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dentre os estudos afro-brasileiros, muito já se es creveu sobre os orixás oyá, oxun e Yemanjá em

contrapartida, ainda pesa sobre nanã um silêncio

pelo desconhecimento, se não de suas histórias,

da sua importância como figura que em alguns

mitos confunde-se com o próprio Universo.

das poucas histórias sobre nanã, a mais conhecida é a que fala do aban- dono por ela de um de seus filhos, obaluaiyê, por este ter nascido doente. em outro mito, nanã teria tido duas crianças, uma feia e a outra bonita. Quando perguntada sobre seus filhos, nanã teria escondido omolu, “o filho feio”, e apresentado oxumarê, o mais bonito. há também a história que fala da sua disputa com ogun pela antiguidade no mundo. Perdendo a briga, nanã decide rejeitar todos os instrumentos que passam pelas mãos do filho mais novo de oduduwa. Por fim, encontramos ainda o mito que fala sobre a disputa entre Yemanjá e nanã, a primeira descrita como jovem e bonita e a segunda feia e velha. Ganhou a primeira, após induzir a velha a tomar um banho de lama.

não precisamos ir muito longe para demonstrar que se trata, na ver- dade, de fragmentos de mitos, a maioria re-significados quando as religi- ões de matriz africana se constituíram no Brasil.

do primeiro, podemos chamar atenção para a relação entre nanã, obaluaiyê e as doenças. no segundo, a relação que alguns grupos que formaram o reino do danxomé estabeleceram desde cedo entre nã, cha- mada de Minona, literalmente “nossa Mãe nã”, na língua Fon, e os gê- meos. a disputa entre nanã e ogun atesta a antiguidade de comunidades do oeste do danxomé, que teriam migrado para as várias regiões antes da chegada do grupo liderado por oduduwa, ancestral mítico do povo yorubá que organizaram-se em torno dos “ancestrais da terra.”

Um estudo mais elaborado sobre alguns desses fatos foi realizado pela antropóloga Claude lepine e apresentado em forma de livro, intitu- lado: Os dois reis do Danxomé. neste trabalho a autora registra que em ilé ifé, obaluaiyê teria chegado antes de oduduwa, juntamente com Buku, ancestral responsável pela varíola. de oyó, obaluaiyê migrou para o país Mahi, e Buruku seguiu com a mesma representação. em ibadan, sapanan e Buruku chegaram juntos do danxomé, ou do togo, e lá foram cultu- ados juntos, confundido-se o guerreiro e a varíola. isso valeu também

para abeokuta, onde acreditava-se que Buruku teria vindo de savé e omolu do danxomé.

se é difícil determinar com precisão a data do aparecimento da varío- la, uma vez que ela recebia, até o século Xvii, a denominação genérica de “peste”, é consenso, se não a data, a ideia de que a primeira epidemia teria ocorrido em Meca, em 568 ou 572. o mesmo vale para o outro lado do continente, na Índia e na China, nos séculos vi e vii a.C, há descrições parecidas com a doença e a menção à deusa da varíola.

a varíola chegou ao Brasil com o tráfico e desde cedo assolou a vida de muitas pessoas. edison Carneiro, no texto: Omolu, o médico dos pobres, ao fazer uma breve descrição da situação da saúde da população negra e pobre da cidade de salvador – população que resiste a ir aos hospitais, e se entregar à sorte de morrer a míngua, abandonada –, resume a função que nanã ocupava no universo destas populações. ele escreveu: “obaluaiyê é a varíola e nanã é literalmente a vacina, a Ya agba yin, a que cura, a que cuida, a que toma conta”.

nã, na verdade, é um título utilizado para designar uma senhora ve- nerável, princesa, rainha. estaríamos assim diante de um princípio an- cestral bastante antigo cujo culto de Buruku foi associado. nã constitui matéria primordial, semelhante àquela que encontramos num mito yo- rubá que fala da lama como matéria entregue a obatalá para este modelar os seres vivos. nanã é o espírito que governa o Mundo.

segundo um de seus mitos, depois de nanã ter criado o mundo, ela deu à luz a gêmeos, Mawu e lisa. não seria o fragmento desta história que aparece no mito que menciona a presença de dois filhos ligados a ela? não saberíamos dizer de onde teria saído a oposição feio/bonito. diz o mito que depois apareceu aizan, a morte. em seguida nanã criou azo- madonu, o ar. depois, os voduns e as famílias de heviosô, dan e sapata.

da família de heviosô, sogbô, o rei; Possu, o mais velho; loko, o mais novo filho de sobô; Badé, o menino; averequete, o pescador do rei; agbé, o que mora com os astros; aziri e tobossi, voduns do mar e outros.

da família de dan, azomadonun, o mais velho; Bessem, filho de dan. Kwenkwen, a cobra fêmea velha e ojicu, a nova. Bessem se une a ojicu e faz nascer Bafonô, toquem, doquem, Frequem, etc.

da família de sapatá: azoani, avimaje, azansu, Poli Boji, atolu na língua fon, a expressão “Mino” significa, literalmente, “nossa Mãe na”. esta tradução nos remete a outro mito interessante.

depois da criação do mundo, quando Mawi resolveu morar nas altu- ras, nã preferiu ficar na terra. ela residiu na floresta e passou a ser proteto- ra das mulheres que a invocam todas as vezes que querem ter filhos. esta história nos apresenta o inverso do mito do abandono.

Parece que com o passar do tempo, diante do impacto, ora fruto dos contatos internos entre os grupos, ora externos, a noção de nanã como criadora caiu no esquecimento. isso fez com que, no século XiX, Mawu fosse identificado com o deus católico e lissa como Jesus Cristo. Proces- so semelhante teria passado este ancestral no Brasil. isso vai aparecer no relato da disputa entre nanã e Yemanjá.

este mito em particular é um dos mais emblemáticos. ele retoma a oposição entre aquilo considerado belo e o seu contrário. não precisa- mos ir longe para demonstrar que estas concepções culturais estão dire- tamente vinculadas a ideias econômicas, políticas e sociais. Claro que tal oposição não foi elaborada pelos africanos, ao contrário, anciãos e anciãs gozam de grande prestígio nas comunidades-terreiros, pois são respon- sáveis pela manutenção das tradições e considerados enciclopédias vivas. desconstruir algumas dessas imagens é muito importante ao menos para a afirmação da matriz cultural negro-africana e fortalecimento de nossa autoestima.

Para finalizar, quero retomar um mito que já há algum tempo não escuto. o que reafirma a ideia de que nanã cuida do mundo.

Conta-se que, uma certa vez, os caçadores realizaram uma longa ca- çada. se empolgaram tanto que saíram matando indiscriminadamente. depois que acabaram com os bichos de penas, deram fim aos animais de

quatro patas. odé teria enlouquecido. entrava nos reinos e matava até as crianças que estavam engatinhando. o único orixá que pôde intervir foi nanã, restabelecendo a ordem. a humanidade agora estava salva, graças a iya agba yin, a mãe mais velha.

nanã é o princípio criativo que se cobre com todas as cores, que veste todas as roupas. nanã é um celeiro que, além de recolher todos os grãos, é a dona da providência. ela nunca se ausentou do mundo e não há filho órfão, pois ela participa de nossas vidas em tudo.

o ano bom par a as religiões

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