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Desafios ao livro didático digital: a produção de conteúdo

2 O LIVRO NO DECORRER DOS TEMPOS: DO LIVRO IMPRESSO AO LIVRO

4.5 Desafios ao livro didático digital: a produção de conteúdo

36 Disponível em: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=livros-didaticos- comecam-migrar-versao-digital#.vl0ofdlf9pm

Muitos dos sentidos que circulam sobre a disseminação de livros didáticos são euforizantes e são inscritos, como já mostrado anteriormente, numa formação discursiva pró- tecnologia. Aparecem, contudo, embora menos frequentemente, nas materialidades analisadas sentidos contrários que mostram as dificuldades e os desafios a serem superados na produção e comercialização de livros digitais. Um deles diz respeito à produção de conteúdo. Existem muitas ferramentas ou muitos dispositivos tecnológicos (hardwares), porém poucos conteúdos produzidos.

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O uso de tablets em salas de aulas é alardeado há pelos menos quatro anos, mas ainda não deslanchou, nem tampouco substituiu os livros de papel. Entre os empecilhos estão a falta de um conteúdo curricular digital adequado, resistência dos professores e custo elevado. Porém, esse cenário começa a mudar. Isso porque o MEC promete distribuir neste ano, pela primeira vez, quase 500 mil tablets e ao mesmo tempo passou a exigir que as editoras participantes dos programas de livros didáticos para escolas públicas produzam também conteúdo digital (VALOR ECONÔMICO/TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2014, on- line).

A oferta do MEC no Edital CGPLI 01/2013 da possibilidade das editoras ofertarem livros digitais marca um movimento propício para as editoras produzirem este tipo de conteúdo. Por isso, as regularidades discursivas mostram que a questão não é só governamental e atinge outras esferas, favorecendo o mercado livreiro. Interesses e privilégios podem ser analisados nesta questão dos livros digitais, como fez Cassiano (2013) com o mercado dos livros impressos.

O edital do MEC é visto pela mídia não apenas como uma possibilidade de inserção das escolas às novas tecnologias, mas como um incentivo para a produção de conteúdos digitais. O governo injeta nas editoras motivações para a produção deste tipo de material. É o que mostra a reportagem do portal Último Segundo, IG (2014):

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O desenvolvimento de materiais didáticos digitais não tem acompanhado a criação e a adaptação de ferramentas tecnológicas para as salas de aula. Computadores deram lugar a notebooks, já em substituição por tablets, mas a disponibilidade de conteúdos didáticos não cresce na mesma velocidade, nem aproveita todo o potencial das ferramentas. A carência de materiais adequados a todas essas ferramentas é considerada outro entrave para o aproveitamento total das tecnologias em sala de aula. A constatação, do próprio Ministério da Educação, fez com que o Governo Federal decidisse investir na produção de conteúdos educacionais digitais. (BLACBOARD GRUPO A; ÚLTIMO SEGUNDO IG, 2014, on-line)

“Uma das cobranças atreladas ao UCA foi a produção de conteúdos. Há muita coisa disponível, mas não necessariamente elas estão adequadas para o uso em sala de aula. Isso dá liberdade para o professor criar seus próprios conteúdos, mas o aproveitamento será melhor se ele já tiver isso disponível, porque essa adequação exige muito tempo”, comenta. (BLACBOARD GRUPO A; ÚLTIMO SEGUNDO IG, 2014, on-line

Parece haver uma dicotomia reinante: de um lado, o governo quer comprar; de outro, as editoras não têm o que oferecer. Trata-se de uma dicotomia aparente. Na verdade, o anúncio dos problemas atua como mote para justificar a solicitação de apoio público, de investimento público, seja sob a forma de isenção fiscal, seja sob a forma de apoio à formação de profissionais, etc. A afirmação de entraves e dificuldades, nesses textos da mídia, cumpre a função, por vezes necessária, mas em grande parte enviesada e comprometida com interesses não necessariamente democráticos e públicos, de destacar o que falta ser feito, de apontar os entraves, e de garantir assim mudanças e benefícios que passam por necessários sacrifícios do Estado. Com esta dicotomia aludida, resta ao governo oferecer um incentivo para que as editoras produzam o material adequado ao edital CGPLI 01/2013. Como se sabe dos poucos grupos editoriais aprovados nos editais do MEC, há sentidos interditados e interesses manifestados. Para além da questão mercadológica, barreira esta que é difícil de transpor nos discursos analisados, percebe-se, entretanto, que em uma das matérias, uma voz ecoa para sustentar os interesses educativos e não só mercadológicos. Essa matéria que está no site da Agência Brasil EBC, que é um órgão vinculado ao governo, mostra que o Estado se resguarda no sentido de contrapor as opiniões, para não incorrer numa imposição de fato.

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Mas, segundo uma das autoras do estudo, Fernanda Rosa, as políticas implementadas atualmente na área pública não têm alcançado esse objetivo. “Para avançarmos em nossa capacidade de levantar o impacto das tecnologias na aprendizagem no Brasil, o primeiro passo é ter as ferramentas digitais disponíveis, com condições de uso e conectividade, e com professores capazes de utilizá-las – realidade ainda restrita a poucas escolas”. (NITAHARA, 2015, on-line) Agência Brasil EBC

Simplíssimo (2013) em matéria de análise do Edital do MEC volta a resgatar o sentido sobre o que é um livro digital, referindo-se, entretanto, à questão da produção de conteúdo:

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A grande questão é a seguinte: será que as editoras brasileiras conseguirão produzir livros digitais, que não pareçam meras cópias digitalizadas dos livros impressos? Nos Estados Unidos e em outros lugares, esta é uma das principais queixas dos estudantes (SIMPLÍSSIMO, 2013, on-line).

A fluidez da questão se marca como um movimento incerto e ainda em construção. Os estudiosos dos livros digitais como Procópio (2013), destacam que fazer previsões sobre qual será o futuro dos livros (com os livros digitais) é um tanto difícil e perigoso. O que se sabe é que as formas e funções de utilização do livro e, principalmente, do livro didático, têm se

alterado e que é preciso considerar a efervescência dos dispositivos digitais mesmo que os conteúdos ainda sejam escassos. A categoria temática referente à produção dos conteúdos destaca continuidades e descontinuidades no processo discursivo em questão, que é pautado pela historicidade e pelas condições de produção que regem a produção discursiva dos sujeitos envolvidos. As posições que ocupam não são estanques. Elas mudam e com elas os sentidos também se reestabelecem numa (re)significação dos dizeres que registram o movimento nascente dos livros didáticos digitais.

Como já destacado de que as contradições se estabelecem num processo discursivo, se em outros discursos as questões do conteúdo e da qualidade da educação são apagadas, aqui a preocupação com o conteúdo é um sentido polêmico e em confrontação com a memória e o

arquivo que vêm sendo construídos.

A falta de conteúdos produzidos ou pensados para os livros didáticos digitais ratifica a questão da possibilidade ainda não concretizada. Isso implica também que a questão vai além dos recursos estruturais ou tecnológicos. Esta falta emerge de questões de conhecimentos das práticas e dos estudos pedagógicos, de um “novo” modo de ensinar que precisa aliar a teoria então ensinada com as práticas propostas de aprendizagem. Ao mesmo tempo em que há um movimento crítico às questões mercadológicas, o acontecimento faz movimentar os sujeitos em jogo no processo educativo e com isso promove atualizações e (re)significações não só das práticas educativas, mas dos discursos que circulam (na mídia) sobre ela.