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2.2 FORMAS DE DEMOCRACIA

2.2.1 Democracia direta

A democracia direta, desenvolvida e experimentada pelos gregos clássicos, na Cidade/Estado de Atenas, foi a forma por excelência de participação popular na gestão da coisa pública, uma vez que os cidadãos atenienses, reunidos na ágora, elegiam e deliberavam sobre as prioridades políticas da cidade, executavam suas estratégias administrativas e decidiam sobre a correta aplicação das normas instituídas. Cumpriam, assim, todas as funções essenciais do Estado ateniense, através do exercício direto das funções legislativa, executiva e judicial.

As assembleias populares de Atenas, em face disso, eram a expressão máxima de seu regime político, o instrumento por meio do qual o exercício da vontade de seus cidadãos era praticado de forma imediata, sem a interposição de mandatários, transformando, em razão dessa peculiaridade, a praça pública num espaço político aberto e dialógico entre as forças vivas da Cidade/Estado.

Outrossim, o modelo de sociedade ateniense possibilitava o exercício da democracia direta, já que as dimensões territoriais de cada Estado grego encontravam-se limitadas às suas respectivas cidades. Era a democracia das cidades. Ademais, a retórica do cidadão grego pertencia à vida pública, aos assuntos da política, ambiente onde exercia suas liberdades plenas, e não aos afazeres privados, lugar em que buscava tão somente satisfazer suas necessidades básicas. De modo que, poderia participar ativa e integralmente da vida pública da pólis, discutindo, gerenciando e fiscalizando todas as questões de interesse do Estado.

Esse desprezo dos atenienses pela vida privada e, por via de consequência, a devoção que tinham pelos assuntos públicos da pólis, pode ser bem percebida no comentário que Arnaldo Vasconcelos teceu sobre o modo de vida dos gregos clássicos:

Os gregos não tiveram vida privada. O futuro cidadão, desde seus primeiros anos, era preparado para servir a cidade na guerra e na paz. Em ser cidadão, residia sua

dignidade; em lutar pela pátria, sua honra; e em vencer os adversários, sua glória, a realização plena de seu destino.21

O alicerce principiológico da democracia grega, doutra banda, estribava-se na consagração de três cânones da soberania popular ateniense, quais sejam: a isonomia, a isotimia e a isagoria. Na isonomia, repousava a ideia de que todos os cidadãos eram iguais perante a lei. Pela isotimia, estavam abolidos os títulos e as funções hereditárias, garantido, assim, a todos, o livre acesso aos cargos e às funções públicas. Por fim, através da isagoria, ficou permitido a todos os homens livres da pólis ateniense o direito de falar nas assembleias públicas, garantindo, com isso, o tripé de sustentação do regime político que seria exportado séculos depois para os cinco continentes da terra.22

Péricles insculpiu, como ninguém, a grandeza da democracia dos antigos gregos, ao afirmar que:

Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a república outorga honrarias o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios. Nossa cidade se acha aberta a todos os homens. Nenhuma lei proíbe nela a entrada aos estrangeiros, nem os priva de nossas instituições, nem de nossos espetáculos; nada há em Atenas oculto e permite-se a todos que vejam e aprendam nela o que bem quiserem, sem esconder-lhes sequer aquelas coisas, cujo conhecimento possa ser de proveito para os nossos inimigos, porquanto confiamos para vencer, não em preparativos mistérios, nem em ardis e estratagemas, senão em nosso valor e em nossa inteligência.23

Não se pode deixar de lembrar, contudo, que a soberania popular ateniense era conferida tão somente para os cidadãos da Cidade/Estado, o que limitava seu exercício à pequena minoria de homens livres, vale dizer, estavam excluídos os metecos, os escravos e as mulheres.

21 VASCONCELOS, Arnaldo. Direito, humanismo e democracia. São Paulo: Malheiros.1998, p. 80. 22 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 270-271

23 VIAMONTE, Carlos Sanchez. Manual de derecho político. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina,

Essa mácula na experiência democrática dos antigos gregos, certamente não obscureceu a grande herança deixada para a sociedade contemporânea, que ainda hoje procura incorporar o espírito daquela democracia direta no complexo modelo do Estado moderno.

É importante registrar, por oportuno, que contemporaneamente ainda se podem encontrar sociedades convivendo com alguma espécie de democracia direta, em que o povo decide seus destinos através do exercício imediato do poder. Dita realidade é observada em alguns cantões da Suíça como "os dois Appenzell, Unterwald Alto e Unterwal Baixo, Glaris e

Uri".24 Anualmente, os moradores das mencionadas regiões reúnem-se para decidir sobre assuntos de interesses dos cantões.

O Landsgemeinde é a assembleia popular cantonal, aberta a todos os cidadãos que tenham direito de votar e, assim, participar diretamente da administração dos assuntos públicos.

Comentando sobre a participação dos cidadãos suíços no processo popular direto, Dalmo de Abreu Dallari explica que:

Durante séculos a Landsgemeinde foi o órgão supremo em todos os pequenos Cantões da Suíça central e oriental, começando a sua abolição no Século XIX. Trata-se de uma assembleia, aberta a todos os cidadãos do Cantão que tenham o direito de votar, impondo-o a estes o comparecimento como um dever. A

Landsgemeinde reúne-se ordinariamente uma vez por ano, num domingo da

primavera, podendo, entretanto, haver convocações extraordinárias (...). Há uma publicação prévia dos assuntos a serem submetidos à deliberação, podendo ser votadas proposições de cidadãos ou do Conselho Cantonal, remetendo-se a este todas as conclusões. A Landsgemeinde vota leis ordinárias e emendas à Constituição do Cantão, tratados intercantonais, autorizações para a cobrança de impostos e para a realização de despesas públicas de certo vulto, cabendo-lhe também decidir sobre a naturalização cantonal.25

24 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 39. ed. São Paulo: Globo, 1998, p. 223.

25 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 19. ed. atualizada. São Paulo:

Enfim, como experiência histórica, pondera Bonavides, a “democracia direta dos

gregos foi a mais bela lição moral de civismo que a civilização clássica legou aos povos ocidentais”.26