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A Teoria do Discurso e a Escola Francesa de Análise do Discurso

5 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS PARA INVESTIGAR O DISCURSO DE PESSOAS SURDAS

5.1 A Teoria do Discurso e a Escola Francesa de Análise do Discurso

A partir do problema de pesquisa delineado e da compreensão do processo de pesquisa em educação que foi apresentado nas páginas anteriores, esta pesquisa buscou desenvolver uma estratégia de investigação fundamentada numa apropriação das técnicas e conceitos da tradição francesa de análise do discurso a partir da perspectiva filosófica e ontológica da teoria do discurso de Laclau e Mouffe. No que se refere a análise do discurso, reconstituir um percurso histórico é uma ação complexa e difícil de ser realizada uma vez que a AD faz parte de um imenso campo com inúmeras correntes diferentes. Dominique Maingueneau, abordando a AD a partir de uma perspectiva histórica menciona que:

Trata-se de um espaço de pesquisa fervilhante e que não pode ser remetido a um lugar de emergência exato. Atribui-se frequentemente um papel fundador a pensadores tais como E. Goffman, L. Wittgenstein, M. Foucault ou M. Bakhtin; indubitavelmente eles tiveram um papel importante, mas a abordagem de cada um deles abrange apenas parte desse imenso campo, e nenhum deles recortou, mesmo com outro nome, um território que recobrisse mais ou menos o da atual análise do discurso. Só poderíamos construir uma história quase linear se nos restringíssemos a determinadas correntes (MAINGUENEAU, 2015, p. 15).

O autor cita que as problemáticas que contemplam a AD no contexto atual surgiram em 1960, tendo como espaço mais específico os Estados Unidos, a França e a Inglaterra. Mundialmente a expansão ocorreu a partir de 1980. De modo amplo, a filosofia e a linguística contribuíram com as principais reflexões sobre os discursos. No entanto, movimentos paralelos também ocorriam em outros países, para além dos campos anglo-americano e do contexto francês. Na Itália desenvolviam-se vários estudos em literatura e semiótica. Da Rússia também surgiram importantes contribuições como as de Bakhtin, de Jakobson e do formalismo russo, tendo como base o estruturalismo francês. Tratando especialmente do campo da linguística, Charaudeau e Maingueneau (2014) apontam que:

Desde os anos 80, vê-se proliferar o termo “discurso” nas ciências da linguagem, tanto no singular (“o domínio do discurso”, “a análise do discurso”...) quando no plural (“cada discurso é particular”, “os discursos inscrevem-se em contextos”...), segundo a referência seja à atividade verbal em geral ou a cada evento de fala. A proliferação desse termo é o sintoma de uma modificação no modo de conceber a linguagem. Falando de “discurso”, toma-se implicitamente posição contra uma certa concepção da linguagem e da semântica. Em boa medida, essa modificação resulta da influência de diversas correntes pragmáticas, que sublinharam um certo número de ideias- força (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 169) .

Na França, o grande ano da análise do Discurso foi em 1969, Pêcheux publicou o livro “Análise automática do discurso” e Foucault a “Arqueologia do Saber”. Décio Rocha (2014) mostra que o filosofo Michel Pêcheux nesse período se posicionava enquanto direção teórica de modo oposto aos trabalhos na época desenvolvidos pelo viés da Análise de Conteúdo de base behaviorista. “De modo conciso, diremos que Pêcheux privilegia a articulação entre Linguística, História e Psicanálise para dar conta de fatores como o ideológico e o sujeito na produção de efeitos de sentido” (ROCHA, 2014, p. 620).

A revista de linguística Langage, nesse mesmo período dedicou um número especial a Análise do Discurso, intitulado pela revista como um campo novo. Para o linguista responsável, Jean Dubois, “desenvolver a análise de discurso é uma forma de ampliar os trabalhos de linguísticas para as relações entre língua e sociedade, de renovar de alguma maneira os métodos da filologia” (MAINGUENEAU, 2014, p. 18).

No dispositivo de interpretação, o estudo do discurso distingue-se da hermenêutica buscando compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, não estacionando na interpretação, mas trabalhando seus limites e mecanismos como parte dos processos de significação (ORLANDI, 2005). Eni Orlandi (2005), ao abordar o discurso e a linguagem, descreve que a linguagem possui diversas maneiras de ser estudada. Considerando esta diversidade, os estudiosos deram origem à perspectiva da análise de discurso que trata do discurso, da prática de linguagem e da palavra em movimento. A língua pode ser entendida, através da análise do discurso, enquanto trabalho simbólico. A linguagem é concebida como “mediação” necessária entre o homem e a realidade natural e social. Entretanto, a língua não é trabalhada enquanto sistema abstrato, mas como língua no mundo, o que exige do analista de discurso

relacionar a linguagem à sua exterioridade, correspondendo ao descentramento da noção de sujeito (ORLANDI, 2005).

Maingueneau (2015) conceitua discurso como uma organização além da frase; uma forma de ação; interativo; contextualizado; assumido por um sujeito, regido por normas; que constrói socialmente o sentido e é assumido no bojo de um interdiscurso. O autor aponta que refletir em termos de discurso remete a articulação dos espaços disjuntos e menciona, para justificar essa colocação, que Michel Foucault aponta que no discurso os laços entre as palavras e as coisas e entre a linguagem e o mundo são desfeitos. Menciona também que os “discursivistas” precisam estar atentos para não reduzir o discurso ao linguístico, ou a absorção das realidades sociais ou psicológicas.

Esta “teoria do discurso” agrupa projetos intelectuais que combinam de diversas maneiras preocupações advindas do pós-estruturalismo, dos

“cultural studies” e do construtivismo. Eles questionam os pressupostos das

ciências humanas e sociais, em particular sobre a subjetividade, o sentido, o poder, a diferença sexual, a escrita, a dissidência, o pós-colonialismo... A principal referência, nesse sentido, é, sem dúvida, Michel Foucault. Podem-se também mencionar os trabalhos de J. Butler (1900, 1997) ou de G. C Spivak (1987, 19990, 1999), que no cruzamento da filosofia, do feminismo e do marxismo, se dedicam a criticar os paradigmas ocidentais. No domínio das ciências políticas, evocaremos a teoria pós-marxista da “hegemonia”, defendida por E. Laclau e C. Mouffe (1985), muito influenciados por L. Althusser e J. Lacan (MAINGUENEAU, 2015, p. 31 – 32).

Um fator importante apresentado por Maingueneau é que a maioria dos discursivistas não trabalham no campo da teoria do discurso, são analistas dos discursos. Esses analistas estudam corpora específicos e podem ser distribuídos em duas populações com objetivos distintos. Para a primeira “a análise do discurso é somente uma caixa de ferramentas no vasto conjunto dos “métodos qualitativos” das ciências humanas e sociais” (MAINGUENEAU, 2015, p. 32). Já na segunda estão “os analistas de discurso que se pode dizer que são “canônicos”, os que se interessam pela forma pela qual, em uma sociedade determinada, a ordem social se constrói por meio da comunicação” (MAINGUENEAU, 2015, p. 33). A nossa pesquisa, por sua vez, não se encaixa em nenhum desses dois polos descritos por Maingueneau. Nós estamos no campo incomum dos pesquisadores que se propõem a buscar uma aproximação entre a teoria pós-estruturalista do discurso e a tradição mais empírica da análise do discurso. É esse o desafio que uma temática como a que abordamos nos coloca.