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Demanda por empregados públicos nos serviços de saúde

1 O TRABALHO NO SETOR SAÚDE

1.1 Sistemas de atenção à saúde e força de trabalho

1.1.2 Demanda por empregados públicos nos serviços de saúde

As nações capitalistas, no pós-guerra, vivenciaram uma nova experiência econômica, política e institucional, tanto com o redimensionamento do Estado e de suas funções, quanto com a combinação entre planejamento econômico estatal e iniciativas de livre mercado (GIMENEZ, 2001).

8 No capítulo 4 será explorada a literatura sobre as dinâmicas inovativas na área da saúde e sua relação com os

A construção dos Welfare States se caracterizou por uma maior intervenção do Estado tanto na área econômica, através da implementação de políticas macroeconômicas voltadas para o pleno emprego e da promoção da regulação pública, quanto na área social, através da provisão de bens e serviços públicos. A oferta desses bens e serviços gerou um quadro de despesas públicas crescentes, especialmente daquelas voltadas ao atendimento das demandas de saúde da população. Tais gastos eram mantidos, principalmente, pela expansão da base de arrecadação tributária dos governos.

Além dos gastos, outra variável impactada de forma significativa foi o emprego. Houve uma expansão sem precedentes do emprego público, o qual, em muitos países, foi o principal responsável pela manutenção dos níveis de pleno emprego (SILVA; MATTOS, 2009). Os empregos gerados na nova ordem capitalista se encontravam, em sua maioria, fora da esfera típica de acumulação do sistema, ou seja, estavam atrelados à burocracia estatal, configurando uma tendência de "desmercantilização do trabalho" (GIMENEZ, 2001).

Rose (1985), com base em um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)9, trabalha com a definição de emprego público como um conjunto de atividades características dos governos e presentes em seus Sistemas de Contas Nacionais. Segundo o autor, o crescimento do número de empregados públicos é uma realidade presente na estruturação de programas de bem-estar social em países industrializados, pois reflete a necessidade de atendimento das demandas sociais e daquelas advindas da expansão do processo de urbanização. Desta forma, a intervenção governamental e a mobilização de recursos (dinheiro e mão-de-obra) direcionadas para a oferta de um conjunto específico de serviços autorizados explicaria boa parte do aumento exponencial dos funcionários públicos em países da Europa e nos Estados Unidos no período pós Segunda Guerra Mundial10.

De acordo com o autor, da metade do século XIX até a Segunda Guerra Mundial, o emprego público cresceu lentamente nestes países e, no início, concentrava-se principalmente nas atividades militares e dos correios. Próximo à Primeira Guerra, o emprego público praticamente dobrou em termos percentuais, apesar de ainda representar uma proporção bem pequena do total (a média de 3,5% aumentou para 6,2% do total de empregos). Esse crescimento teria sido influenciado por fatores como a expansão da oferta de serviços nas sociedades urbanas e industrializadas, o início do desenvolvimento de alguns

9 OCDE: Employment in the public sector (1982).

10 O autor também menciona a mobilização militar nos países ocidentais em razão do contexto da Guerra Fria

programas sociais intensivos em mão-de-obra, como na área de educação, e a mobilização militar em alguns países. Às vésperas da Segunda Guerra, a média entre os países desenvolvidos era de 9,7% dos empregos presentes no setor público. A partir da década de 1950, em grande parte das nações ocidentais, houve aumento médio de 100% do emprego público como proporção da força de trabalho.

É importante ressaltar que o comportamento da demanda por empregados públicos não se constituiu de forma homogênea entre os países. Logo após a Segunda Guerra, França e Suécia, que já apresentavam níveis elevados de empregabilidade no setor público, continuaram mantendo taxas de crescimento elevadas desse emprego, puxadas pela expansão de programas de bem-estar e pela nacionalização de empresas. Reino Unido e Estados Unidos também já possuíam um alto índice de trabalhadores empregados no setor público, mas mantiveram taxas de crescimento menores. Por sua vez, Alemanha e Itália, que logo após a Guerra apresentavam índices mais baixos de funcionários públicos, deram um salto neste indicador com taxas de crescimento significativas.

No entanto, mesmo diante destas diferenças, três características são comuns a todos os países: o emprego público tendeu a crescer mais rápido do que o emprego privado; tornou-se mais visível e importante para a sociedade; e as atividades governamentais aumentaram significativamente em volume (o número de produtos ofertados acompanhou a expansão dos recursos humanos).

