• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO 21 2 A BUSCA PELA COMPREENSÃO DO FENÔMENO SOB A ÓTICA

2 A BUSCA PELA COMPREENSÃO DO FENÔMENO SOB A ÓTICA SOCIOLÓGICA

2.4 O Entrecruzamento da Religião com o Terrorismo: o fundamentalismo religioso

A associação da imagem do terrorismo à religião, sobretudo o islamismo é indissociável. Aliás, o fundamentalismo islã é tido como o principal motivo para o resultado do atentado de 11 de setembro de 2001.

Essa relação dicotômica (islamismo-terrorismo) advém de um processo de justificação da violência no islamismo – jihad armada –, em virtude do surgimento de correntes radicalizadas que justificam o emprego da violência e, especificamente, ações que podem ser qualificadas de terrorismo, em sua maioria planejadas e executadas pela Al-Qaeda e por seus seguidores. Contudo, é necessário investigar em que medida o terrorismo está fundado em preceitos do islã e se ele opera realmente a partir de fundamentos islâmico.

Quando se emprega o sentido “fundamental” de uma religião, destaca Boff, normalmente se remete a uma leitura originária, principal, quase em um sentido de pureza. Foi assim no protestantismo norte-americano, entre os Pilgrims, expulsos da Holanda e da Inglaterra, em 1620, por reclamarem por uma reforma no cristianismo, a exemplo da série Fundamentals: a testimony of the truth, publicadas por pastores, entre 1890 e 1915, cujo objeto era a abordagem de pontos fundamentais para a fé cristã em oposição ao liberalismo. No último caso, os Fundamentals “apresentavam a proposta de um cristianismo rigoroso, ortodoxo e dogmático, que servia de orientação aos fiéis diante da avalanche de secularização e modernização que invadia toda a sociedade norte-americana”112.

Em relação ao fundamentalismo protestante, Boff lembra que aí está presente uma vertente de interpretação bíblia “ao pé da letra”, na medida em “que cada palavra, cada sílaba e cada vírgula, dizem os fundamentalistas, é inspirada por Deus”, e, como “Deus não pode errar, então tudo na Bíblia é verdadeiro e sem qualquer erro”113.

Já o fundamentalismo católico, como refere Boff, tem “raízes profundas e muito antigas” e apoiava-se na “convicção de ser o único portador da verdade absoluta”, julgando-se no “direito e no dever de levar esta verdade para todo o

112 BOFF, Leonardo. Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz: desafios para o século XXI.

Petrópolis: Vozes, 2009. p. 9-10.

mundo, porque todos os demais estão privados dela e são vítimas das artimanhas do satanás”. O fundamentalismo católico, antes “apoiado pelos poderes políticos e religiosos, pelas armas e pelo comércio”, perdeu forças na Igreja, mas, hoje, “há dentro do catolicismo setores que prolongam, embora de forma mais sutil, o antigo fundamentalismo, disfarçado sob os nomes de restauração e de integrismo”, que estabeleceu como “inimigo” a modernidade, “com suas liberdades, sua independência face ao poder religioso e seu processo de secularização”. Boff consegue extrair uma característica do fundamentalismo católico comum às demais formas de preceitos fundamentalistas: uma cegueira para a mensagem central. Isso significa dizer que o fundamentalismo subverte a ordem de que as normas e as doutrinas possuem o sentido principal de servir à vida e de preservar a espécie humana114.

Agora já chegando ao espaço que liga a religião ao terrorismo, ingressa-se na discussão sobre o fundamentalismo islâmico, que assume razoável protagonização, para não falar em essência, na organização e na operação dos principais grupos terroristas.

O islamismo é uma religião monoteísta, criada por Maomé, Profeta Árabe. As pessoas que seguem o islamismo são mulçumanas e têm o Alcorão115 como livro

sagrado do Islã. O islamismo116 é a religião que mais cresce no mundo e estima-se

mais de 1 (um) bilhão de adeptos. O Islã foi a “última grande religião a surgir e nasceu no século VII – Maomé nasceu por volta de 570 e morreu em 632 de nossa era – estendendo-se do Marrocos até a Indonésia, incluindo a Turquia, partes da África Negra, da Rússia e da China”117.

A religião islã é composta por Sunitas e Xiitas, que totaliza quase a integralidade dos mulçumanos. Os Xiitas são seguidores de Ali, primo e genro de

114 BOFF, Leonardo. Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz: desafios para o século XXI.

Petrópolis: Vozes, 2009. p. 15-22.

115 O Alcorão (Coran significa ler, recitar, e por isso a palavra deve ser sempre lida em voz alta) é

considerado como a revelação verbal e última dada por Deus, em árabe, ao seu povo. Ele é até mais importante que seu intermediário, o Profeta Maomé, que recebeu sua mensagem através do anjo Gabriel. Se os cristãos professam que Deus fez o homem, os mulçumanos dizem que Deus se fez livro. O alcorão se divide em 114 capítulos (suras), distribuídos em duas grandes partes que correspondem às duas fases de atuação do Profeta: a fase de Meca (610-622) e a fase de Medina (622-632). Ibid., p. 25.

