• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO 21 2 A BUSCA PELA COMPREENSÃO DO FENÔMENO SOB A ÓTICA

3 OS DESAFIOS DA COMUNIDADE INTERNACIONAL NA LUTA CONTRA O TERRORISMO

3.2 Os Desafios da Comunidade Internacional para a Garantia de Direitos Humanos no (Anti)Terrorismo

A superação das ações unilaterais no terrorismo tem passado pelo principal organismo internacional que concentra uma política antiterror: a Organização das Nações Unidas – ONU. Esse espaço se apresenta como um “terceiro independente” que conjuga esforços para superar os egoísmos das partes envolvidas nos conflitos terroristas em nome dos interesses internacionais. A ONU vem se traduzindo em um ambiente imparcial que reconhece a forma odiosa e violenta de operar no terrorismo e se mostra preocupada com as reações ao terrorismo promovidas pelos Estados atacados. Uma premissa expressa da ONU em relação à resposta ao terrorismo é a garantia dos direitos humanos. Evidentemente, essa política internacional funciona nos moldes desenvolvidos desde as consequências catastróficas do pós-guerra de

1945. A questão do enfoque dos direitos humanos em relação ao terrorismo é importante porque esses direitos têm a exata função de controlar distorções de instrumentalização do ser humano – como ocorre nos grupos terroristas – como os efeitos das medidas antiterror, como os danos causados pela Guerra ao Terror e os efeitos das ações jurídicas repressivas aos agentes responsáveis por atos terroristas.

Essa estratégia ficou clara, em março de 2005, quando Koffi Annan, então Secretário-Geral da ONU, reafirmou, em Madrid, na Espanha, para o plenário de encerramento da Cúpula Internacional sobre Democracia, Terrorismo e Segurança, que o terrorismo é uma ameaça para todos os Estados, para todos os povos, especialmente por que os agentes terroristas podem atacar a qualquer hora e em qualquer lugar. Naquela oportunidade, afirmou o Secretário-Geral que o terrorismo é um ataque direto aos valores fundamentais que as Nações Unidas representam: o estado de direito; a proteção de civis; respeito mútuo entre pessoas de diferentes religiões e culturas; e resolução pacífica de conflitos. E qual a preocupação? Que o terrorismo não pode ficar sem resposta e que essa resposta não pode comprometer valores fundamentais, em particular, os direitos humanos e o Estado de Direito, pilares que devem ser sempre respeitados. Nos dizeres de Annan, o terrorismo é, por si só, um ataque direto aos direitos humanos e ao Estado de Direito, que não podem ser desrespeitados, sob pena de tornar a vitoriosa a campanha terrorista. Daí a razão pela qual a defesa dos direitos humanos na luta contra o terrorismo foi eleita como um dos cinco pilares da estratégia e da missão das Nações Unidas contra o terrorismo149.

Antes de se adentrar diretamente na questão dicotômica terrorismo-direitos humanos, é preciso fazer, ainda que não exaustiva, uma pequena retomada no sentido da expressão “direitos humanos”. O marco para o reconhecimento dos direitos humanos (Human Rights), registra Barretto, está no relatório da Comissão para as Bases Filosóficas dos Direitos Humanos, pertencente às Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO), cuja comissão foi criada pelos estados integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), logo após a Segunda Grande Guerra, na busca pela fundamentação dos direitos

149 Cfe. UNITED NATIONS. Secretary-General. Secretary-general offers global strategy for

fighting terrorism, in address to Madrid summit. Discurso de Kofi Atta Annan. New York, 10 Mar. 2005. Disponível em: <https://www.un.org/press/en/2005/sgsm9757.doc.htm>. Acesso em:

humanos. Esse relatório acabou servindo de matriz para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como forma de garantir os direitos básicos para uma paz mundial150.

Para John Finnis, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1948, “foi usada como modelo não apenas para o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (1966)”. O argumento de Finnis é que a Declaração Universal dos Direitos Humanos também foi usada como “convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (1952)”, que, depois, serviu como o “próprio modelo para muitas Bills of Rights (Declarações ou Cartas de Direitos) entrincheiradas nas Constituições de países que têm conquistado a independência desde 1957, especialmente dentro da Comunidade (britânica)”151.

