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Revertendo ocupação precária em zona de manancial: uma Infraestrutura

5. SOLUÇÕES BASEADAS NA PAISAGEM COMO ESTRATÉGIA PARA O

5.4 Com o que se parece um sistema de abastecimento de água que toma partido da

5.4.2 Revertendo ocupação precária em zona de manancial: uma Infraestrutura

Para investigar como soluções baseadas na paisagem podem colaborar com a qualidade de água em área de manancial ocupada de forma precária, foi realizado

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estudo em que tipologias de infraestrutura verde foram espacializadas em uma microbacia do ribeirão Cocaia, um dos braços da represa Billings.

Figura 46 Paisagem recorrente ao longo do ribeirão Cocaia. Foto do autor.

Sua distribuição partiu da leitura estratégica da base geofísica local conforme metodologia de Schutzer (2004, 2012) e adaptada por Bonzi para o contexto da infraestrutura verde (2015a, 2015b). O relevo é compartimentado em zonas ambientais108, conforme explicado no primeiro capítulo. Ver próxima figura.

108 Os autores identificaram quatro compartimentos principais:

-Topo de morro (plano e elevado). Compartimento indutor de processos naturais. (...) predomina a infiltração da água da chuva, que percola pelo solo e realiza a recarga do lençol freático e abastecimento das nascentes. (...)

-Encosta de colina. Compartimento transmissor de processos naturais. (...) predomina o escoamento superficial da água da chuva sobre a infiltração. As nascentes surgem em sua base, nos pontos em que ocorre a transição para uma topografia mais suave, de baixíssima declividade.

-Terraços. Sua tabularidade confere capacidade de infiltrar a água da chuva e a altimetria em relação ao nível da represa, apesar da proximidade da linha d’água, o salvaguarda de inundações. É um compartimento receptor de processos naturais, notadamente o escoamento superficial e os sedimentos (...)

-Planície aluvial. Esta área está sujeita a inundações e cheias periódicas. Apesar de ser um terreno com pouca declividade, sua proximidade altimétrica do nível do espelho d’água da represa e o lençol freático a poucos metros da superfície diminuem radicalmente a capacidade de infiltração do compartimento. (...) o escoamento superficial se vê limitado ao próprio curso d’água. O processo natural predominante é o armazenamento de água, com predisposição à formação de lagos, brejos e vegetação vigorosa. É um compartimento receptor de água e sedimentos (Idem, p. 51-52).

183 Figura 47 Compartimentação da bacia hidrográfica do Ribeirão Cocaia e de microbacia escolhida, no detalhe. Elaborado pelo autor.

Ao lado de visitas de campo de caráter exploratório, consulta a planos existentes (PDE e LPUOS) e levantamento de bases temáticas convencionais como rede de esgotamento sanitário, equipamentos urbanos, hidrografia e sistema viário (ver figura a seguir) foi possível identificar os problemas e as potencialidades de sua base natural.

A área de drenagem do pequeno córrego sem nome, acrescida das bacias de contribuição difusas adjacentes, totalizam 0,56km2. Bonzi et al (2017, p.46) estimam

que cerca de 18 mil pessoas habitem esta região que pode ser descrita como tendo baixa oferta de emprego, alta vulnerabilidade social e predominância de residências horizontais de baixo padrão.

184 Figura 48 Área de estudo com indicação de cursos d'água, referências principais, rede coletora de esgoto existente e sua estação elevatória. Elaborado pelo autor a partir de bases de <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em 15/03/2019.

A exemplo do que acontece em grande parte das bacias formadoras da represa Billings, tanto a coleta quanto o tratamento do esgoto local não foram universalizadas, sendo apenas parte dela bombeada por uma estação elevatória para tratamento na ETE Barueri, dezenas de quilômetros adiante.

Além do esgoto in natura despejado na represa, também colabora para a deterioração do manancial o escoamento superficial da água da chuva que carrega para os corpos d’água o lixo não coletado, fezes de animais, particulados, dejetos automotivos como pastilha de freio, óleo e fragmentos de pneus. A urbanização da área erradicou a mata ciliar e as áreas úmidas que poderiam reter parte deste material. A impermeabilização do solo por sua vez, aumentou o volume do escoamento já que a paisagem perdeu sua capacidade de infiltrar e evapotranspirar a água da chuva.

A fim de reverter este quadro foram estabelecidas 10 diretrizes capazes de harmonizar a ocupação e os processos naturais que ocorrem nesta área, acarretando melhora da qualidade da água despejada na represa.

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DIRETRIZ IMPORTÂNCIA (FUNÇÃO) MÉTODO AÇÕES ÁREAS Aumento de

infiltração do solo

Melhoria no balanço hídrico e recarga do aquífero

Compartimentação do terreno

Implantação de áreas verdes, jardins de chuva, canteiros

fluviais e biovaletas Áreas planas e terraços Manejo do escoamento superficial

Melhoria no balanço hídrico, proteção de áreas de risco,

diminuição da erosão, assoreamento e inundações Análise do relevo e da rede de drenagem existente Biovaletas, remoção de moradias em áreas de risco,

terraceamento, canteiros pluviais de armazenamento Sistema viário, drenagem natural, colinas Requalificação de córregos

Melhoria no balanço hídrico, uso das orlas para lazer, aumento da biodiversidade, identidade local

Compartimentação do terreno, uso e ocupação do solo, mapeamento de córregos ocultos Remoção de moradias em áreas próximas aos cursos d'água, desenho da orla

fluvial

Orla dos córregos

Tratamento do esgoto

Melhoria da qualidade da água Análise do relevo e da rede de coleta

existente

Microestações de tratamento Universalizar o atendimento Requalificação

da orla da represa

Melhoria da qualidade da água, lazer, aumento da biodiversidade,

navegação

Análise do uso e ocupação do solo,

ortofotos

Remoção de moradias em áreas próximas à represa, desenho da orla fluvial

Desapropriação e áreas ociosas Incentivar

mobilidade fluvial

Vencer longos trajetos impostos pelo contorno à represa.

