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O desafio de materializar a proposta

No documento 2014RaquelPaulaFortunato (páginas 60-63)

2 ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: DETALHAMENTO DA LE

2.3 O desafio de materializar a proposta

A implementação dessa política, que visa resgatar a dívida social, para com a população excluída da escola ou nela mal sucedida requer a construção de uma escola inclusiva que alcance o envolvimento de todos os atores escolares e efetue profundas mudanças na organização do trabalho na escola e nas práticas educativas. Segundo Elba Siqueira de Sá Barreto e Sandra Zákia Sousa, se faz necessário:

[...] dimensionar a complexidade de sua implementação, apontando aspectos da estrutura e funcionamento das escolas, do currículo, da formação e envolvimento dos professores nas mudanças pretendidas, da participação dos pais e de outros atores, enfim, da cultura da escola, que são profundamente afetados [...] um confronto com valores que tradicionalmente têm pautado de modo dominante a organização escolar (2004, p. 15).

Ainda no entendimento das autoras Barreto e Sousa, para que as mudanças de fato aconteçam é preciso que as iniciativas venham “acompanhadas de aportes que promovam espaços para o debate sobre novos fundamentos do trabalho escolar e a viabilização de condições para a sua produção”, do contrário poderá resultar no aumento da exclusão escolar e social (2004, p.15), ou ainda pode se tornar “objetivos espetaculares versus resultados decepcionantes” (SIQUEIRA apud MARTINS, 2005, p. 119). Os comentários citados visam, de certa forma, proteger a medida do descompromisso, que poderá ocorrer caso não sejam asseguradas algumas condições para que se efetive, pois nenhuma política, por mais desejável que seja, terá sucesso e impacto de mudanças se os agentes não enfrentarem os desafios postos ao processo educativo. Cabe novamente ressaltar as orientações legais quanto ao necessário debate, entendimento e mudança:

É preciso, ainda, que haja, de forma criteriosa, com base em estudos, debates e entendimentos, a reorganização das propostas pedagógicas das secretarias de educação e dos projetos pedagógicos das escolas, de modo que assegurem o pleno desenvolvimento das crianças em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual, social e cognitivo, tendo em vista alcançar os objetivos do ensino fundamental, sem restringir a aprendizagem das crianças de seis anos de idade à exclusividade da alfabetização no primeiro ano do ensino fundamental de nove anos, mas sim ampliando as possibilidades de aprendizagem (BRASIL, 2006b, p. 11).

Dadas as dimensões do sistema educacional brasileiro, sem dúvidas o maior problema a ser enfrentado consiste na materialização prática da proposta nas escolas, sair do nível da proposição da lei, para a concretização das ações, ou seja, colocar em prática os objetivos estabelecidos assegurando o pleno desenvolvimento do processo. Nesse sentido, é sempre

necessário refletir sobre o que se idealiza e o que se concretiza em nosso país, para encurtar o caminho entre as intenções e a realidade.

Nessa mesma proposição de intenções, metas e novas estratégias para a educação, tramita no Congresso Nacional o novo PNE, com vigência por dez anos, de 2011 a 2020. As intenções do PNE seguem na perspectiva de universalizar o atendimento escolar, erradicar o analfabetismo e oferecer melhoria da qualidade da educação. Para isso, o documento estabelece, a partir da meta n. 1, universalizar o acesso à educação infantil na pré-escola, para as crianças de 4 a 5 anos de idade, até 2016. Já para o ensino fundamental, as metas número 2 e 5 preveem:

Meta 2: Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de seis a quatorze anos e garantir que pelo menos noventa e cinco por cento dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até os últimos anos de vigência deste PNE.

Meta 5: Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do terceiro ano do ensino fundamental (BRASIL, 2012).

O novo PNE confirma a tendência de universalização do acesso ao ensino em nosso país. A política prevê o direito à educação e a focalização na alfabetização como um processo de inclusão, proposta que requer compromisso e seriedade, para que, de fato, se efetive no prazo estipulado e possibilite esta escola construtora de novas culturas e saberes. Nesse momento, vale lembrar a lição de Sônia Kramer:

As crianças têm o direito de estar numa escola estruturada de acordo com uma das muitas possibilidades de organização curricular que favoreçam a sua inserção crítica na cultura. Elas têm direito a condições oferecidas pelo Estado e pela sociedade que garantam o atendimento de suas necessidades básicas em outras esferas da vida econômica e social, favorecendo, mais que uma escola digna, uma vida digna (2006, p. 811-812).

