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Em destaque a Constituição de 1988

No documento 2014RaquelPaulaFortunato (páginas 38-42)

1 EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL: DA EXCLUSIVIDADE PARA

1.7 Nova República: a universalização da educação

1.7.1 Em destaque a Constituição de 1988

Nenhum outro interesse público exigirá forma tão especial do Estado quanto à educação. Anísio Teixeira

Em meados da década de 1980, o quadro educacional brasileiro era dramático: 50% das crianças repetiam ou eram excluídos ao longo da 1ª série do 1º grau; 30 % da população eram analfabetos, 23% dos professores eram leigos e 30% das crianças estavam fora da escola. Além disso, 8 milhões de crianças no 1º grau tinham mais de 14 anos, 60% de suas matrículas concentravam-se nas três primeiras séries que reuniam 73% das reprovações. Ademais, é importante lembrar que 60% da população brasileira vivam abaixo da linha da pobreza. Tais dados forneciam as condições para a exigência de redirecionamento na legislação vigente (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011, p. 37).

Os alarmantes índices da educação no país refletiam o período da ditadura militar, contexto no qual a educação foi pautada pela repressão, privatização do ensino, institucionalização do ensino profissionalizante na rede pública regular, abordagem de uma pedagogia técnica e muitas tentativas de desarticulação do magistério. Certamente o período militar deixou como herança um saldo bastante negativo ao nosso país, um projeto de educação fracassado.

O período ditatorial durou 21 anos. Teve se início em março de 1964 com o golpe que derrubou do poder o presidente João Goultart (Jango) e teve seu final em janeiro de 1985 com a eleição indireta (via Colégio Eleitoral) de Tancredo Neves e José Sarney. Ao todo foram cinco generais que, ao longo dessas duas décadas, assumiram o revezamento da Presidência da República. Pós-ditadura, o governo José Sarney recebeu um sistema educacional destroçado, com mazelas e ineficácias em alguns setores do ensino, o que acabou comprometendo a educação do Brasil por mais duas décadas após o fim da ditadura militar (GHIRALDELLI, 2009).

A necessidade de implementar novas políticas educacionais fez crescer os movimentos de educadores em busca de mudanças ao sistema educacional ao país. Sobre as bandeiras de luta e as propostas de reivindicações, Shiroma, Moraes e Evangelista destacam:

Expressando o espírito da época, as bandeiras de luta e propostas dos educadores cobriam um amplo espectro de reivindicações, a começar pela exigência de constituição de um sistema nacional de educação orgânico – proposta recorrente desde a década de 1930. Também se firmou a concepção de educação pública e gratuita como direito público e subjetivo e dever do Estado concedê-la. Defendiam- se a erradicação do analfabetismo e a universalização da escola pública, visando a formação de um aluno crítico. Os requisitos desse projeto podem ser sintetizados em cinco lineamentos. O primeiro refere-se à melhoria da qualidade na educação, incluindo-se nesse âmbito preocupações com a permanência do educando na escola e a redução da distorção idade-série...; o segundo relaciona-se aos profissionais da educação, que compreendia a valorização e qualificação dos profissionais, entendidos como professores, especialistas e demais funcionários...; o terceiro ponto dizia respeito à democratização da gestão. Nesse plano reivindicava-se a democratização dos órgãos públicos de administração do sistema educacional, não só pela recomposição de suas esferas como pela transparência de suas ações...; o quarto lineamento atinha-se ao financiamento da educação...; e a última diretriz contemplava os níveis de ensino. Propunha-se a ampliação da escolaridade obrigatória, abrangendo creche, pré-escola, 1º e 2º graus, o que significava que a obrigação do estado na oferta educacional ampliava-se para o período de 17 anos (2011, p. 40-41).

A “Nova República” de 1985 fez emergir os anseios acima elencados. Caminhava-se para o avanço e consenso do que deveria ser o projeto de educação nacional do país. O Congresso, em 1988, assina então a nova Carta Magna, a Constituição que garantiu às mudanças necessárias à educação brasileira, elaborada numa perspectiva cidadã e democrática

de direito. O Estado democrático de direito está previsto na Constituinte de 1988, no parágrafo único do art. 1º, que diz: “Todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2003). Nesse sentido, a nova legislação ganhou sentido e força, pois conferiu ao povo a soberania do poder.

