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2 CONFORMAÇÃO DO PROBLEMA DA PESQUISA A PARTIR DOS

2.1 Lei nº 10.639/03

A Lei 10.639/03 alterou a LDB nº 9.394/96, ao estabelecer a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas instituições de ensino públicas e privadas. Trata-se de uma de ação afirmativa compreendida no âmbito político, porém não na esfera jurídica, uma vez que ações afirmativas são implantadas por um período de tempo definido. Representa o resultado da luta do movimento negro por valorização, reconhecimento e afirmação de direitos no que diz respeito à educação. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana orientam para a inserção

da educação das relações étnico-raciais nas políticas estaduais e municipais, no sentido de um conjunto de ações afirmativas com o intuito de combater o racismo e as discriminações que atingem o negro. As Diretrizes asseveram:

A Lei 10.639/2003 e, posteriormente, a Lei 11.645/2008, que dá a mesma orientação quanto à temática indígena, não são apenas instrumentos de orientação para o combate à discriminação. São Leis Afirmativas, no sentido de que reconhecem a escola como lugar da formação de cidadãos e afirmam a relevância de a escola promover a necessária valorização das matrizes culturais que fizeram do Brasil o país rico, múltiplo e plural que somos. (BRASIL, 2004, p.7)

Assim, as Diretrizes Curriculares explicitam orientações de âmbito nacional, ao aprofundarem no conteúdo da Lei nº 10.639/03. Dessa forma, estão inseridas em um contexto político e social abrangente, pois fazem parte das “políticas de reparação, reconhecimento e valorização de ações afirmativas” (BRASIL, 2004, p. 11). Sobre o procedimento a ser adotado na política educacional, expressam as diretrizes:

Assim sendo, sistemas de ensino e estabelecimentos de diferentes níveis converterão as demandas dos afro-brasileiros em políticas públicas de Estado ou institucionais, ao tomarem decisões e iniciativas com vistas a reparações, reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à constituição de programas de ações afirmativas, medidas estas coerentes com um projeto de escola, de educação, de formação de cidadãos que explicitamente se esbocem nas relações pedagógicas cotidianas. Medidas que, convém, sejam compartilhadas pelos sistemas de ensino, estabelecimentos, processos de formação de professores, comunidade, professores, alunos e seus pais. (BRASIL, 2004, p. 13)

O texto das Diretrizes Curriculares afirma que cabe ao Estado promover e incentivar as políticas de reparações e adverte para seu papel de protagonista no processo de execução dos programas de ações afirmativas. Embora o documento explicite que essas políticas estão voltadas à educação dos negros para garantir o acesso, a permanência e o sucesso escolar, a valorização do patrimônio histórico-cultural afro- brasileiro não se refere apenas à questão do negro, mas a todo o conjunto da sociedade brasileira, envolvendo em especial o sistema de ensino público e também privado confessional.

Quanto às políticas de reconhecimento, assinalam que as práticas pedagógicas implicam em promover justiça social, na garantia de direitos iguais, quer sejam civis, culturais e econômicos. As Diretrizes Curriculares afirmam a necessidade da constituição de programas de ações afirmativas, ou seja, conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais, voltadas à reparação de

desvantagens de determinado grupo social historicamente excluído e discriminado (BRASIL, 2004, p. 13).

Segundo Gomes (2012, p. 8), a Lei nº 10.639/03 e seus dispositivos legais (Parecer CNE nº 03/04 e Resolução CNE/CP nº 01/04) colocam diante da sociedade brasileira o imperativo de uma mudança que se quer estrutural e também simbólica na perspectiva do reconhecimento da diversidade e desigual distribuição de oportunidades sociais a que estão submetidos determinados segmentos da sociedade. Para a autora a Lei nº 10.639/03:

[...] introduz em uma política de caráter universal, a LDBEN 9394/96,uma ação específica voltada para um segmento da população brasileira com um comprovado histórico de exclusão, de desigualdades, de oportunidades educacionais e que luta pelo respeito à diferença. (GOMES, 2007, p. 106)

A promulgação da Lei nº 10.639/03, embora diga respeito à valorização da cultura afro-brasileira, da participação do negro na construção da sociedade e da necessidade de estabelecer novas bases para a educação das relações étnico-raciais, aponta para que esta seja uma demanda vinculada à sociedade mais abrangente. Se a sociedade deseja vivenciar situações de diminuição das desigualdades sociais, há de se comprometer com uma educação antirracista.

