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Os desafios anunciados perante a assunção da mudança inevitável provocada pela sociedade da informação

Discursos sobre educação e sociedade da informação na União Europeia

1. Os desafios anunciados perante a assunção da mudança inevitável provocada pela sociedade da informação

A sociedade da informação surge nos diferentes documentos da União Europeia como uma oportunidade de desenvolvimento sem precedentes na Europa. Argumenta-se no sentido de que a mudança por ela provocada é incontornável, desejável e a única possível. O que parece estar em causa é a recuperação do atraso em relação a outras economias e o desejo de liderar este processo de mudança.

No início de 2000, a Comissão Europeia, a propósito do anúncio das estratégias de emprego na sociedade da informação, lança o desafio:

“Se a Europa souber aproveitar as oportunidades que se lhe apresentam, a sociedade da informação será prometedora em benefícios, incluindo aumentos dos padrões de vida, oportunidades empresariais de penetração em novos mercados, mudanças na forma como são produzidos e fornecidos produtos e serviços com ganhos de produtividade, empregos mais aliciantes com tecnologias avançadas e formas mais flexíveis de organização do trabalho. São estas mesmas tecnologias que permitirão aos trabalhadores actualizar as respectivas competências, enquanto parte de um processo de aprendizagem ao longo da vida concebido para melhorar as perspectivas de emprego e de remuneração e elevar os padrões educativos e didácticos nas escolas” (Comissão Europeia, 2000b: 3).

A evolução assim apresentada e de sentido único, decorrente da entrada na era da informação, parece ser aos olhos dos seus proponentes irresistível: facilita o acesso a mercados; favorece o aumento da produtividade; proporciona a alteração dos modos de produção e da organização do trabalho; estimula a formação dos trabalhadores e a qualidade dos sistemas educativos.

No documento da Comissão Europeia, datado de 1999, em que se anuncia a iniciativa “eEurope – Sociedade da Informação para todos”, apresentado no Conselho de Lisboa de 2000, justificam-se as mudanças como sendo desejáveis, uma vez que estas são:

“[…] as mais significativas desde a Revolução Industrial, [e] são de longo alcance e globais. Não se trata meramente de mudanças tecnológicas, pois elas afectarão todas as pessoas, em todos os locais. Aproximando comunidades, rurais e urbanas, criando riqueza e partilhando conhecimentos, têm um enorme potencial para enriquecer a vida de todas as pessoas” (Comissão Europeia, 1999: 2).

Estas mudanças, anunciadas como benéficas, são vistas como uma oportunidade para aumentar a coesão europeia e, por isso, pretende-se colocar a sociedade da informação ao alcance de todos, sendo até possível, diz-se, moldá-la aos valores e princípios europeus (cf. Comissão Europeia, 1999: 2). A intenção anunciada neste documento é a de criar uma Europa digitalmente instruída à qual todos os cidadãos, escolas, empresas e órgãos de administração pública, tenham acesso e que seja apoiada por uma cultura empresarial que suporte e desenvolva ideias inovadoras.

No documento preparatório do Conselho Europeu Extraordinário de Lisboa, elaborado pela Presidência Portuguesa da União Europeia – “Emprego, reformas económicas e coesão social: para uma Europa da Inovação e do Conhecimento”, sugere-se que uma nova época se avizinha, muito desafiante para a construção

europeia, mas que esta deve obrigatoriamente contemplar respostas para problemas

segurança social, os desafios colocados pela globalização, a mudança tecnológica e o envelhecimento da população. O desafio anunciado é o de “redefinir o papel da Europa na economia global, de construir outra plataforma competitiva, abrindo caminho para novos e melhores empregos” e daí “a necessidade de reconquistar o pleno emprego adaptado à sociedade emergente” (Rodrigues, 2000: 194). Para alcançar este propósito, são considerados fundamentais a estabilidade económica e o crescimento sustentado de modo a ser possível estimular “a cultura de dinamismo e de iniciativa empresarial e uma cultura de reforço da coesão social” (Rodrigues, 2000: 194), num contexto que é o da globalização, da internacionalização dos capitais e da competitividade das nações e das empresas.