O objetivo dos redatores da Declaração Universal de 1948 foi a “esperança evidente de que o reconhecimento explícito dos direitos humanos serviria como uma espécie de molde para novas leis que se promulgaram para legalizar aqueles direitos em todo o mundo”152. No final, o que esses pensadores e escritores da época

cunharam como direitos humanos é resultado de uma dicotomia teórica abalizada por aqueles que buscavam uma fundamentação naturalista para os direitos humanos e, de outro lado, os que sustentavam que esses direitos estavam baseados em “interceptação historicista”153.

Nesse aspecto, se mostra importante registrar a existência de duas posições diferentes frente à geração dos direitos humanos, uma de caráter conservador, de matiz jusnaturalista, e, outra, de linha mais progressista, cuja base é a crítica à visão geracional dos direitos humanos154. Essa última posição “considera que a visão

geracional encerra em si um discurso ideológico, entendido num sentido negativo já

150 BARRETO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. 2. ed. rev. e

ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 33.

151 FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. Tradução Leila Mendes. São Leopoldo: Editora

Unisinos, 2006. p. 207.

152 SEM, Amartya. A ideia de justiça. Tradução Denise Bottmann e Ricardo Doninelli. São Paulo:

Companhia das Letras, 2011. p. 394

153 BARRETO, Op. cit., p. 33.

154 SÁNCHEZ RUBIO, David. Encantos e desencantos dos direitos humanos: emancipações,

libertações e dominações. Tradução Ivone Fernandes Morcilho Lixa e Helena Henkin. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 84.

que mascara e justifica uma dominação social tornando-a ‘natural’ e que normaliza”, sustenta Sánchez Rubio, enquanto que ala mais conservadora

[...] questiona a existência de vários tipos sequenciais de direitos humanos porque defende que há unicamente um conteúdo básico ou um conjunto mínimo de direitos, independentemente dos processos históricos e suas condições sociais de produção155.

Essa inquietude conceitual também é percebida por Piovesan, ao destacar que sempre “se mostrou intensa a polêmica sobre o fundamento e a natureza dos direitos humanos – se não direitos naturais e inatos, direitos positivos, direitos históricos ou, ainda, direitos que derivam de determinado sistema moral”156.

O fato é que os direitos humanos funcionam como um “antídoto” que a humanidade inventou para “neutralizar” a prática de instrumentalização de homens e de mulheres para que outros usem seus semelhantes simplesmente como um recurso para conquistar seus objetivos157. Aqui, retome-se, é exatamente o que

ocorre no processo de operação das organizações terroristas, quando do recrutamento e treinamento das pessoas que são cooptadas para a “causa” terrorista.

Isso é importante pois, como lembra Paine, o homem não se socializou para “se tornar pior do que era antes, nem tampouco para ter menos direitos do que tinha anteriormente, mas para ter esses direitos melhor assegurados”, razão pela qual os direitos naturais do homem “constituem o fundamento de todos seus direitos civis”. Os direitos naturais, continua Paine, “são aqueles que concernem ao homem por força de sua existência”, enquanto que os direitos civis “são aqueles que concernem ao homem por força de ser ele um membro da sociedade”158.

Oportuno lembrar, a fim de não se incorrer em confusão, que os direitos humanos não são sinônimos de direitos fundamentais. O termo “direitos fundamentais” apareceu na França (1770), no movimento político e cultural que conduziu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Foi essa Declaração o marco para definir que “a mera vontade do mais forte não é uma

155 SÁNCHEZ RUBIO, David. Encantos e desencantos dos direitos humanos: emancipações,

libertações e dominações. Tradução Ivone Fernandes Morcilho Lixa e Helena Henkin. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 84.

156 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional. 14 ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2013. p. 181.

157 NINO, Carlos Santiago. Ética e direitos humanos. Tradução Nélio Schneider. São Leopoldo: Ed.

Unisinos, 2011. p. 19-20.

justificativa definitiva para as ações que afetam os interesses vitais de indivíduos e que o mero fato de ser humano basta para reclamar bens que são necessários para uma vida autônoma e dignificada”159.