[...] Acredita-se que a superação do racismo e da desigualdade racial possibilitará transformações éticas e solidárias para toda a sociedade e permitirá o efetivo exercício da justiça social e da cidadania que respeite e garanta o direito à diversidade. (GOMES, 2007, p. 102)

Na medida em que a Lei nº 10.639/03 sustenta a necessidade de estabelecer a educação das relações étnico-raciais, novas práticas pedagógicas podem ser experienciadas, de modo a buscar compreender e alterar as relações de dominação e exclusão que se fazem presentes nas relações sociais, capazes de gerarem novo desenho na correlação de forças políticas e econômicas entre os diferentes grupos étnico-raciais.

Como marco regulatório principal da educação das relações étnico-raciais, a Lei nº 10.639/03 está ancorada na Resolução nº1/04, que acatou o Parecer nº 03/04, elaborado pelo Conselho Nacional da educação (CNE), que se fundamentou na Constituição de 1988 e institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

A nova legislação acrescentou dois artigos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que seguem transcritos abaixo:

Art. 26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro- Brasileira.

Parágrafo Primeiro – O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.

Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro- Brasileira serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial, nas áreas Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras.

[...]

Art. 79-B - O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. (BRASIL, 2003, p. 1)

Em 2008, o Ministério da Educação lançou o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, com o objetivo de fortalecer e institucionalizar a adoção da Lei nº 10.639/03 no sistema de ensino. Embora a lei tenha sido promulgada e tenhamos as orientações para sua implementação, associado ao Parecer e a Resolução que a acompanham, não a temos implementada de forma efetiva, conforme demonstra a pesquisa “Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico- raciais na escola na perspectiva da Lei 10.639/2003”(2012), encomendada pela UNESCO/MEC.

Para enfrentar esse desafio, os objetivos específicos do Plano são desenvolver ações estratégicas para a formação de gestores e professores, promover pesquisas e a produção de materiais didáticos sobre a temática, além de construir indicadores para acompanhar a implementação da lei em âmbito municipal, estadual e federal (BRASIL, 2009, p. 17).

Várias críticas são realizadas à Lei nº 10.639/03, daqueles que a consideram válida, mas avaliam que houve diversos vetos à proposta original, por exemplo, a reserva de 10% da carga horária das disciplinas de História do Brasil e Educação Artística para a temática racial; à não inclusão da temática indígena (em 2008 há nova alteração da LDB nº 9.394/96 com a inserção da educação indígena pela Lei nº 11.645/08) e de outros grupos étnicos. Especialistas da educação a consideram impositiva, ferindo o princípio de flexibilização da LDB, já que esta contemplava o princípio da diversidade (NUNES, 2010, p. 71).

A Lei nº 10.639/03, com seus dez anos completos, ainda não foi devidamente implementada em todo o sistema de ensino, tanto público quanto privado. São dificuldades de ordens diversas como: ausência de orçamento público, incluir a temática racial na formação inicial e continuada de professores, estabelecer a revisão dos

currículos, comprometimento da gestão escolar com a inclusão da diversidade étnico- racial no projeto político-pedagógico, adequação das licenciaturas e cursos de Pedagogia, etc. Ainda que diante desse cenário de desafios, a lei não se configura como letra morta, ao contrário, demonstra que a celeuma do racismo necessita de forma imperiosa ser vencida.