• Nenhum resultado encontrado

3. O EU-REPÓRTER: O JORNAL FRENTE AO CIDADÃO-REPÓRTER

3.2. Desafios às instituições de mídia

Ao se pensar na produção aberta de notícias, e sua potencialidade de oferecer uma pluralidade de quadros de mundos, uma das críticas mais pertinentes ao jornalismo tradicional é o caráter homogêneo da informação controlada por algumas poucas empresas jornalísticas. Bourdieu (1997) defende a opinião quanto à homogeneidade dos produtos jornalísticos

afirmando que “as diferenças mais evidentes, ligadas sobretudo à coloração política dos

jornais [...], ocultam semelhanças profundas, ligadas em especial às restrições impostas pelas fontes e por toda uma série de mecanismos dos quais o mais importante é a lógica da concorrência” (BOURDIEU, 1997, p. 31). No entanto, o que em uma lógica de mercado liberal favoreceria a diversificação, acaba gerando uma homogeneidade dos produtos jornalísticos.

72 Diz-se sempre, em nome do credo liberal, que o monopólio uniformiza e que a concorrência diversifica. Nada tenho, evidentemente, contra a concorrência, mas observo apenas que, quando ela exerce entre jornalistas ou jornais que estão sujeitos às mesmas restrições, às mesmas pesquisas de opinião, aos mesmos anunciantes [...], ela homogeneíza. (BOURDIEU, 1997, p. 31).

Rovai (2007) faz críticas a um jornalismo marcado pela grande concentração midiática, no qual “os quatro conglomerados [Abril, Organizações Globo, grupo O Estado de S. Paulo e grupo Folha], mesmo concorrentes, repercutem as notícias uns dos outros”,

formando um “círculo midiático de poder”, e alerta que “métodos questionáveis no fazer

jornalístico” podem fazer com que a imprensa como instituição “seja completamente

desmoralizada e destituída de credibilidade”.

Utilizando exemplos do noticiário político, o autor questiona o jornalismo baseado em suspeitas, adoção de pesos diferentes de acordo com a filiação partidária, manipulação de

falas fora do contexto, o jornalismo acusatório e “torcedor”27

, abuso de fontes em off 28, e criminalização da esquerda, ponderando que, embora a defesa da liberdade de imprensa seja

imprescindível, “discutir mecanismos para impedir que maus empresários de comunicação e

jornalistas irresponsáveis procedam da forma que melhor lhes convier é tão imprescindível quanto” (ROVAI, 2007, p. 132).

Neste cenário no qual vê sua credibilidade e representatividade contestadas, as empresas jornalísticas apostam em práticas que inauguram um novo tipo de interação com o público, como no caso do jornalismo cívico ou comunitário, sobre o qual Lattman-Weltman (2007), ao analisar o telejornal local RJTV da Rede Globo, afirma que “a proposta de efetivação de um jornalismo dito „cívico‟ ou „comunitário‟ é perfeitamente congruente e

oportuna num contexto de suposta crise de representação”. Acreditamos que as práticas

relacionadas ao conceito de Web 2.0, como o Eu-Repórter, também se enquadram em uma

tentativa de legitimação institucional através do “pioneirismo” – como ressaltou a editora

Nívia Carvalho em entrevista – em abrir um canal para receber matérias dos leitores.

27

Rovai (2007) alega que é cada vez mais difícil identificar o que é informação e o que é torcida do noticiário político, tamanho o nível de editorialização.

28

O off-the-record é uma informação confidencial dada ao jornalista com o compromisso de não ser publicada e, se o for, não identificar quem fez a declaração. (ERBOLATO, Mario L. Dicionário de propaganda e jornalismo. São Paulo: Papirus, 1985).

73 Além do surgimento de novas práticas no jornalismo, como a produção aberta à participação do leitor, as novas tecnologias também trouxeram os desafios representados por um novo modelo do negócio da informação. A questão mais premente parece ser como gerar receita com o conteúdo digital, pois há uma cultura de que a informação na internet deve ser livre, e os leitores não parecem muito dispostos a pagar para acessar informações on-line.

Sobre a experiência da mídia dos Estados Unidos, Cruz (2011) fala de “centavos digitais em troca de dólares impressos”, já que “não é possível recuperar a perda de publicidade impressa com a venda de anúncios online”.

O desenvolvimento de novos equipamentos de acesso a conteúdo, como os tablets e os telefones celulares smartphones, também desafiam a capacidade de resposta dos meios de comunicação, já que criam uma demanda e concorrência pela produção de conteúdo adequado a essas plataformas. Com experiências que datam desde o final dos anos 1990, os e-readers caminham em busca de uma leitura tão confortável quanto a no papel, e a disseminação de equipamentos como o Kindle e o iPad29 estimulam os veículos de comunicação a produzir conteúdo voltado para esses devices.

Em meio a essa onda de consumo, emergem, desde o final dos anos 90, experiências para adoção do livro eletrônico (electronical book ou e-book) e, concomitantemente, tentativas para adoção do jornal eletrônico. Com tela flexível (electronic reader ou e-reader), que permite dobrá-lo ou enrolá-lo como o jornal impresso, os testes pioneiros foram abortados, por falta de comodidade das telas portáteis, à época pesadas e de difícil manuseio. Agora, com o papel eletrônico, os e-readers estão mais leves, e os diários digitais prometem revolucionar o jornalismo. (TARGINO, 2009, p. 50).

Ainda é cedo para dizer se os jornais digitais vão revolucionar o jornalismo, mas, no Brasil, já houve uma grande mudança neste sentido envolvendo um tradicional veículo de comunicação: o Jornal do Brasil, tradicional diário brasileiro, anunciou em editorial de 1º de

setembro de 2010 o fim de sua versão impressa para apostar no conteúdo digital, “com

29

O Kindle é o dispositivo de leitura da empresa Amazon e é baseado na tecnologia do papel eletrônico (ou tinta eletrônica), que busca imitar o papel convencional com tela que não emite luz, e sim a reflete, como no caso do papel comum. O iPad é um tablet da empresa Apple que foi responsável por popularizar esse tipo de aparelho, além de leitura, permite visualização de fotos, vídeos, entre outros. (WIKIPEDIA. Disponível em www.wikipedia.org. Acesso em 29 mar. 2011).

74

noticiário acessível na internet mediante assinatura paga”, alegando que a iniciativa é um

novo modelo de negócios30.

O primeiro jornal produzido exclusivamente para tablets no Brasil também já existe: o

Brasil247 foi lançado em 14 de março de 2011 e oferece conteúdo gratuito, aberto à

participação dos leitores e que aposta no modelo de anúncios publicitários para gerar receita31. Os veículos de comunicação tradicionais não ignoraram a nova plataforma e, por exemplo, as notícias de O Globo podem ser acessadas através das versões para iPad e Kindle, e na versão

mobile, para telefones celulares, com conteúdo adaptado a essas plataformas, porém não

independente.

Os desafios aos jornais como empresas jornalísticas diante desse contexto são muitos, no entanto, mudanças também afetam o profissional de jornalismo em relação a novas práticas de produção de notícias, em especial quanto à participação do leitor como produtor de informação. Para verificar como o jornalista responde a essas transformações, analisaremos a rotina de tratamento às matérias do Eu-Repórter.