Dessa forma, é importante analisar a ampliação do ensino fundamental, não apenas na dimensão e nas repercussões do currículo e das práticas pedagógicas desse nível de ensino, mas também sua interação com a educação infantil, com a infância. Nesse sentido, igualmente importante é pensar nos impactos da inclusão de crianças de 6 anos de idade no ensino fundamental, assim como no acesso à educação infantil com crianças de idades inferiores a 6 anos, ou seja, há que se observar o novo contexto escolar ao matricular as crianças cada vez mais precoces, de modo a atender as necessidades básicas de cada criança inserida ao universo escolar.

Diante do exposto, percebe-se que o nosso país, principalmente nas últimas três décadas, tem buscando implementar medidas que corrijam, ou ao menos minimizem a dívida social de séculos de história, contexto marcado pelo legado histórico-social da exclusão, do descompromisso governamental e de uma escola fundamental seletiva e classista. O fato de conceber a educação como direito, determinar que fosse gratuita e obrigatória, sem distinções, representa uma conquista histórica às reivindicações da sociedade. No entanto, a leitura da urgência social do Século XXI consiste em superar o desafio da permanência escolar com aprendizagem efetiva e educação de qualidade.

Nesse contexto, a lei n. 1.274/2006, de encontro às novas demandas sociais, assegura maior tempo de aprendizagem às crianças, garantindo sua inserção aos 6 anos de idade. Essa política significa um grande avanço na realidade educacional brasileira, pois nossas crianças, nessa faixa etária não estavam incluídas na educação infantil e não tinham a obrigatoriedade do ensino fundamental, elas não frequentavam a instituição de educação formal e, assim, a medida vem contribuir para a conquista da cidadania, bem como ampliar as possibilidades de experiências culturais significativas as crianças, principalmente aquelas de classes populares. Sem dúvida que apenas aumentar a duração do tempo escolar não é, por si só, garantia de aprendizagem e êxito na continuidade escolar. O projeto necessariamente, como já foi explicitado, precisa estar ancorado em políticas educacionais que ofereçam condições de efetivamente executar a nova proposta, com vistas à melhoria da educação.

Como toda normativa, a implementação da medida desencadeou um processo de mudança, criou um movimento, o qual necessariamente requeria subsídios e investimentos para sua efetiva materialização. Muitos foram os questionamentos apresentados ao MEC, assim como muitas foram as dificuldades enfrentadas pelos sistemas de ensino e instituições para implantar a medida, momento de acalorados debates e distintas compreensões do processo. Após 2010, prazo final de implantação da medida, poucos estudos ainda estão disponíveis referente à caminhada percorrida do ensino fundamental de nove anos, sendo que muitas questões emergem justamente da prática do trabalho efetivamente realizado nas escolas. Nesse sentido, ainda resta saber se o processo da nova obrigatoriedade e ampliação do ensino fundamental, legitimados pela autonomia das escolas, foi realizado de forma adequada. Ou seja, se as nossas escolas, ao implantar o ensino fundamental de nove anos, de fato realizaram uma nova organização pedagógica em conformidade com o veementemente orientado pela normativa em seus pareceres e cadernos publicados. É preciso lembrar, trazer a memória os objetivos estabelecidos pela medida e analisar seus resultados, mesmo que de forma parcial. Nesse caminho, a busca não irá apressar o olhar aos efeitos positivos mais

aparentes, bem como não irá aderir com insensatez às críticas sobre a nova política. O foco é obter uma visão compreensiva do movimento, conforme esclarecem Barreto e Sousa:

[...] garantir que medidas potencialmente tão valiosas para assegurar a democratização do ensino, [...], não se traduzam em descompromisso com o processo de aprendizagem, é imprescindível que se articule ao debate sobre a reorganização do ensino uma análise do papel e da função desempenhados pelas instâncias governamentais na reconstrução da escola pública, para além dos condicionantes intra-escolares. Ou seja, desde as diretrizes que norteiam as políticas educacionais, as condições propiciadas para apoiar uma reorganização do trabalho escolar, até as iniciativas dos órgãos intermediários e centrais dos sistemas de ensino direcionadas às escolas, demandam um exame acurado, a fim de que se obtenha uma visão compreensiva do movimento de reconstrução das bases que alicerçam o trabalho escolar e dos processos de adesão e resistência ao projeto de democratização da educação (2004, p. 19).

Dando continuidade ao estudo sobre os meandros da lei que ampliou o ensino fundamental para nove anos, apresentamos os textos de orientações pedagógicas publicados pelo MEC. Interessa, nesta abordagem, enfatizar os subsídios teóricos que o governo ofereceu às escolas e aos sistemas de ensino para o debate sobre a infância e o currículo. A discussão volta-se à perspectiva da construção da nova proposta pedagógica necessária ao ensino fundamental, momento em que recorremos também aos saberes de alguns teóricos estudiosos da temática.

No documento 2014RaquelPaulaFortunato (páginas 60-63)