A Constituição Federal de 1988, especificamente quanto ao direito social à educação, antes mesmo do Capítulo III, na Seção intitulada “Da Educação”, já prevê esse direito:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 2003).

Segundo Carlos Roberto Jamil Cury (2013), o destaque dado à educação, primeiro na ordem das citações, não é sem motivo, visto na concepção de que sem educação não pode haver cidadania e processo democrático. A partir da educação, outros princípios e direitos civis são assegurados, a exemplo do Título II, Capítulo I, art. 5º da Constituição, “a igualdade jurídica entre homem e mulher, a liberdade de consciência e de expressão, a liberdade de associação, a condenação a todo tipo de maus-tratos e a condenação ao racismo como crime inafiançável” (BRASIL, 2003).

A educação passa a ser entendida como primordial para o desenvolvimento pleno da pessoa. Conferindo-lhe ampla valorização e importância, o art. 208 reconheceu o ensino obrigatório como direito público subjetivo, conforme sinaliza os incisos 1º e 2º:

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente (BRASIL, 2003).

A letra da lei define a educação como direito de todos e dever do Estado. O direito público subjetivo é “aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir direta e imediatamente do Estado, o cumprimento de um dever e de uma obrigação” (CURY, 2002, p. 21). Cury (2013), em seu artigo “Do direito de aprender: base do direito à Educação” (p. 104) apresenta o objetivo da educação, segundo a Carta Magna de 1988:

A Constituição da República do Brasil de 1988 inicia o capítulo da Educação com um artigo no qual se afirma ser o objetivo da Educação o pleno desenvolvimento da

pessoa. E para alcançá-lo, a Educação é defendida como direito do cidadão e dever do Estado. E esse desenvolvimento da pessoa não poderia se realizar de modo pleno,

especialmente na Educação básica, sem o concurso de várias mediações entre as quais a gratuidade, obrigatoriedade, o financiamento e a valorização dos docentes. Tais mediações concorrem para o preenchimento das finalidades da instituição escolar: o desenvolvimento efetivo e de qualidade da capacidade cognitiva, marca registrada do homem e a incorporação de valores ligados à cidadania e aos direitos humanos.

Cury também explicita que a Constituição, ao reconhecer o direito à educação, estabeleceu uma série de princípios e diretrizes, de modo a assegurar esse direito, dentre eles, destacamos o “art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola: [...]” (BRASIL, 2003). Certamente, o previsto no inciso I demanda grande investimento social, para que seja minimizada e superada a exclusão e a descriminação constitutiva da nossa sociedade.

Há consenso entre os educadores de que o direito à educação constitui-se como uma ferramenta imprescindível para reduzir à desigualdade social, o preconceito, a descriminação racial, ou seja, a partir dele podemos superar a herança de séculos de uma educação excludente. “A declaração e a efetivação do direito à Educação têm sido e são imprescindíveis para essa superação. E isso se torna mais significativo em países como o Brasil cuja forte traição elitista reservou apenas às camadas privilegiadas o acesso a este bem social” (CURY, 2013, p. 115).

Por fim, nesse bloco de estudo, buscamos a contribuição da estudiosa Nina Beatriz Stocco Ranieri (2013, p. 103), que nos apresenta resumidamente uma visão do direito à educação no ordenamento jurídico:

O direito à Educação no sistema jurídico brasileiro não é, por conseguinte, uma disposição abstrata. Ao contrário, consiste em um conjunto de determinações objetivas e consequentes, passíveis de serem aplicadas a contingências, situações e circunstâncias que se sucedem no desenvolvimento social, pela integração jurisprudencial e doutrinária. A via judicial, em particular, na efetivação do direito à Educação, vem revelando novos campos de afirmação do Estado Democrático de Direito, em benefício dos direitos de cidadania e da participação popular, o que é especialmente importante num País com baixa percepção popular do valor das instituições democráticas e desconhecimento da força normativa da Constituição.

Nesse sentido, a Constituição de 1988 revela força normativa e, acima de tudo, assegura um bem social à população brasileira, princípios de cidadania e democracia tão almejados.

As demais alterações legais, previstas no viés do direito à educação, a partir da década de 1990, serão apresentadas e analisadas juntamente com o texto de ampliação da obrigatoriedade escolar.

No documento 2014RaquelPaulaFortunato (páginas 38-42)