Redundância modal

Análise do tecido urbano e orla da

represa

Portos e passarelas Represa e planícies

aluviais Manutenção dos

fundos de braço da represa

Melhoria da qualidade da água, aumento do armazenamento, uso das orlas para lazer e navegação

Análise dos pontos

de assoreamento alagados para melhoria da Dragagem, criação de qualidade da água Fundo de braço assoreados Remoção de população em área de risco

Evitar perdas humanas Aplicação do novo

PDE Produção de habitação de interesse social aluviais e orla Planícies do córrego Criação de

opções de lazer

Saúde, sociabilidade, cultura Identificação de espaços ociosos e

retrofit de áreas existentes

Criação de novas áreas e conexão a áreas existentes

Toda a área Complementaçã o do abastecimento de água Segurança hídrica, conscientização, menor consumo

de água tratada e economia financeira

Redundância de fontes, reúso e

reciclagem

Cisternas, reuso de esgoto, tratamento de escoamento e

águas cinzas por alagados, microestação de tratamento

Toda a área. Sobretudo nas

novas habitações

Quadro 8 - Diretrizes de intervenção. Fonte: Bonzi et al, 2017, p. 54.

A transformação destas diretrizes em espaço físico assume que a requalificação da orla da represa é o eixo estruturador da intervenção, implicando na remoção de 360 habitações lindeiras, aproximadamente 10% da população109.

A próxima figura mostra a planície aluvial convertida em uma paisagem infraestrutural multifuncional e híbrida. Duas pequenas estações de tratamento de esgoto (com capacidade para atender 20 mil pessoas) instaladas em cotas baixas do terreno direcionam o efluente tratado em nível secundário para um sistema de alagados construídos e biovaletas que além de oferecer uma etapa extra de limpeza tem a função prioritária de interceptar e tratar a poluição difusa carreada pelo escoamento superficial dos primeiros minutos de chuva, que atualmente chega na represa e prejudica a qualidade das águas.

109 Para efeito de comparação, trata-se de uma remoção 50% menor do que a realizada no Cantinho

do Céu. O projeto assumiu o compromisso que estas pessoas devem ser realocadas em habitações sociais localizadas na mesma microbacia, em área que o zoneamento já definiu como zona de interesse social (ZC-ZEIS).

186 Figura 49 Planta baixa de requalificação da orla. Fonte: Bonzi et al, 2017, p. 57.

187 Figura 50 Corte esquemático da orla requalificada. Fonte: Bonzi et al, 2017, p. 56.

A fim de diminuir a quantidade de escoamento superficial, as ruas paralelas às curvas de nível110, localizadas preferencialmente nas áreas planas dos topos de

morro, receberam canteiros pluviais, tipologia capaz de infiltrar e/ou evapotranspirar a água da chuva. A retenção da água intralote por meio de tetos-verdes e cisternas, como pode ser vista na próxima ilustração, também diminuem o escoamento superficial. As cisternas cumprem ainda a importante tarefa de diminuir o consumo de água tratada, aliviando assim a pressão sobre os reservatórios do sistema de abastecimento.

Figura 51 Corte esquemático da requalificação de ruas com canteiros pluviais e lotes com tetos- verdes e cisternas. Fonte: Bonzi et al, 2017, p. 58.

110 Bonzi et al explicam que “essa é a disposição espacial com maior capacidade de interceptar a

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Demonstrando que moradia e áreas verdes não precisam ser inimigas na disputa pelo tecido urbano, as habitações sociais que acomodam a população removida têm jardins que desempenham funções infraestruturais importantes para o funcionamento dos edifícios. Um sistema de alagados construídos, biovaletas e lagos tratam as águas cinzas geradas pelos moradores, manejam o escoamento superficial, incentivam a recarga de aquíferos e fornecem água para fins não potáveis como limpeza de pisos e rega de vegetação. Como é possível observar na figura a seguir, nas unidades dispostas ao longo da estrada do canal Cocaia, a infraestrutura paisagística e a ausência de muros criaram um continuum entre as residências e os novos parques previstos para a região.

Figura 52 Planta baixa das novas habitações sociais, orlas requalificadas do córrego e da represa e zona de infiltração com mirante, ao sul. Fonte: Bonzi et al, 2017, p. 60.

Na imagem anterior vemos que a orla requalificada se conecta às penínsulas vizinhas por passarelas. A mata ciliar do córrego sem nome foi recomposta e seu leito recebeu barramentos para aumentar o espelho d’água e criar nichos para plantas aquáticas que retém sedimentos e poluentes.

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