• Nenhum resultado encontrado

O desafio das áreas densamente povoadas: uma proposta para a bacia

5. SOLUÇÕES BASEADAS NA PAISAGEM COMO ESTRATÉGIA PARA O

5.4 Com o que se parece um sistema de abastecimento de água que toma partido da

5.4.4 O desafio das áreas densamente povoadas: uma proposta para a bacia

Para investigar como soluções baseadas na paisagem podem minimizar a vulnerabilidade hídrica que se verifica até mesmo em amplos setores da cidade formal, foi selecionada como área de teste a bacia do córrego Mandaqui, um afluente da vertente direita do rio Tietê que drena área de 18,6km2.

Localizada na zona norte da capital, abriga bairros importantes e densamente povoados como Santana, Casa Verde e Limão. Trata-se de área predominantemente residencial com edificações de médio e alto padrão, dotada de infraestruturas, serviços e equipamentos públicos, em que tanto o abastecimento de água quanto o esgotamento sanitário foram universalizados. A população estimada

194

é de pouco mais de 190 mil pessoas, que consomem diariamente cerca de 38.423 m3 de água, a maior parte tratada pela SABESP.

Figura 56 Redes de adução e esgotamento. Elaborado pelo autor a partir de bases de

<https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/marco-regulatorio/plano-diretor/ >. Acesso em 03/05/2019.

O manancial que serve a região é o Cantareira, a partir de tratamento realizado pela ETA Guaraú. As principais infraestruturas de esgotamento, adução e os reservatórios de bairro podem ser vistos na figura anterior.

Dos 63km de sua rede hídrica mapeada oficialmente111 apenas 10,7km

correm a céu aberto. O talvegue principal coincide com o traçado da avenida Engenheiro Caetano Álvares, com os 3km mais próximos da foz fluindo a céu aberto e o restante sob canteiro viário central ajardinado.

111 Em artigo, Bonzi (2016), revela seis córregos não mapeados oficialmente e aventa a existência de

195

Os principais afluentes do córrego Mandaqui são os córregos Tabatinguera, Água Fria, Capão das Cobras e Lauzane, conforme pode ser visto na imagem a seguir. As nascentes principais estão localizadas em área verde (Horto Florestal e Academia do Barro Branco, da Polícia Militar). A bacia hidrográfica foi considerada despoluída pelo Programa Córrego Limpo em 2015.

Figura 57 Hidrografia do Mandaqui. Elaborado pelo autor a partir de bases de < http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em 03/05/2019.

Ab´Sáber destaca que o relevo não apresenta os amplos terraços escalonados das bacias hidrográfica tributárias da vertente esquerda do rio Tietê (1958, p. 223). Na compartimentação geomorfológica apresentada abaixo podemos perceber que não há transição suave entre os terrenos planos e inundáveis (planícies aluviais) para as colinas que abrigam os anfiteatros de nascentes. As cabeceiras encontram-se em altitude de até 825m.

196 Figura 58 Compartimentação da bacia do córrego Mandaqui. Elaborado pelo autor.

Tendo em vista o elevado valor financeiro do solo urbano, a alta densidade habitacional da área, a baixa disponibilidade hídrica per capita e a inexistência de vastos setores desocupados, não parece minimamente razoável propor um plano de infraestrutura verde que vise captar e potabilizar as águas superficiais para fins de abastecimento público local, mesmo que em caráter complementar ao esquema de abastecimento oficial existente. Por outro lado, a bacia do Mandaqui é abastecida por um sistema que já atingiu a capacidade máxima de exploração e é bastante provável que a região tenha seu contingente populacional e atividades econômicas acrescidas nas próximas décadas.

Por mais que a interligação entre a represa Atibainha, do sistema Cantareira, e a represa Jaguari, na bacia do Paraíba do Sul, possa aportar até 8,5m3/s em caso

197

de nova “crise hídrica”, a população do Mandaqui seguiria vulnerável se levarmos em conta que a proximidade destas represas (20km) torna plausível que uma seca prolongada atinja ambas simultaneamente já que fenômenos climáticos tipicamente abarcam distâncias maiores do que esta.

Portanto, o que propomos para esta área piloto é o aumento da segurança hídrica por meio do aproveitamento dos aquíferos profundos, e em caráter secundário, pela captação de água da chuva.

Quanto a esta, trata-se simplesmente de fomentar a instalação maciça de cisternas pela bacia do Mandaqui. Esta tecnologia ancestral e tipologicamente associada à infraestrutura verde foi adotada espontaneamente por parte da população durante a última “crise hídrica”. Mesmo que a disponibilidade de água de chuva seja inerentemente sazonal e geralmente não se preste ao consumo humano (mas a atividades como limpeza de pisos, rega de jardins e lavagem de roupas), cisternas bem dimensionadas são capazes de garantir grande economia de água, aliviando assim a pressão sobre o sistema metropolitano de abastecimento e racionalizando o uso da água já que evita gastos com a potabilização de água que será usada para fins que não exigem sua potabilidade.

