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8. PERCURSO MÉTODOLÓGICO

8.3 Participantes

Para responder aos objetivos específicos a, b e c, este estudo incluiu 15 participantes, sendo estes familiares dos usuários de álcool e outras drogas que passaram pela experiência de

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internação involuntária ou compulsória. Os critérios de inclusão foram: ser familiar de um usuário de álcool ou outras drogas e ter solicitado a internação involuntária e/ou compulsória do familiar usuário. Foram entrevistadas individualmente 11 pessoas de famílias distintas e dois casais (mãe e pai), totalizando 13 famílias.

A maioria dos entrevistados foram mães de usuários de drogas, casadas, com idade superior a 40 anos e do lar. Em relação à escolaridade, sete entrevistados tinham ensino médio completo, três tinham formação em curso superior e dois familiares não haviam completado o ensino fundamental. De acordo com os critérios utilizados para incluir famílias no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Decreto n. 6.135, 2007), todos os familiares entrevistados não poderiam ser caracterizados como famílias de baixa renda, pois a renda per capita de todos os participantes era superior a meio salário mínimo (R$ 440,00) no ano de 2016, ano em que as entrevistas foram coletadas (Tabela 1).

Tabela 1

Dados Sociodemográficos dos Participantes do Estudo (n= 15) Participantes* Grau de

parentesco

Idade Escolaridade Profissão Renda per

capita

Estado Civil

Júlia Mãe 52 Ensino médio completo Manicure R$ 2.000,00 Casada

Marta Mãe 72 Superior Professora R$ 4.000,00 Casada

Beatriz Mãe 59 Superior mestrado Diretora de

Faculdade

R$ 2.667,00 Casada

Marcela Mãe 40 Ensino médio completo Do lar R$ 600,00 Casada

Patrícia Mãe 70 Ensino fundamental

incompleto

Do lar R$ 587,00 Casada

Vânia Irmã 48 Ensino médio completo Funcionária

pública municipal

R$ 1.267,00 Divorciada

Ana Mãe 56 Ensino médio

incompleto

Aposentada e vendedora

R$ 1.500,00 Casada

Inês Mãe 61 Ensino fundamental

incompleto

Do lar R$ 2.350,00 Casada

Fábia Mãe 52 Ensino médio completo Consultora de

beleza

_____ Casada

Helena Mãe 55 Ensino médio completo Aposentada R$ 1.133,00 Casada

Olívia Mãe 40 Ensino médio completo Auxiliar de

biblioteca

R$ 500,00 Casada

Joana Mãe 65 Ensino médio

incompleto

Auxiliar de enfermagem

R$ 567,00 Divorciada

Deise Mãe 53 Ensino médio

incompleto

Escriturária R$ 600,00 Viúva

Paulo¹ Pai 52 Superior incompleto Área

administrativa

R$ 2.000,00 Casado

Augusto² Pai 78 Superior --- R$ 4.000,00 Casado

Nota. *nome fictício; 1. Esposo de Júlia; 2. Esposo de Marta.

Quanto às internações, a maioria dos familiares havia solicitado a internação involuntária mais de uma vez devido as recaídas do familiar usuário de drogas, chamando

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atenção, o fato de uma mãe haver solicitado 23 internações involuntárias e cinco compulsórias e uma mãe disse ter solicitado mais de 10 internações involuntárias. Destaca-se que apenas uma familiar solicitou internação compulsória. Alguns familiares consideraram algumas internações, que eram legalmente voluntárias, como involuntárias, pois, o usuário de drogas não percebeu que estava sendo internado porque no momento ele estava sob o efeito de alguma droga ou não queria ser internado, mas acabou aceitando a internação porque foi ameaçado pela família. A ameaça mais comum era expulsar de casa o usuário de drogas caso ele não aceitasse a internação. Apenas duas pessoas internadas involuntariamente eram mulheres. A maioria das pessoas internadas fazia uso de múltiplas drogas (Tabela 2).

