Escolarização, Aquisição da Língua de Sinais e Inclusão de surdos e surdas na educação. O capítulo é finalizado, buscando evidenciar através da análise dos discursos dos participantes o processo de Escolarização, Libras e Subjetividades Surdas.

6 EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE SURDA OU SOBRE O OLHAR E AS CORES DO