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Xangô é rei É rei no Batuque do rio Grande do sul, é rei no Xambá de Pernambuco, esta-

do onde o seu nome é evocado para designar as

religiões de matriz africana, é rei nos candom-

blés nagôs do recôncavo baiano, é rei no tambor

de Mina, no Maranhão, e é rei nos candomblés jeje nagô, na cidade de salvador. não vamos entrar no mérito de suas histórias, falar sobre os vários mitos sobre a sua origem, mas sobre o significado da figura do rei para a consolidação de identidades negro-africanas fragmentadas através da escravidão. em algumas cantigas, Xangô é reverenciado como rei do mercado, e rei do mundo, obá aiyê. Mercado, coração das sociedades yo- rubás, onde se alternavam o tempo todo bens materiais com simbólicos. verdade é que no Brasil, essa figura foi fundamental no processo de re- construção e manutenção dos elementos civilizatórios negro-africanos no novo Mundo. não poderia ser diferente, manifestação do divino, a figura do rei representa continuidade, a permanência da grande família africana inclusiva, que com o passar do tempo foi ampliada a fim de agre- gar novos membros, agora descendentes de portugueses, índios, judeus, ciganos e tantos outros. o culto a Xangô é assim o culto à continuidade, à descendência, à família mantida viva graças às mulheres e às crianças. daí a sua relação com os antepassados e o porquê de Xangô ser o ances- tral mais festejado na sociedade secreta de egungum, ou na ocasião dos rituais fúnebres, ocasião em que os iniciados levam no pescoço uma conta em sua homenagem. ao contrário do que se diz, o culto a Xan- gô possui relações estreitas com a morte, com o culto aos antepassados, pois ele mesmo representa toda a sua descendência. Mas de onde surgiu a ideia de que “Xangô tem medo da morte”? talvez da má compressão da simbologia do rei, associado a outras leituras. explicando: ao contrá- rio do que muitas pessoas afirmam, o elemento de Xangô é a terra. seu culto rememora às civilizações que desde cedo foram estabelecidas pelos africanos. Xangô é dono de tudo que existe em cima da terra. Graças a essa relação, desde cedo esse ancestral foi evocado como pedra, e tudo que estas significam, numa edificação. desta maneira, este princípio an- cestral está presente nos corpos celestes. essa relação entre as pedras e o corpo é muito antiga e pode ser encontrada em algumas regiões do Me- diterrâneo e em partes do continente africano. o fogo, assim, e tudo que

ele representou para a humanidade, era então obtido através da fricção destes dois corpos. Porém, anterior a esse momento, é bem provável que a humanidade já utilizasse as pedras para reter o calor, aproveitando para conservar os alimentos. Já demonstramos em outro momento que a tem- peratura é algo fundamental para os seres vivos. Quando o corpo perde o seu calor, princípio de vitalidade, acredita-se que ele está morto. não podemos confundir esse momento com os antepassados. estes, como Xangô, são muito quentes, pois estão vivos, continuam sob as tiras de pano que separam de nossos olhos o mistério da vida e da morte. assim, quando evocamos o rei nos rituais fúnebres, estamos afirmando que acreditamos na nossa ancestralidade e que ela é a garantia de nossa per- manência para sempre no mundo. Quanto ao corpo, devolvemos à terra, pois como já comentamos, dessa devolução depende a continuidade da vida dos que virão, afinal, tudo não é cíclico? tudo não é uma manifesta- ção do sagrado? a partir dessa explicação podemos pensar várias coisas. É certo que africanos e africanas tinham em mente a concepção de que as pedras deveriam estar juntas para poder produzir calor a fim de mante- rem-se vivas. e assim fizeram. assim, uma das características do culto ao rei, preservada no Brasil, foi a presença de muitas pessoas. o culto a Xangô requer muitas pessoas. Como se diz: Xangô adora gente. e o que é o mercado? nada mais do que indivíduos que rompem suas fronteiras, quebram tabus. o rei também adora festas, comidas e bebidas. não foi a toa que, quando os africanos organizaram os primeiros afoxés, o rei ia à frente, que diga os maracatus de Pernambuco, e falando em Maracatu, como não falar da Kalunga, a boneca que diviniza nossos antepassados? Falando sobre esse ancestral, no Brasil não podemos deixar de mencionar o nome de tio Bangboxé. ele teria chegado ao Brasil para ajudar na cons- tituição de alguns terreiros de candomblé que se formavam na cidade de salvador no século XiX, onde o culto a Xangô era elemento central. Fiel a sua missão, Bangboxé obitikó, constituiu no Brasil longa descendên- cia através da família consanguínea que formou, e da religiosa que desde

cedo constituiu através de suas viagens a Porto alegre, rio de Janeiro e recife. ainda hoje, membros da família Bangboxé vêm da nigéria visi- tar seus descendentes brasileiros. da família consanguínea, destacamos a figura de sua filha, chamada de tia Júlia, e da família religiosa, eugênia anna dos santos, a inesquecível Mãe aninha, que há cem anos atrás fun- dou o ilê axé opô afonjá. no terreiro fundado por tia Júlia no Matatu, está à frente, ainda hoje, irenea sowzer, a última bisneta do tio Bangbo- xé, também de Xangô. Xangô que é rei, que gosta de coisa bonita e é mui- to vaidoso, não no sentido pejorativo que utilizamos a palavra. vaidade no sentido da autoestima. o culto a Xangô nos faz olhar para dentro de nós mesmos, nos faz perceber que quando permanecemos unidos como pedras que formam o alicerce de uma construção, somos fortes. ele ainda nos impulsiona a lutar contra todos aqueles que não se alegram com a nossa alegria.

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