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8. PERCURSO MÉTODOLÓGICO

8.1 Delineamento teórico metodológico

Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa e descritiva, utilizando de inteligibilidade construcionista social. Segundo Gergen (2009b) a pesquisa construcionista social busca explicar os processos por meio dos quais as pessoas narram, explicam e dão sentidos ao mundo em que vivem e às suas próprias vidas. Para McNamee (2010) as realidades vividas são construídas nas interações cotidianas com outras pessoas, dessa forma, o foco da pesquisa construcionista está na ação conjunta ou no que as pessoas fazem juntas e o que suas ações geram. Para esta autora, os sentidos atribuídos à certas palavras, ações e objetos são uma construção que ocorre por meio das relações interpessoais, sendo verdadeiros para aquela comunidade na qual foram construídos, não existindo a realidade objetiva universal, mas em vez disso, múltiplas realidades que foram comunitariamente construídas.

Para Spink (2013), o sentido é uma construção dialógica, contextualizada histórica e culturalmente, sendo utilizado pelas pessoas para construir as ideias pelas quais elas possam compreender e encarar as situações e fenômenos do cotidiano. Para a autora, a produção de sentidos envolve a interface de três momentos: o tempo longo, tempo vivido e tempo curto. O tempo longo consiste em produções culturais historicamente construídos, são anteriores à vivência das pessoas, e podem ser encontradas nas instituições, normas e regras sociais. O tempo vivido aborda a atualização dos conteúdos do tempo longo por meio das práticas discursivas que ocorrem nos processos de socialização. O tempo curto relaciona-se às relações face a face do dia-a-dia, do passado recente e do futuro esperado, permitindo compreender o processo da produção de sentidos.

É dentro das nossas interações sociais que construímos os mundos onde vivemos. No entanto, isso não significa que nada seja real. Em vez disso, sempre que as pessoas apresentam suas ideias sobre algum fenômeno, elas estão falando de um ponto de vista específico (Gergen, 2015). Para ilustrar, o uso problemático de drogas pode ter sentidos diferentes de acordo com as tradições e comunidades dentro das quais esses sentidos foram construídos. Assim, as pessoas podem explicar o uso problemático de drogas como um problema biológico, um problema social, um problema moral ou um problema psicológico. Segundo McNamee (2010), os sentidos atribuídos a certas palavras, ações e objetos são construídos nas interações que ocorrem em uma comunidade particular, tempo e contexto cultural / histórico. Portanto, o sentido é sempre local e contextualizado, ou seja, nenhum sentido é universal ou objetivo. Ao

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contrário, vivemos em um mundo de múltiplas realidades que são construídas em comunidade. Assim, a produção científica não seria obtida por meio do emprego impessoal das normas metodológicas descontextualizadas, mas construídas a partir de sentidos compartilhados nos mundo de pesquisa (Gergen, 2009b).

Por meio das práticas discursivas as pessoas atuam, assumem e negociam os lugares sociais, isto gera efeitos na interação presente (Guanaes & Japur, 2003). A construção de sentidos não é feita livremente, pois a linguagem é ação social. Alguns discursos desencadearão certas práticas e restringirão outras. Para o mesmo objeto haverá inúmeros discursos diferentes contando algo distinto sobre este. Mas estes discursos estão dispostos de forma desigual, alguns serão mais hegemônicos e assumirão o lugar de verdade sobre o objeto no seio de uma dada comunidade (Corradi-Webster, 2013).

O rigor da pesquisa qualitativa relaciona-se a descrição da posição do pesquisador segundo duas vertentes: reflexividade pessoal, que sugere reflexões do pesquisador sobre quem ele é, e como seus interesses e valores interferem no desenvolvimento da pesquisa e da interpretação; reflexividade funcional, que alude à forma como a comunidade e como nosso modo de ser influenciam na aplicação da pesquisa e alcance dos resultados (Spink, 2013). Segundo Willig (2001) a reflexividade envolve o reconhecimento da contribuição do pesquisador no processo de construção de sentidos durante a realização da pesquisa sendo impossível manter-se neutro na realização da mesma.

O construcionismo contribui com três formas de práticas de pesquisa: a desconstrução, segundo a qual o processo de construção do objeto é apresentado, questionando o lugar que esta descrição ocupa; a democratização, que convida vários parceiros a dialogar sobre os modos e resultados da produção científica; e a reconstrução, que busca propor novos entendimentos, discursos e práxis capazes de gerar transformações sociais (Gergen, 1997). Estas práticas desconstrutoras e reconstrutoras posicionam-se diante da necessidade de refletir e rever as definições sobre as internações involuntárias e compulsórias, que retornam como forma de exclusão daqueles considerados inábeis para cuidar de si.

A inteligibilidade construcionista social tem contribuído para a realização de pesquisa sobre álcool e outras drogas, sustentando a reflexão sobre os discursos utilizados e assim ampliar o modo como as questões relacionadas ao consumo de drogas são entendidas e suas repercussões nas ações profissionais (Corradi-Webster, 2013).

Para realizar o estudo de caso, adotamos a compreensão de Foucault de discursos como práticas sociais situados num contexto histórico social específico que constroem o objeto do qual se fala (Willig, 2001). O termo discurso tem sido definido de diferentes formas devido a

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sua vasta aplicação em estudos de diferentes áreas do conhecimento (Iñiguez, 2004). Segundo Olandi (2007), discursos são mais do que transmissão de informações, pois ao colocar sujeitos em relação com sentidos determinados por contextos históricos e culturais, os discursos influenciam no processo de construção de sujeitos e sentidos. Segundo Iñiguez (2004), discurso seria um conjunto de enunciados definidos pelas própria condições do contexto no qual foi produzido, contribuindo para manter e promover certas interações sociais. Dessa forma, os discursos, simultaneamente, influenciam as estruturas sociais (regras e conjunto de interações dentro de um sistema social) e são influenciados por elas.

A perspectiva construcionista social desafia a descrição tradicional da personalidade enquanto estável e contida na mente da pessoa e nos convida a olhar para o processo de construção social, por exemplo, quando caracterizamos alguém como generoso, egoísta, tímido e confiante (Gergen, 2009a). Diante desta questão, a Teoria do Posicionamento (Langenhove & Harré, 1999) compreende que as pessoas assumem posições diferentes de acordo com suas interações sociais. As posições assumidas por alguém podem ser influenciadas pelos discursos dominantes. Assim como os discursos, as posições assumidas pelas pessoas também são passíveis de negociação e rejeição. No processo de interação social, à medida em que as pessoas posicionam o outro na relação, elas se posicionam e são posicionadas pelo outro, sendo que muitas vezes esse processo ocorre de forma não intencional.