Tabela 2

Caracterização do Uso de Drogas e das Internações Solicitadas (n= 15) Participantes* Familiar

internado

Número de internações solicitadas

Consumo

Júlia Filho 2 involuntárias e

1 voluntária considerada involuntária

Álcool/ Cocaína

Marta Filho 2 involuntárias Maconha/ Cocaína

Beatriz Filha 4 involuntárias Álcool/ Maconha/ Cocaína

Marcela Filho 1 involuntária e

2 voluntárias consideradas involuntárias

Álcool/ Maconha/ Cocaína

Patrícia Filha 1 involuntária Maconha/ Cocaína

Vânia Irmão 1 involuntária Maconha/ Cocaína/ Crack

Ana Filho 1 involuntária Maconha/ Álcool/ Cocaína

Inês Filho 1 involuntária Álcool

Fábia Filho 2 involuntárias Álcool/ Maconha/ Cocaína

Helena Filho 23 involuntárias e 5

compulsórias

Maconha/ Cocaína/ Crack

Olívia Filho Mais de 10 involuntárias Maconha/ Cocaína

Joana Filho 2 involuntárias Álcool/Cocaína

Deise Filho 2 involuntárias Cocaína

Paulo¹ Filho 2 involuntárias e

2 voluntárias consideradas involuntárias

Álcool/ Cocaína

Augusto² Filho 2 involuntárias Maconha/ Cocaína

Nota. *nome fictício. 1. Esposo de Júlia, 2. Esposo de Marta

Os familiares relataram que o usuário de drogas foi internado involuntariamente/compulsoriamente, principalmente, em clínicas particulares, em CT e, em menor número, em hospitais psiquiátricos públicos. O fato de alguns usuários terem sido internados involuntariamente em CT, ainda que estas não estejam juridicamente autorizadas a realizar este tipo de internação, nos coloca diante de duas questões. Primeiro, o funcionamento

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e tratamento oferecidos por clínicas privadas são semelhantes aos oferecidos pelas CT, incluindo laborterapia, ênfase da religiosidade, grupos de ajuda mútua para os usuários como AA e NA e visitas, dessa forma, as famílias tem dificuldade de distinguir ambas instituições. E por último, algumas instituições se auto intitulam como CT, mas não estão registradas como tal pela Federação Nacional das Comunidades Terapêuticas, ou existem CT que realizam irregularmente esta modalidade de internação (Melo & Corradi-Webster, 2016). Uma situação que parece carecer de fiscalização, tendo em vista que em maio de 2010 havia apenas 135 Comunidades Terapêuticas devidamente cadastradas em todo o Estado de São Paulo (Fernandes, 2015).

A seleção dos participantes foi feita a partir da abordagem de bola de neve, pela qual um conjunto inicial de participantes da pesquisa indica potenciais participantes que indicam outro grupo de pessoas que reúnem os critérios necessários para o estudo e assim sucessivamente, até que se alcance o número de entrevistados desejado (Bertaux, 1981). As primeiras pessoas entrevistadas eram participantes do grupo de familiares ou familiar dos participantes do grupo de dependentes químicos realizados no AE. Essas pessoas indicaram outras famílias, que indicaram outras famílias que tinham vivido experiências semelhantes e assim por diante, sendo que as famílias que foram indicadas não eram, necessariamente, participantes dos grupos do AE. Esta abordagem é útil para localizar populações ocultas, populações estigmatizadas ou grupos de difícil alcance como, por exemplo, usuários de drogas (Heckathorn, 2011).

Para realizar o estudo de caso proposto no objetivo específico d, foi selecionado uma das familiares participantes acima, nomeada aqui de Helena. Particularmente, essa participante foi selecionada porque havia solicitado 23 internações involuntárias e cinco compulsórias para seu filho. Realidade contrária ao que é preconizado pela legislação atual de saúde mental pela qual as internações seriam exceções. Essa busca pela abstinência despertou estranhamento e curiosidade da pesquisadora sobre como os discursos influenciariam nesse processo de solicitação. No momento da entrevista, Helena tinha 55 anos de idade, era casada, aposentada, com ensino médio completo e tinha renda per capita R$ 1.133,00 reais. Seu filho, Carlos1, tinha 28 anos de idade no momento em que foi realizada a entrevista com sua mãe. Ele foi internado pela primeira vez quando tinha 15 anos de idade. Helena não sabia exatamente quando Carlos havia começado a usar drogas, mas disse ter encontrado maconha entre seus pertences quando ele tinha 10 ou 12 anos de idade. Mais tarde, ele estava usando cocaína e por fim, crack.

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O corpus dessa análise é constituído por uma entrevista semiestruturada e notas de campo que foram elaboradas a partir das conversas com Helena. A entrevista foi conduzida na casa da participante, a pedido da mesma.