Embora seu uso seja desejável em toda a bacia do Mandaqui no que diz respeito ao abastecimento, tendo em vista um planejamento que transcenda a tradicional lógica setorial recomenda-se que a sua aplicação seja iniciada pelos compartimentos de nascentes e áreas íngremes (ver figura anterior) já que são áreas em que o escoamento superficial deve ser contido e a capacidade de infiltração é mínima, fazendo assim com que as cisternas nestes compartimentos colaborem com a recuperação do balanço hídrico da bacia e, portanto, ajudem a harmonizar a ocupação humana com os processos naturais da base biofísica.

A área das planícies aluviais seria a prioridade seguinte, mesmo que a aplicação de cisternas neste compartimento teoricamente tenha um desempenho até superior por mimetizar o processo hidrológico predominante no compartimento (armazenamento) e também porque em alguns casos o lençol freático próximo à superfície faz com que as cisternas possam ser abastecidas também pelo

198

afloramento de água do solo. No entanto, entendemos que áreas íngremes e anfiteatros de nascentes neste contexto talvez mereçam preferência já que devido ao fato de estarem em altitude elevada podem ficar desabastecidas pelo SIM durante mais tempo, já que uma das estratégias acertadas que a SABESP utilizou na última “crise hídrica” foi a redução de pressão na rede.

A implantação de cisternas nas áreas tabulares, mesmo subtraindo parte da água que infiltraria naturalmente neste compartimento do relevo, também é recomendável desde que se evite a impermeabilização do solo nesta zona e sejam implantadas em larga escala tipologias que incentivem a infiltração de água no solo (jardim de chuva, canteiro pluvial e biovaletas).

Para que aconteça a proliferação generalizada de cisternas, sugere-se a capacitação de empreiteiros locais, mas sobretudo a criação de parceria entre as prefeituras regionais, SABESP e o empresas para o desenvolvimento de um kit de fácil instalação, que não dependa de reformas. A instalação poderá adotar diferentes metas temporais como biênios ou triênios dedicados a cada compartimento do relevo, de acordo com a hierarquização de prioridades sugerida. Novos empreendimentos e reformas deverão obrigatoriamente adotar cisternas. As já existentes deverão ser fiscalizadas para evitar a proliferação de mosquitos causadores de doenças como Dengue, Zika e Chikungunya

Adicionalmente, na escala do lote, alagados construídos nas áreas tabulares poderiam filtrar os efluentes gerados pelo uso de água das cisternas. E, na escala do bairro, ao lado de jardins de chuva, reduziriam a carga tóxica do escoamento superficial da água da chuva sobre o sistema viário. O emprego destas tipologias paisagística forçaria a infiltração e a percolação da água no solo, colaborando assim com a recarga dos aquíferos e desta maneira mitigariam o impacto negativo do uso de cisternas sobre a dinâmica natural de infiltração das áreas tabulares.

No que diz respeito à segunda e principal estratégia, a inserção racional de água subterrânea profunda no sistema de abastecimento metropolitano, conforme podemos ver na figura a seguir, a bacia do Mandaqui está inserida em um mosaico

199

de aquíferos, incluindo aquíferos cristalinos (as áreas em verde no mapa), relativas a rochas granitóides, metassedimentares e metacarbonáticas.

Figura 59 Aquíferos profundos, poços existentes e áreas potencialmente contaminantes na bacia do Mandaqui e entorno. Elaborado pelo autor.

Segundo artigo de Bertolo et al (2015), o aquífero cristalino apresenta as maiores vazões desde que as perfurações dos poços alcancem zonas de fraturas. O mapa anterior mostra também a localização e a vazão de poços existentes, que em conjunto exploram pouco mais de 230m3/h (0,064m3/s)112, bem como os cemitérios

e demais áreas em que perfurações de poços devem ser evitadas dado o potencial de contaminação detectado pela CETESB.

Tendo em vista que é uma área que comporta incremento da exploração dos mananciais profundos sem comprometer a sua reposição natural, a estratégia é

112 Segundo dados disponibilizados no site do DAEE. Disponível em <

200

perfurar poços profundos nas imediações dos quatro reservatórios de bairro já existentes (Jaçanã, Casa Verde, Santana e Vila Nova Cachoeirinha).

Preferencialmente as perfurações seriam feitas em equipamentos públicos (ou privados com caráter social), como escolas, hospitais, postos de serviço, e nos terrenos dos reservatórios da SABESP, evitando assim os custos econômicos e sociais de desapropriações ao mesmo tempo em que é garantido o fornecimento de água a locais mais sensíveis a interrupções no fornecimento de água. O mapa abaixo mostra os equipamentos existentes na área.

Figura 60 Equipamentos que potencialmente podem abrigar novos poços para reforço do abastecimento. Elaborado pelo autor.

Confirmada a potabilidade, a água subterrânea seria direcionada via tubulação subterrânea para os reservatórios existentes sem necessidade de tratamento químico. Devido à necessidade de grande número de poços para atingir vazão condizente com o abastecimento de áreas densamente povoadas (como