A maioria da doutrina entende que os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos positivados nas constituições estatais e/ou princípios que resumem a concepção de mundo. Na Alemanha, os direitos fundamentais são concebidos como a síntese das garantias individuais na tradição dos direitos políticos e das exigências sociais derivadas da concepção institucional do direito. Em resumo, considera-se a consolidação dos direitos fundamentais como resultantes das exigências da filosofia dos direitos humanos, com a sua modelação normativa no direito positivo. Para Pérez Luño, os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos positivados nas constituições estatais160. E essa positivação, reforça Perez

Luño, permite a introdução de princípios de validez do ordenamento jurídico161.

Há, por outro lado, quem sustente que a positivação pode ter iniciado um processo de fragilização dos direitos humanos, já que o uso desses direitos de forma genérica pode colocar em risco sua eficácia. Em suas pesquisas sobre os direitos humanos, Barretto aponta para o problema da banalização dos direitos humanos, “em virtude do uso indiscriminado, mais adjetivo do que substantivo, das reivindicações que tornaram essa categoria política e moral, o cerne do estado democrático de direito”, produzindo aquilo que ele intitulou como o “Fetiche dos Direitos Humanos e outros temas”162

Esse também parece ser o sentimento de Amartya Sen, ao sustentar que o [...] grande apelo moral dos direitos humanos tem sido usado para várias finalidades, desde a resistência à tortura, à prisão arbitrária e à discriminação racial até a exigência de eliminar a fome, a miséria e a falta de assistência médica em todo o planeta163.

Não é por acaso que Boaventura de Sousa Santos, em “Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos”, indica uma fragilidade na hegemonia dos direitos

159 NINO, Carlos Santiago. Ética e direitos humanos. Tradução Nélio Schneider. São Leopoldo: Ed.

Unisinos, 2011. p. 20.

160 PEREZ LUÑO, Antonio E. Derechos humanos, estado de derecho y constituición. 9. ed.

Madrid: Tecnos, 2005. p. 32-33.

161 Ibid., 54-55.

162 BARRETO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. 2. ed. rev. e

ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 32.

163 SEM, Amartya. A ideia de justiça. Tradução Denise Bottmann e Ricardo Doninelli. São Paulo:

humanos. Para o autor lusitano, embora a “hegemonia dos direitos humanos com linguagem de dignidade humana seja hoje incontestável”, essa “hegemonia convive com uma realidade perturbadora”, porque a “grande maioria da população mundial não é sujeito de direitos humanos”164. Mais do que isso. Santos destaca que há uma

dicotomia na modernidade ocidental que dividiu de forma abissal o mundo entre duas linhas: sociedades metropolitanas e coloniais. Para o autor português, enquanto discurso emancipatório, os “direitos humanos foram historicamente concebidos para vigorar apenas do lado de cá linha abissal, nas sociedades metropolitanas”. É por isso que Santos defende que esta “linha abissal produz exclusões radicais, longe de ter sido eliminada com o fim do colonialismo histórico”, pois continua funcionando de outras formas, como em relação ao combate ao terrorismo, que vem produzindo um permanente estado de exceção. Isso é fruto de um uso do direito internacional e das doutrinas convencionais dos direitos humanos como garantes dessa continuidade165.

No caso do terrorismo, não é difícil compreender a encruzilhada em que se encontram os direitos humanos, seja em virtude dos ataques odiosos e violentos promovidos pelos grupos terroristas, seja pela resposta empregada pelos países vitimados. Isso fica bem claro nas respostas às ações terroristas, nas quais é possível enxergar, na linha do que sustenta a ONU, uma dificuldade de se respeitar os direitos humanos. Nessa linha, Höffe destaca que “es curioso que la legimitación de los derechos humanos siga planteando graves dificuldades – casi dos siglos después de las primeras declaraciones de estes derechos”166. Conforme Höffe,

essas dificuldades são de ordem (1) política, (2) intercultural, e (3) antropológica. As dificuldades de ordem política começam pelo fato de que uma declaração de direitos humanos pode se transformar em uma mera declaração sem maiores consequências167. No campo intercultural, as dificuldades consistem no fato de que,

apesar de se exigir os direitos humanos a todas as culturas, o discurso sobre eles se desenvolve predominantemente dentro de uma cultura: a ocidental168. Já a terceira

dificuldade com os direitos humanos, antropológica, decorre “de la cuestión de qué queda tras haberse efectuado la separación entre legitimación y génesis, y hecho

164 SANTOS, Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um ativista de direitos humanos. 2. ed. São

Paulo: Cortez, 2014. p. 15.

