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Desafios na institucionalização da Lei nº 10.639/03 – Possibilidades e

5 A LEI Nº 10.639/03 E SUA COMPREENSÃO NOS DISCURSOS DOS

5.1 Arranjo temático 1 – Questões relativas à Lei nº 10.639/03

5.1.3 Desafios na institucionalização da Lei nº 10.639/03 – Possibilidades e

De acordo com a questão sobre as possibilidades de desenvolvimento do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas pesquisadas, a recorrência nas respostas é para a abertura das escolas à discussão dessa temática – dos onze entrevistados, sete apontam como capacidade natural dessas instituições. Essa abertura está relacionada às suas missões educativas, pois a educação católica reconhece a pluralidade cultural e se apoia no respeito à diferença. Esses valores, conforme já foi informado, fundamentam as propostas pedagógicas das escolas privadas confessionais.

O diferencial indicado pelos entrevistados CP3 e P8 foi o curso de Educação a Distância sobre cultura afro-brasileira oferecido pela Escola 2 a seus alunos do 7º ano como uma oportunidade de desenvolvimento da temática étnico-racial. CP3 salienta a utilização da tecnologia na EaD como mais uma ferramenta pedagógica capaz de motivar os estudantes e ao mesmo tempo facilitar a aprendizagem. P8 pontua outras duas possibilidades de desenvolvimento da lei na Escola 2, quais sejam: o conteúdo de Ensino Religioso, que permite o professor trabalhar com os alunos o tema do fenômeno religioso, possibilitando conhecer as diversas manifestações religiosas, inclusive aquelas com origem na matriz africana, como o candomblé e a umbanda. Ressalta que é possível construir com os estudantes outro olhar mais crítico sobre a diversidade: “traz esse olhar crítico para o aluno que é exatamente o que a lei quer para que haja um respeito à diversidade, haja um respeito a um multiculturalismo que faz esse país tão bonito”. Outro aspecto apresentado como oportunidade por P8 na implementação da lei, se trata da formação continuada. Os entrevistados P8 e P1 chamam a atenção para o potencial do investimento que suas

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respectivas escolas oferecem a seus professores, sendo espaço favorável para tornar seu conteúdo conhecido pelos professores. Na fala da entrevistada P6 já existem capacitações oferecidas pela Escola 2 que tratam do tema da diversidade; por sua vez a entrevistada P7 afirma nesse tempo (quatro anos) em que é professora dessa escola, ainda não houve como tema para formação de professores a temática da diversidade étnico-racial.

Procurou-se identificar por meio dos sujeitos pesquisados de que modo a Lei nº 10.639/03 pode contribuir para o enfrentamento do racismo na sociedade brasileira. Primeiramente todos os entrevistados concordam que sim, essa lei é um instrumento na luta antirracista e explicitam de que maneira pode ser defrontado, seguem algumas indicações:

Dois entrevistados, P1 e CP1, dizem que é necessário que a lei se concretize na mudança comportamental das pessoas por meio do reconhecimento da existência do racismo em nossa sociedade, para tanto é preciso o compromisso individual em erradicar posturas racistas.

Três entrevistadas, P2, P3, P7, apontam para o compromisso das respectivas escolas em que lecionam assumirem a implementação da temática étnico-racial em seu interior, promovendo a discussão com toda a comunidade educativa e também por meio da formação continuada dos professores.

Quatro entrevistados, CP2, CP3, P5 e P6, salientam o aspecto do reconhecimento e valorização étnico-cultural como a principal forma de combate ao racismo, ao passo que P5 e P6 acreditam que os sujeitos serem colocados em relação com a diferença é uma maneira de conhecer outras realidades e assim valorizá-las. Fazer com que a sociedade tome conhecimento da formação do povo brasileiro, isto é, de suas raízes, para CP2 e CP3 esta é a melhor forma de enfrentamento do racismo, pois impacta positivamente o aluno, que em vez de rejeitar a cultura afro-brasileira passará a admirá-la: “Ele saber das origens, ele saber do ponto que foi formado, ele tem uma admiração e não uma rejeição”. P2 acompanha esse mesmo argumento: “Acho que a gente tem que conhecer, tem que valorizar”.

As questões sobre a Lei Federal nº 10.639/03 revelam os desafios no desenvolvimento da temática da diversidade étnico-racial nas escolas, o tema carrega em si as controvérsias e tensões da questão racial brasileira. Outro fator importante a ser considerado se trata das condições reais na implementação de políticas educacionais que em sua maioria chega até as escolas em um processo de decisão em que determinados grupos sociais participam de sua discussão, elaboração, mas uma vez nas escolas atingirão

a todos, inclusive aqueles que por princípios, valores e por suas histórias de vida, até mesmo não concordam com o dispositivo legal que deverão cumprir.

Cabe resgatar posições assinaladas pelos entrevistados quando analisam o sentido de obrigatoriedade da Lei nº 10.639/03 e de sua contribuição no combate ao racismo. A entrevistada P4 afirma que os professores podem criar resistência em trabalhar a temática, inclusive podendo burlar o processo de sua implementação por ser algo determinado pelo Estado, “porque aquilo ainda não tá introjetado na cultura do Brasil ou da cultura da educação escolar e você cria uma resistência pelo fato da imposição”. Ou os docentes não concordam por não terem preparo necessário para lidar com o tema da política pública.

O estranhamento dos professores e das escolas frente a essa legislação em específico pode levá-los a questionarem o porquê de mais um conteúdo a ser trabalhado ou o que esse tema tem a ver com o conteúdo que ministra. Aos alunos a pergunta de para quê mais um material a ser estudado, se já têm tantos e de que forma será cobrado nos exames externos como o ENEM. Como conciliar o cumprimento do conteúdo exigido e acrescentar mais outro? Todas essas questões foram colocadas pelos entrevistados de acordo com a análise anterior e dialogam com Ball e Bowe (1992) apud Mainardes (2006) quando se trata de colocar em prática a política educacional, pois sua (re)interpretação por meio dos professores e demais profissionais da educação é um componente importante no cumprimento de sua obrigatoriedade.

O preceito legal e a realidade educacional, segundo Gomes (2001, p. 89), não caminham juntos, é na dinâmica social, no embate político, enfim, no dia a dia do chão da escola que a lei tenderá a ser legitimada ou não.