116 O islamismo é sustentado por cinco pilares: a) oração ritual, cinco vezes ao dia, feita na direção de

Meca; b) peregrinação à Meca uma vez na vida; c) Jejuar do nascer ao por do sol durante o Ramadã, o nono mês lunar; d) dar esmola como forma de partilha e de agradecimento a Deus, doador de todos os bens; e) professar que Alá é o único Deus e Maomé o seu Profeta”. Ibid., p. 24.

Maomé, e o consideram como o legítimo sucessor do Profeta (Califa), sob o fundamento de que o legítimo representante do Profeta deve ser alguém de sua família. Os eixos básicos da teologia Xiita são: a) o martírio de seus líderes; b) a memória autêntica do Profeta; c) o papel espiritual do imam, líder da comunidade. Os Xiitas possuem uma hierárquica clerical e seguem liturgia mais mística, valorizando seus santos, que, para eles, são considerados como “imãs”. A concentração dos Xiitas, que são minoria, está mais fortemente no Afeganistão e no Irã. Por outro lado, os Sunitas entendem que a liderança do islamismo não é de caráter hereditário e a liderança independe de pertença à genealogia de Maomé. Além disso, os Sunitas defendem que são legítimos sucessores de Maomé os quatro califas que dividiram o poder após a morte do Profeta, rejeitando personificações e seguindo um culto mais puritano. Os Sunitas compõem a maioria do Islã e sua concentração é maior na Indonésia, no Paquistão e no Iraque. É dessa vertente que se alinha o Estado Islâmico no Iraque e no Levante (EIL), grupo terrorista dissidente da Al-Qaeda orientado pelo objetivo de criação de um califado islâmico118.

O fundamentalismo islâmico teve como ponto de partida os anos oitenta, quando uma corrente neofundamentalista constatou que a “entrada de valores ocidentais e a pressão imperialista das grandes potências ocidentais sobre os Estados árabes por causa do petróleo desestruturaram a cultura mulçumana e a afastaram dos ideais corânicos”119. Essa visão de islamização da sociedade e de seus costumes, como ponto de partida para a criação de um Estado regido pelo Corão pode ser vista, por exemplo, no Boko Haran, no Taleban e no Estado Islâmico e do Levante do Iraque, que trazem nas suas operações uma carga de ódio ao ocidente e pretendem fazer valer a Sharia. E evidente que esse ódio pelo ocidente e se mistura com ideais políticos e se soma para forma uma jihad violenta promovida pelos principais grupos terroristas.

Esse processo de violência vem desde o século VII ao XII, quando se deu a expansão do Islã, com a ocupação de espaços considerados sagrados para os cristãos, como “a Terra Santa e os territórios evangelizados por São Paulo, a Ásia Menor e as igrejas pastoreadas por Santo Agostinho e São Cipriano, no Norte da África, chegando até a Espanha”. Ainda no século XII, e até o século XIV, “houve a

118 BOFF, Leonardo. Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz: desafios para o século XXI.

Petrópolis: Vozes, 2009. p. 25-27.

contraofensiva cristã através das Cruzadas, colimando com a expulsão dos mulçumanos da Espanha, em 1942”. Em seguida – Sec. XV a XVI –, veio “a resposta mulçumana com a conquista de Constantinopla (1453), a ocupação dos Bálcãs e ameaça sobre a Europa, contida na Polônia”. Nos séculos “XIX e XX as potências revidaram, dominando e colonizando os principais territórios islâmicos na África, Oriente Médio e Extremo Oriente, usando de violência militar, exploração econômica e imposição cultural e religiosa”. Depois, com o avanço da modernização ocidental, do liberalismo e da secularização, houve o aprofundamento pelo Ocidente das “ricas bacias petrolíferas situadas nos territórios mulçumanos do Oriente Médio”, quando se estabeleceu um ódio recíproco, em que os “ocidentais tendem a ver nos mulçumanos as figuras do fanático religioso e do terrorista” e os “mulçumanos tendem a ver nos ocidentais os ateus práticos, os materialistas e os secularistas ímpios”120. Daí foi um passo para as ocupações militares dos territórios árabes com bacias petrolíferas e o estabelecimento de um processo violento terrorista de ataques e revides intermináveis.

Contudo, como já se antecipou nesta pesquisa, não se pode creditar os atos terroristas nem a formação dos grupos terroristas apenas ao islamismo. Tal associação ocorre em razão da forte ligação da política com a religião islã e pelo fato de os principais grupos terroristas professarem uma versão fundamentalista do islamismo.