Da mesma forma que há diferenças entre países no que diz respeito ao nível de empregabilidade do setor público, há variações importantes entre programas. Alguns, como saúde e educação, são intensivos em mão-de-obra, enquanto outros, como geração de eletricidade, são intensivos em capital. Além disso, a priorização de determinados programas em detrimento de outros é uma escolha que revela pressões de demanda e de oferta e preferências políticas. Rose (1985) subdivide os programas públicos em sociais (como educação e saúde); econômicos (como transporte público, gás, eletricidade, assistência à agricultura, atividades de indústrias-chave como carvão, aço etc.); e atividades definidoras dos governos (como exército e polícia).

Entre os três tipos de programas públicos existentes, os sociais consolidaram-se como os principais responsáveis pela geração de empregos públicos na maioria dos países, com uma média geral de quase 50% dos empregos no setor (ROSE, 1985). Saúde e educação são as áreas de maior destaque, sendo que a saúde assumiu a liderança na geração de postos de trabalho no setor público na maioria dos países desenvolvidos (MATTOS, 2011).

A Tabela 1 evidencia a importância e o peso do setor saúde na geração de empregos públicos durante os trinta anos em que vigorou o arranjo dos Estados de Bem-Estar nas nações capitalistas desenvolvidas.

Tabela 1 – Saldo do emprego público entre os programas de maior destaque para países selecionados (1951-81)

País Saldo Grã-Bretanha

Educação 998.000

Saúde 824.000

Serviços sociais pessoais 254.000 França Saúde 1.067.000 Educação 745.000 Correios e telecomunicação 207.000 Alemanha Saúde 756.000 Educação 606.000 Indústrias de transformação 244.000 Itália Educação 819.000 Saúde 546.000 Serviços bancários/crédito 128.000 Suécia Saúde 322.000 Serviços Sociais 261.000 Educação 92.000 Estados Unidos Educação 4.873.000 Saúde 1.122.000 Polícia e bombeiros 619.000 Fonte: Rose (1985)

A posição de segundo lugar ocupada pelo setor saúde na Grã-Bretanha na geração de empregos públicos, bem próxima ao setor de educação, que ocupa a primeira posição, reflete a consolidação do já mencionado sistema universal de saúde inglês. A situação particular da França merece destaque. Considerando que foram gerados, entre 1951 e 1981, quase três milhões de empregos públicos no país, sendo praticamente um terço só na saúde (um milhão, conforme Tabela 1), é possível constatar a importância da expansão da cobertura de seguro saúde pelo Estado francês ocorrida no período. Essa expansão, segundo Rose (1985), vai além de questões mais gerais como mudanças na composição demográfica da população (aumento do número de pessoas acima de sessenta anos) e interações entre

demanda e oferta. O autor destaca dois fatores específicos que teriam contribuído para a expansão das políticas de saúde no país. Primeiro, o desenvolvimento dos serviços de saúde estava alinhado com os planos do governo francês de promoção do crescimento econômico. Segundo, foram implementadas importantes reestruturações no cuidado em saúde, como as reformas de 1958, que tornaram mais fácil, para os hospitais não administrados pelas autoridades locais, tratar pacientes cujo único seguro fosse o de saúde obrigatório. Além disso, essas reformas ampliaram recursos para a formação e pagamento dos médicos.

Percebe-se que mesmo países que não construíram sistemas públicos de saúde universais, como os Estados Unidos e Alemanha, apresentaram crescimento do número de empregos no setor. No que diz respeito especificamente à realidade americana, é possível explicar esse fenômeno em parte pelo desenvolvimento dos programas já mencionados (medicaid e medicare). No entanto, nota-se a distância do saldo obtido no emprego público em saúde em relação à área de educação, setor no qual o país realmente se destaca pela oferta universal de serviços. E, em termos percentuais, o indicador de emprego público em saúde nos Estados Unidos era bem menor do que a média europeia.

Gimenez (2001), com base nas ideias de Rose (1985), conclui que o crescimento do emprego público seria um fenômeno generalizado na maior parte dos países capitalistas avançados, apresentando variações quanto ao formato e à intensidade do aumento. A expansão da oferta de serviços, particularmente a consolidação de sistemas de saúde intensivos em mão-de-obra na maioria desses países, teria contribuído de forma significativa para esse fato.