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3. O EU-REPÓRTER: O JORNAL FRENTE AO CIDADÃO-REPÓRTER

3.3. O “guardião da porta” no Eu-Repórter

Para analisar a atuação dos jornalistas da equipe do Eu-Repórter sobre os textos enviados pelos leitores, é importante discutir que tipo de jornalismo aberto à participação – de acordo com a terminologia de Foschini e Taddei (2006) já explicitada – define a experiência deste canal.

Segundo o termo de compromisso e as regras de participação disponíveis no site do

Eu-Repórter, este é um veículo de jornalismo participativo. Ao ser indagada sobre a opção do

jornal por autodenominar assim a experiência, a editora Nívia Carvalho não soube precisar as motivações da época, mas considerou um pioneirismo falar sobre o assunto na época da criação do Eu-Repórter (2006) e expressou que considera pouco importante uma discussão sobre a terminologia da prática para o exercício da mesma. Acreditando justamente no contrário, que pensar uma prática dentro de um universo de considerações teóricas ajuda a

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Disponível em http://www.jb.com.br/paginas/editorial

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VASCONCELOS, Izabela. 100% gratuito - Brasil ganha o primeiro jornal exclusivo para iPad. Comunique- se, 14 mai. 2011. Disponível em http://www.comunique-se.com.br. Acesso em 14 mai. 2011.

75 compreendê-la, vamos comparar o jornalismo praticado no Eu-Repórter com o que definimos anteriormente como as formas do jornalismo de produção aberta.

Foschini e Taddei (2006) consideram que o jornalismo participativo é aquele no qual a informação jornalística é formada pelo conjunto da notícia publicada mais comentários ao texto. O Eu-Repórter oferece um espaço para que os leitores comentem e deem notas (de 1 a 5) para as notícias publicadas no canal, porém a participação do leitor na produção jornalística vai além de comentários a uma notícia, já que ele pode enviar seus textos (que os jornalistas do Eu-Repórter denominam “relatos”) para publicação. A forma na qual o texto será publicado é questão a ser discutida. Assim, consideramos que a definição de jornalismo participativo não é a mais adequada para expressar a experiência do objeto de estudo.

Observamos que a definição de jornalismo colaborativo, no qual “mais de uma pessoa

contribuiu para o resultado final do que é publicado” (FOSCHINI & TADDEI, 2006, p. 19)

seria mais adequada para expressar a prática observada no Eu-Repórter. Porém, devido à mudança substancial no tratamento das matérias após a criação da nova editoria que cuida do canal, consideramos que a primeira fase de operação da seção traduzia melhor essa definição, pois – segundo relatos obtidos através de entrevistas com os jornalistas do Eu-Repórter – os textos dos leitores eram aproveitados quase na íntegra, e o profissional de jornalismo atuava mais como coprodutor da notícia, já que acrescentava alguns elementos que complementavam a informação e davam caráter mais noticioso ao texto (como dados mais específicos sobre lugares e pessoas citadas).

A intervenção que ocorre atualmente na publicação das notícias do Eu-Repórter transforma os relatos dos leitores em elementos para a construção da notícia, como dados que são selecionados segundo sua importância sob a lógica do newsmaking e colocando partes dos

textos dos leitores como “fala” na matéria. Além disso, há um trabalho interno de

complementação de dados obrigatório, pois há a recomendação expressa de que todos os textos devem ser apurados – geralmente com fontes oficiais – antes de serem publicados. Assim, além de não ter o domínio sobre decidir o que será ou não publicado – essa faculdade sempre esteve nas mãos dos profissionais de jornalismo, nas duas fases do Eu-Repórter –, a escolha sobre quais dados devem fazer parte daquela notícia não corresponde mais majoritariamente ao leitor. Esse tipo de participação do leitor nos remete ao conceito do

“cidadão-fonte”, “aquele que apenas abastece o noticiário de veículos de comunicação já

76 trabalho jornalístico posterior de apuração e complementação de dados” (MADUREIRA, 2010, p. 53).

Consideramos também que o termo "cidadão-fonte" é mais adequado ao tipo de participante destes ambientes de mídia digital do que "cidadão-repórter", já que o significado de reportagem só pode ser atribuído ao texto que foi produzido pelo jornalista a partir do mote que a ele é conferido pelo usuário/interator [...]. (MADUREIRA, 2010, p. 53).

Segundo o autor, “outra evidência de que nos grandes portais brasileiros o cidadão-

repórter pode ser considerado um „cidadão-fonte‟ é o uso de declarações do colaborador em aspas no decorrer do texto” (MADUREIRA, 2010, p. 86), o que já relatamos ser atualmente um procedimento de construção das notícias do Eu-Repórter.

Assim, consideramos que o tratamento das matérias do Eu-Repórter ainda se alinham ao conceito do gatekeeping, apesar das considerações feitas de que o modelo do gatewatching atenderia melhor às características do consumo de informação na internet. Vemos que os jornalistas do canal estudado não se diferenciam substancialmente dos jornalistas das outras editorias, que coletam os dados que entrarão em suas notícias em um universo de fontes disponíveis, que, no caso do Eu-Repórter, também é formado por textos de leitores. A própria editora responsável pelo canal, em entrevista, ressalta que já existia o jornalismo participativo quando os leitores telefonavam para a redação do jornal a fim de dar alguma informação, e que não se “inventou” nada. Então, fica a questão de qual o papel do veículo de comunicação frente às possibilidades – mudanças quanto ao modelo de cobertura, disseminação e penetração da informação, acesso de atores diferenciados aos meios de produção midiática – que podem surgir com o jornalismo aberto à participação, se sequer a prática é considerada uma nova experiência, tampouco transformadora.