O fato é que “boa parte das figuras e organizações que têm sido apresentadas ao longo dos últimos anos como ‘representativas’ do universo mulçumano são qualquer coisa se queira, menos autênticos porta-vozes do islã”, como foi, por exemplo, de “Osama Bin Laden e da Al-Qaeda, de Sadan Hussein e do partido Baath, do aiatolá Khomeini e da ‘revolução islâmica’, dos talibãs e de tantos outros”121.

A associação errônea do terrorismo ao islã distorce o sentido dessa religião e até os seus conceitos básicos, como é o caso, para ficar apenas nesse exemplo, do significado de jihad. Para o Islã, jihad quer dizer “esforço sagrado”, mas, normalmente, lido como “guerra santa”. O jihad passou a ser associado ao terrorismo em razão da influência dos líderes terroristas no islamismo, que se valem

120 BOFF, Leonardo. Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz: desafios para o século XXI.

Petrópolis: Vozes, 2009. p. 29-30.

dos ensinamentos do Corão para estabelecer uma leitura fundamentalista do islã, como foi o caso de Osama Bin Laden, que, durante seus estudos na Universidade Rei Abdullah Aziz, foi “fortemente influenciado pela ideologia exclusiva dos Irmãos Mulçumanos, organização fundamentalista militante estabelecida em 1928”, que contrapôs as lições do Corão e pregava a jihad “contra os ‘povo do Livro’, isto é, cristão e judeus, numa clara demonstração de heterodoxia”122.

Diferentemente do que se imagina, Azevedo lembra que as “Escrituras islâmicas, tanto quanto na sua tradição ao longo dos séculos, têm condenado enfaticamente o fanatismo religioso, a intolerância e todo tipo de agressão gratuita”, pois, para o “islã tradicional, a intolerância religiosa é uma forma de aberração”123.

O fundamentalismo termina por se mostrar em uma versão intolerante e extremista do islã – e de outras religiões –, alimentado por um “aguçamento das tensões entre distintas culturas, em razão de divisões e mal-entendidos cuja origem está na compreensão superficial e ‘militante’, formalista e xenófoba, das diferentes perspectivas religiosas”, arremata Azevedo124.

Parte dessa associação do islã ao terrorismo pode ser compreendida em razão da forte ligação do islã com a política, ou, para assim dizer, por que a política faz parte do islã, como elemento co-originário. Daí a facilidade com que os grupos fundamentalistas se valem do islamismo para promover suas ideologias, como é o caso do Talibã, que emergiu no Afeganistão e no Paquistão, em 1996, e notabilizou- se pela dedicação à Lei Islâmica (Sharia). Também o Boko Haram, fundado em 2002, que prega a implantação de um modelo de educação islâmica, razão pela qual seu significado é “Educação não islã é pecado” ou “Educação ocidental é pecado”.

Essa desvirtuação dos dogmas islâmicos pelo fundamentalismo acaba por produzir uma visão extremista, intolerante e xenófoba dos grupos terroristas na promoção da violência e, por consequência, terminam por criar no imaginário da maioria dos não-islâmicos a ideia de que todo mulçumano é terrorista, nascendo um processo de inúmeros reflexos negativos para o povo mulçumano, como discriminação, barreiras (i)migratórias, sanções econômicas, além de perdas patrimoniais, sofrimentos físicos e psicológicos decorrentes das ações antiterror.

122 AZEVEDO, Mateus Soares de. Homens de um livro só: o fundamentalismo no islã, no

cristianismo e no pensamento moderno. Rio de Janeiro: Nova Era, 2008. p. 27.

123 Ibid., p. 31. 124 Ibid., p. 33.

Como visto, ao longo deste primeiro capítulo, procurou-se partir da análise do terrorismo como um fenômeno social, buscando compreender o que é o terrorismo, sua forma de atuação e finalidade. Em seguida, se investigou como o terrorismo expressa sua mensagem de ódio, que alimenta e se difunde para instrumentalizar o ser humano como meio de disseminar a violência. Por fim, buscou-se evidenciar que tal processo de ódio, inevitavelmente, se entrecruza com a religião islâmica, no seu braço fundamentalista, que se impregna no seio das organizações mais radicais extremistas e opera a partir de preceitos religiosos com finalidade de praticar atos violentos.

Até aí, tudo se resume ao campo social. Mas, a partir de um momento, o terrorismo passa a ingressar no campo jurídico, uma vez que, pela dimensão dos ataques, há um desafio comum a quase todos os Estados de Direito, que se traduz na necessidade de prevenir e de reprimir o terrorismo, notadamente, pela intervenção em determinado espaço-tempo com o objetivo de reagir a tais ações. É nesse momento que o terrorismo ganha relevo na Comunidade Internacional. Por isso, busca-se investigar como o terrorismo vem sendo prevenido e reprimido, por cada Estado e pela Comunidade Internacional, discussão que norteará o próximo capítulo.

3 OS DESAFIOS DA COMUNIDADE INTERNACIONAL NA LUTA CONTRA O