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1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA PROBLEMÁTICA DAS PROFISSÕES

1.4 Evolução Histórica da Profissão de Intérprete de Língua Gestual

1.4.2 Desafios inerentes à profissão

Como em qualquer profissão, existem desafios inerentes à profissão de intérprete e, visto que é uma atividade recente, os obstáculos sobressaem. O recrutamento de intérpretes constitui o principal problema nesta atividade, ou seja, a maioria dos profissionais da área opta por enveredar por um lugar nas escolas de referência, a que acedem através de um concurso público nacional, o que representa para os profissionais uma situação profissional mais estável. Este processo de recrutamento e seleção assenta numa entrevista e na entrega de um portfólio. Mesmo que os profissionais já tenham trabalhado na mesma escola em anos anteriores o processo é sempre o mesmo todos os anos (Sousa, 2015).

Um outro aspeto a ter em conta é a colocação, já que na maioria das escolas são colocados, no máximo, três intérpretes responsáveis por diversas áreas e diversos níveis de escolaridade, obrigando a que o intérprete se adapte rapidamente às disciplinas, às áreas e às situações dos alunos num curto espaço de tempo. Os intérpretes nunca são colocados no início do ano letivo e, por isso, muitas das vezes não têm tempo para se preparem quer a nível físico quer a nível emocional. É importante referir que os intérpretes preferem as escolas devido ao facto de serem os únicos locais a oferecer um vínculo contratual que oferece a estes profissionais alguma

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estabilidade e segurança quer a nível pessoal e profissional, quer a nível financeiro (Pereira, 2011).

Relativamente à progressão na carreira, um profissional desta área, quer trabalhe em escolas, televisão, associações ou até mesmo por iniciativa própria, não tem qualquer evolução na carreira, ou seja, mantem o mesmo estatuto durante anos, e mesmo que possuam mais qualificações académicas ou elevado nível de experiência profissional, nenhum destes fatores altera a situação profissional de um intérprete.

Sousa (2015:90) enumera os principais desafios que se colocam aos intérpretes em contexto educacional, tais como:

- A profissão, isto é, a falta de apoio, incentivo e valorização do trabalho do intérprete; - A inexistência de vocábulos gestuais para o vocabulário utilizado, o que dificulta o trabalho do intérprete na transmissão dos conteúdos escolares;

- O domínio gestual, uma vez que o domínio da língua gestual varia entre as pessoas surdas, o que constitui uma dificuldade acrescida para o trabalho do intérprete de língua gestual;

- O desconhecimento, por parte da comunidade educativa, das funções do intérprete, o que pode criar situações constrangedoras para ambos;

- A escassez de recursos visuais, uma vez que estes são os mais apelativos para a pessoa surda;

- A ausência de competências na língua portuguesa por parte da pessoa surda.

Quanto aos profissionais que trabalham em contextos fora do ambiente escolar, vêem-se obrigados a recorrer a recibos verdes e mesmo que efetuem os seus serviços durante anos na mesma instituição nunca lhes é oferecido um contrato de trabalho (Sousa, 2015). Portanto, estes profissionais enfrentam cada vez mais obstáculos no exercício da sua profissão pela instabilidade contratual, o que leva à precaridade profissional uma vez que as escolas são o único contexto que possibilita a contratação destes profissionais numa base mais estável (Pereira, 2011).

Um outro desafio é a aplicação do Código de Ética e Deontologia durante o seu desempenho profissional na área de ensino. O intérprete terá que satisfazer as necessidades dos destinatários da sua atuação, que são os alunos surdos e em algumas situações docentes igualmente surdos, sem descuidar a aplicação do código o que muitas das vezes torna o exercício da profissão num desafio constante, sem deixar de mencionar que em algumas situações é necessário contradizer o código para o bem dos alunos (Sousa, 2015).

Existem situações em que o trabalho do intérprete é posto em causa, impedindo ou destabilizando o sucesso do seu trabalho, visto que em algumas das situações o orador utiliza uma linguagem durante o seu discurso que poderá não ser percetível ou não dominar o assunto o que dificulta o intérprete a tradução causando insegurança, que muitas das vezes é-lhe atribuído culpa quando de facto foi o orador que não consegui exprimir de forma mais clara a

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sua mensagem provocando constrangimentos para este profissional, que quem assiste não coloca em dúvida a posição do orador (Pereira, 2011). Um outro contexto de tradução que poderá causar mais desconforto, quer para o intérprete quer para a pessoa surda, são situações de foro íntimo e privado como por exemplo uma consulta médica ou com um advogado, que nestes casos terá de cumprir o princípio da confidencialidade pressuposto na legislação (Pereira, 2011).

Dean e Pollard (2005 cit in Sousa, 2015) afirmam que a língua gestual faz a sua interpretação com base no julgamento daquilo que o orador pretende dizer, e consideram simultaneamente os enunciados, o que está a acontecer, os objetivos e as circunstâncias do momento bem como outros fatores que possam estar relacionados com as ideias do cliente. Se tudo isto resulta de uma interpretação correta ou não, será outra questão. Para os autores, os intérpretes, sendo humanos, podem entender a mensagem de forma errada e defendem que para que tal não aconteça estes profissionais deveriam receber informações extras para auxiliar na compreensão, exercendo assim uma tradução e interpretação mais adequada.

Pereira (2008 cit in Sousa, 2015) considera que a mera presença de um intérprete de língua gestual não garante que o processo de acessibilidade alcance a meta de um tradução perfecionista, pois é necessário ter em conta que um ato tradutório ocorre entre pessoas e não somente entre línguas como geralmente se pensa.

Um outro desafio recorrente nesta profissão é a ausência de formação. Enquanto outras profissões possuem entidades que fornecem essa atualização necessária à profissão, no caso dos intérpretes é inexistente. A pouca formação dada é realizada pelos colegas com pouca mais experiência prática do que aqueles que a frequentam, ou seja, quase toda a formação dada é feita pelos colegas de profissão que possuem na prática os mesmos conhecimentos que aqueles que fornecem a formação. A atualização dos conhecimentos não é realizada com frequência e, por isso, os intérpretes apoiam-se uns aos outros para poderem fazer o seu trabalho de forma adequada. É comum, nos intérpretes, que alguns dos gestos realizados sejam do conhecimento de todos ou então que o mesmo gesto seja aplicado por todos de formas diferentes, porque, devido a falta de formação, não existem formas corretas ou incorretas de executar um gesto, existem apenas estratégias por parte dos intérpretes de modo a que chegue a informação de forma mais eficaz.

Em forma de síntese, podemos considerar que os obstáculos inerentes à profissão estão associados, na maioria das vezes, à precariedade a nível contratual, à ausência de vocábulos correspondentes em ambas as línguas, à relação contraditória com o Código de Ética e ao desconhecimento por parte da sociedade de como definir e compreender a importância deste profissional em ambas as comunidades, o que causa dificuldades na sua afirmação e no seu reconhecimento tendo em conta o carácter essencial que é o serviço deste profissional para a concretização dos direitos humanos da pessoa surda.

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