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2. A INTERNET E AS MUDANÇAS NO CENÁRIO JORNALÍSTICO

2.5. Para um jornalismo cidadão

O jornalismo voltado à utilidade social, no qual a função do jornalismo se volta para servir aos interesses dos cidadãos e dar respostas às preocupações dos leitores em temas relativos ao bem-estar social passou a ser conhecido como um “jornalismo cidadão”, no qual a

imprensa assumiria “o papel de mediadora e interventora na sociedade” (ABREU, 2003). Essa

corrente surge nos Estados Unidos sob as formas do public e civic journalism.

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O Wikinews (www.wikinews.org) – Wikinotícias, em português – é o exemplo mais conhecido de produção de notícias em modelo open source.

58 O primeiro [o public journalism] foi uma resposta à perda de leitores da imprensa escrita na concorrência com os canais de televisão, e também uma maneira de impedir o controle, cada vez maior, das máquinas partidárias sobre o debate político na mídia. Esse novo jornalismo pretendia impor uma nova agenda de opinião e se tornar o intérprete dos cidadãos quanto à hierarquia dos problemas e à escolha das soluções pela comunidade. O civic journalism [...] desenvolveu-se a partir dessa experiência, orientado para mobilizar, dar a palavra aos cidadãos comuns e aos responsáveis por associações e comunidades. Baseado na afirmação dos procedimentos democráticos, esse movimento, considerava o confronto de opiniões o motor das escolhas e da deliberação na comunidade e apresentava o jornalista como o animador dessa atividade. (ABREU, 2003).

Para Abreu (2003), “o jornalismo cidadão deve ser entendido como um dos meios de o

jornalista, na atualidade, preencher um papel de ativista político caracterizado pela defesa de valores como rejeição à corrupção, defesa dos direitos dos cidadãos, igualdade no tratamento

e na aplicação das leis etc”.

No modelo de jornalismo cidadão proposto por esse trabalho, colocamos essa função de ativismo em relação a temas políticos e sociais nas mãos do leitor que passa a ser produtor de conteúdo jornalístico, defendendo um jornalismo feito pelo cidadão e para o cidadão como mais adequado para avaliar como o jornalismo aberto trouxe algo novo em relação à produção de notícias, esta mais livre dos filtros institucionais que norteiam as linhas editoriais dos meios de comunicação, para além de uma atuação socialmente responsável do jornalista.

O fato de o leitor participar do noticiário, inclusive com textos próprios, não chega a ser novidade. No século XVII, um jornal francês convidava os leitores a enviar versos para serem publicados no jornal (BRIGGS & BURKE, 2006, p. 76) e, mais contemporaneamente, muitos jornais já tinham seções de atendimento ao público leitor (ABREU, 2003). O que nos interessa é que conteúdo o leitor produzindo, de que forma e como ocorre a publicação, pois conjugar estes três fatores em um novo arranjo é o que configura a nova prática jornalística que denominamos jornalismo cidadão.

Porto (2007) desenvolve o modelo de cidadão interpretante que diz que “indivíduos

não elaboram suas visões apenas a partir de informações, mas também, e de forma mais

importante, a partir de enquadramentos interpretativos”. Dessa forma, o autor defende que “uma pluralidade de enquadramentos alternativos deve estar disponível na esfera pública, particularmente na mídia” (PORTO, 2007, p. 46). No entanto, no mercado midiático, o que se vê é que “os princípios básicos do pluralismo e da diversidade estão sendo abandonados pelos liberais e substituídos por justificativas para situações de oligopolização e homogeneização”

59 (LIMA & MOTTER, 1996, p. 18), o que não favorece o pluralismo de quadros de mundo na mídia, já que, no formato do jornalismo tradicional, os meios de produção jornalística estão nas mãos de algumas poucas grandes empresas de comunicação.

Uma descentralização da informação vai ao encontro da defesa de uma livre circulação

de informações, “fator que inspira e justifica a emergência de experiências com jornalismo participativo” (PRIMO & TRÄSEL, 2006), fomentado pela filosofia hacker22

.

Outra potencialidade importante do jornalismo de produção aberta é “cobrir o vácuo deixado pela mídia tradicional” (PRIMO & TRÄSEL, 2006), dando espaço a informações que

geralmente não despertam o interesse das mídias tradicionais, como no exemplo de um projeto norte-americano:

O weblog H2otown foi criado por uma dona de casa norte-americana em Watertown, subúrbio de Boston. Insatisfeita com o jornal local semanal e a cobertura superficial do Boston Globe, maior veículo de sua área, decidiu publicar notícias sobre eventos, acontecimentos e política da comunidade por si mesma. [...] Reunindo dados do sistema de televisão a cabo comunitária, informativos de organizações civis, outros blogs e jornais das redondezas, bem como participando de eventos locais, entrevistando concidadãos e autoridades locais, como o presidente do conselho do vilarejo, o projeto, que hoje conta com um número maior de colaboradores, consegue suprir o vácuo deixando pela mídia empresarial, para a qual noticiar eventos “menores” em vilarejos é anti-econômico. (PRIMO & TRÄSEL, 2006).

Após essas considerações, propomos um modelo de jornalismo cidadão voltado para as informações que não costumam ser publicadas nos grandes veículos de comunicação, geralmente relativas a temas hiperlocais, de regiões periféricas ou sobre coletivos periféricos, pois vemos uma potencialidade de oferecer um espaço alternativo à cobertura midiática tradicional e entendemos que os recursos necessários para coberturas dos grandes acontecimentos não estão facilmente acessíveis. Entendemos que este modelo prescinde seguir o formato tradicional de redação jornalística, pois o caráter opinativo expressa que aquela construção textual é uma visão de mundo, aquele texto não contingencia o tema, e a construção da notícia em formato de pirâmide invertida é um recurso que busca conferir objetividade e diz respeito a uma rotina de produção que não se aplica em um modelo de

22Gillmor (2005) usa o termo “hacker” para definir pessoas que buscam melhorar produtos que compraram,

entender como as coisas funcionam, independente se são aparelhos ou software, e buscam fazer melhorias ou até mesmo mudar completamente a natureza do produto, compartilhando suas descobertas com outros.

60 jornalismo open source, no qual a produção é aberta a posteriores colaborações. A publicação do tipo open source permite que a notícia seja publicada sem passar por filtros, mas fique aberta a verificações e contribuições de toda a comunidade, aproveitando a inteligência coletiva para melhorar o conteúdo e adequá-lo ao interesse público.

Esse modelo de jornalismo cidadão é encontrado nas iniciativas de jornalismo de produção aberta implementadas pelos veículos de comunicação tradicionais? Analisaremos essa questão através do estudo de caso do Eu-Repórter.

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