165 Ibid., p. 16-17.

166 HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural. Tradução Rafael Sevilla. Barcelona: Gedisa, 2008. p. 166. 167 Ibid., p. 166.

abstracción de todas las particularidades de la Edad Moderna”169. Isso porque a

Idade Moderna se ligou a uma determinada imagem do ser humano: uma imagem de uma pessoa como judia, cristã, mulçumana, budista e ateu. Nesse sentido, lembra Höffe que a imagem da pessoa da Idade Moderna europeia é individualista e relativamente carente de história, enquanto que a dos africanos está determinada por uma solidariedade característica170.

Costas Douzinas vai além. Para ele, quando os direitos humanos perdem sua finalidade utópica, coloca-se um fim nos direitos humanos. Os direitos humanos perdem seu fim, refere o autor grego,

[...] quando deixam de ser o discurso e a prática da resistência contra a dominação e opressão públicas e provadas para se transforma em instrumento de política externa das grandes potências do momento, a ‘ética’ de uma missão ‘civilizatória’ contemporânea que espalha o capitalismo e a democracia nos rincões mais escuros do planeta171.

A referência de Douzinas é perfeitamente aplicável à logica de combate ao terrorismo. Isso é evidente, para retomar o argumento de Kofi Annan, quando se emprega uma política antiterror do tipo “os fins justificam os meios”, e, por isso, não se pode aceitar como legítima uma resposta antiterror que não passe pelo Estado de Direito e que não dialogue com o respeito aos direitos humanos. Se assim não for feito, cresce o risco de os direitos humanos serem colocados como um simbolismo.

Embora esse um risco seja real e perceptível, Nino refere que nunca se pode perder de vista que os direitos humanos estão entre as maiores invenções da nossa civilização, podendo ser comparados “ao desenvolvimento dos modernos recursos tecnológicos e sua aplicação à medicina, à comunicação e ao transporte”, além de serem, “em certos sentidos, ‘artificiais’, isto é, que eles, assim como o aeroplano ou o computador, são produtos do engenho humano, mesmo que possam depender de certos fatos ‘naturais’”, e, por fim, ao contrário do que se imagina, “o fato de os direitos humanos serem instrumentos criados por seres humanos não é incompatível com seu significado para a vida social”172.

169 HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural. Tradução Rafael Sevilla. Barcelona: Gedisa, 2008. p. 184-185. 170 Ibid., p. 185.

171 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Tradução Luiza Araújo. São Leopoldo:

Unisinos, 2009. p. 13.

172 NINO, Carlos Santiago. Ética e direitos humanos. Tradução Nélio Schneider. São Leopoldo: Ed.

Mas o que são, então, os direitos humanos? Barretto e Bragatto, na busca pela fundamentação dos direitos humanos, conceituaram tais direitos como “um tipo de direitos morais, segundo a concepção da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, a partir da qual se inaugurou a atual fase universalista desses direitos”. Por essa razão os direitos humanos” diferem dos outros direitos de mesma dimensão por pertencerem a todos os povos em todos os tempos”173.

Isso porque, “os direitos humanos não são manifestações abstratas da inteligência humana, mas encontram-se inseridos na situação histórica de cada cultura”. Nesse sentido, Barreto ensina que quando se fala de uma teoria de direitos humanos, pode-se fazer referência a duas formas de análise: 1) uma “teoria jurídica que analisa o conjunto de tratados, convenções e legislações sobre o tema, bem como a regulação de mecanismos, internacionais e nacionais, garantidores dos direitos fundamentais da pessoa humana”; e, 2) uma “teoria dos direitos humanos que trata, por outro lado, da análise dos fundamentos desses direitos, tema que se torna central no contexto de uma sociedade planetária multicultural”174.