Neste documento preparatório, considera-se que um novo paradigma está a emergir, o qual tem por base uma revolução tecnológica e uma alteração nas trocas sociais de conhecimento com impacto em todas as instituições, desde a escola à empresa, dos serviços públicos aos media, que traduz a passagem para uma “sociedade e uma economia da inovação e do conhecimento”, que são vistos cada vez mais como a fonte de riqueza dos indivíduos e das nações. Este argumento é igualmente invocado no texto sobre a iniciativa “eEurope – Sociedade da Informação para Todos”:

“O termo ‘nova economia’ descreve a transformação em curso das actividades económicas, à medida que as tecnologias digitais tornam cada vez mais baratos e mais fáceis o acesso, o processamento e o armazenamento da informação. Os enormes volumes de informação estão a mudar a forma como os mercados funcionam, levando à reestruturação das empresas e abrindo oportunidades à criação de riqueza, através da exploração da informação disponível” (Comissão Europeia, 2000c: 19).

Para atingir este estádio de desenvolvimento, defende-se a necessidade de encontrar políticas concertadas de cooperação e a definição de directrizes a nível europeu, com o objectivo de ultrapassar os atrasos estruturais na transição para a

economia baseada no conhecimento, e que permitam a produção e difusão das

tecnologias de informação e comunicação e a necessária adaptação das instituições ao novo paradigma. Pretende-se que a Europa encontre o seu próprio caminho para a “sociedade e a economia baseadas na inovação e no conhecimento”, através dos seus próprios recursos: o património científico e cultural de que dispõe; a capacidade de criação de novos conhecimentos; a valorização da diversidade cultural. Deste modo, poderá ser possível construir a identidade europeia e conseguir a adesão por parte dos cidadãos ao projecto europeu.

Noutra Comunicação da Comissão, datada de 25 de Maio de 2000: “eLearning – Pensar o Futuro da Educação”, o desafio é anunciado desta maneira:

“[…] no futuro, o nível de desempenho económico e social das sociedades será determinado de forma crescente pelo modo como os cidadãos, as forças económicas e sociais poderão explorar as potencialidades das novas tecnologias, assegurar a sua total inserção na economia e fomentar o desenvolvimento de uma

sociedade baseada no conhecimento. Nesta perspectiva, a intensificação dos

esforços de educação e de formação ao nível da União Europeia - para assegurar

o sucesso da integração das tecnologias digitais e a fim de valorizar todo o seu potencial - constitui uma condição essencial do êxito dos objectivos do Conselho Europeu de Lisboa” (Comissão Europeia, 2000d: 3, negrito no original).

Nesta perspectiva, a educação e a formação concorrem como elementos centrais para a tão anunciada mudança, tal como acontece no documento que traduz as conclusões do Conselho Europeu da Feira – “A aprendizagem ao longo da vida é uma

política essencial para o desenvolvimento da cidadania, da coesão social e do emprego.” (Conselho Europeu da Feira, 2000: 7).

Portanto, parte-se do princípio de que o processo de transição em curso implica que a Europa tem, necessariamente, que se adaptar, adequando as suas respostas e mobilizando-se através de iniciativas comuns. Por isso, no texto preparatório do Conselho Europeu de Lisboa, preconiza-se a necessidade de criar uma dinâmica estimulada pela procura, numa plataforma competitiva que não descure a dimensão social. Ora, a prossecução deste intento obriga, por um lado, afirma-se, ao desenvolvimento, reforço e actualização das competências científicas e técnicas dos cidadãos, as quais são igualmente essenciais para a política de emprego e, por outro lado, obriga ao apoio às actividades investigativas e à inovação que, por seu turno, requerem políticas concertadas no domínio científico, tecnológico, educativo e formativo. (cf. Rodrigues, 2000: 196-197). Este desafio é entendido como um desígnio nacional e simultaneamente europeu no sentido em que

“A Europa deve desempenhar um papel activo no desenvolvimento de uma sociedade da informação mais equitativa, que ofereça oportunidades idênticas para a inclusão de todos os países. Colmatar o "fosso digital" entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento é um objectivo central para a União Europeia. Para atingir este objectivo será necessário desenvolver uma colaboração com os principais parceiros internacionais da Europa e com o sector privado” (Conselho e Comissão Europeus, 2000: 3).

O advento da sociedade da informação é também entendido como uma forma de ultrapassar as diferenças de desenvolvimento entre os diferentes países, tal como deu conta Shiller, (cf. Capítulo I). Assim, o desafio da sociedade da informação e da mudança inevitável é deste modo, colocado a todos os cidadãos, às actividades

económicas, aos sistemas educativo e formativo, concorrendo transversalmente às diferentes nações europeias.

2. As exigências e as certezas versus os obstáculos e os riscos, perante a