Depois dessa retomada – e aqui não se pretendeu esgotar o tema direitos humanos –, já se pode antecipar uma consideração final de que os direitos humanos sempre existiram e, ao longo do tempo, foram sendo reconhecidos e positivados. Isso pode ser extraído das lições de Norberto Bobbio, quando ele refere que na época em que os direitos humanos eram considerados apenas como direitos naturais, a “única forma de defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência”, e que, com o passar do tempo, quando as Constituições iniciaram o processo de reconhecimento da “proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito natural de resistência transformou-se no direito positivo de promover ação jurídica contra os próprios órgãos do Estado”175.

Embora não seja simples encontrar uma só resposta pronta para um significado dos direitos humanos, prefere-se acompanhar Hannah Arendt que, em “As origens do totalitarismo”, afirma que os direitos humanos não são um dado, mas

173 BARRETO, Vicente de Paulo; BRAGATTO, Fernanda Frizzo. Leituras de filosofia do direito.

Curitiba: Juruá, 2013. p. 257.

174 BARRETO, Vicente de Paulo. Multiculturalismo e direitos humanos: um conflito insolúvel? In:

BALDI, César Augusto (Org.). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 280.

um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e de reconstrução. Essa característica de constante evolução conceitual dos direitos humanos também é destacada por Bobbio, quando ele afirma que, apesar dos esforços dos filósofos, dos juristas e dos políticos de boa vontade, o caminho para o desenvolvimento dos direitos humanos ainda será longo176.

Esses fundamentos até aqui apresentados têm um viés de abordagem dos direitos humanos mais alinhados ao pensamento ocidental. Então, como a questão do terrorismo, invariavelmente, por questões geopolíticas, está umbilicalmente ligada a países não ocidentais, importante trazer uma visão distinta desse primeiro enfoque. No caso do terrorismo, que possui forte relação com o mundo islâmico, interessa compreender como se apresenta a questão dos direitos humanos, por exemplo, no Oriente Médio, já que boa parte dos ataques e dos contra-ataques terroristas envolvem grupos organizados em países dessa região e de maioria mulçumana.

Nesse sentido, Chandra Muzaffar, em seus estudos “Islã e direitos humanos”, destaca que “algumas das principais ideias associadas à democracia e aos direitos humanos estão em harmonia com o pensamento islâmico”177. Segundo esse autor, o

mundo islâmico “corporifica direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos semelhantes àqueles contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos em outras declarações e convenções das Nações Unidas”178. O autor chama a atenção para o fato de que assim “como a

Declaração dos Direitos Humanos, o islã reconhece o direito à formação de uma família, à privacidade, à liberdade de movimento e residência, ao isso do próprio idioma, à prática da própria cultura e à liberdade de religião”179.

Outros direitos sabidamente consagrados no mundo ocidental também são protegidos pelo islã, como é o caso de direitos econômicos, direitos sociais e civis, direitos políticos e o direito à vida, porquanto o Corão também trata de questões que, indubitavelmente, são as mais essenciais para o ser humano. Tanto o Corão quanto a Suna – o caminho trilhado pelo Profeta – “desenvolvem um conceito

176 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2004. p. 44.

177 MUZAFFAR, Chandra. Islã e os direitos humanos. In: BALDI, César Augusto (Org.). Direitos

humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 309.

178 Ibid., p. 312.. 179 Ibid., p. 313.

verdadeiramente universal de dignidade humana”, sendo que o “próprio Corão dá muita importância à dignidade humana, uma vez que declara que a dignidade, expressa na linguagem mais ampla possível, é o direito natural de cada ser humano”180.

Veja-se que existe uma base de fundamentos que permite uma abrangência supracontinental dos direitos humanos. Logo, é possível falar em direitos humanos também no Oriente, o que viabiliza uma resposta ao terrorismo que observe essa conquista histórica da humanidade, independentemente de ser no Ocidente ou no Oriente-Médio.

Então, um segundo marco para se traçar uma estratégia antiterrorismo é orientar essa reação a partir da salvaguarda dos direitos humanos. Essa lógica é