Há pelo menos uma década135 se vem falando no Brasil da necessidade da adoção do contraditório como garantia de influência e não-surpresa.
Essa concepção, já arraigada em outros países em face da percepção anterior da importância dos direitos fundamentais no dimensionamento e aplicação do direito processual, somente começou a ganhar maior destaque e efetividade no discurso processual pátrio há poucos anos. Nesses termos, viu-se a necessidade de se aprofundar o estudo sobre direitos fundamentais processuais também em nosso país, notadamente acerca do princípio do contraditório.
O Brasil e os tradicionais sistemas de civil law vêm vivenciando um movimento de convergência com o common law que não pode mais ser considerado aparente, devido à colocação de cada vez mais destaque no uso da jurisprudência como fundamento de prolação de decisões judiciais.
134DERZI, Misabel; BUSTAMANTE, Thomas Rosa. O efeito vinculante e o princípio da motivação das
decisões judiciais: em que sentido pode haver precedentes vinculantes no direito brasileiro?. In: Alexandre
Freire, Bruno Dantas, Dierle Nunes, Fredie Didier Júnior, José Miguel Garcia Medina, Luiz Fux, Luiz Henrique Volpe Camargo e Pedro Miranda de Oliveira. (Org.). Novas Tendências do Processo Civil - Estudos sobre o
Projeto do Novo CPC. 1ed.Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 1, p. 333-362.
135NUNES, Dierle José Coelho. O recurso como possibilidade jurídico-discursiva das garantias do
contraditório e da ampla defesa. (Mestrado em Direito Processual). Pontifícia Universidade Católica de Minas
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Os sistemas jurídicos contemporâneos, devido às suas complexidades, não se apresentam mais como modelos “puros” de aplicação, podendo-se perceber uma tendência mundial de convergência entre os sistemas de common law e civil law. Nesse sentido, países de tradição do civil law, como o Brasil, vêm adotando de modo mais denso em sua prática jurídica, e mesmo no desenho institucional de seus sistemas judiciários, um modelo de aplicação de precedentes como fonte do direito.
Enunciam Dierle Nunes e Rafaela Lacerda136 que:
A aplicação de precedentes vem sendo vista como uma ferramenta essencial para a efetivação do princípio da segurança jurídica, bem como do princípio constitucional da fundamentação racional das decisões judiciais (art. 93, IX, CF), uniformizando a aplicação do direito e contribuindo para a celeridade e eficiência do sistema judicial. Isso porque o precedente (visto como modelo) facilitaria o julgamento de demandas repetitivas e, geralmente, implementaria, a priori, o princípio da igualdade formal entre os jurisdicionados, que, ao promoverem demandas, passariam, em tese, a contar com respostas uniformes por parte do Judiciário.
No entanto, é notável que a experiência de uso de precedentes no sistema judicial brasileiro tem se revelado acentuadamente diferente daquela dos países de tradição do common law. Tanto na doutrina quanto na prática jurídica, percebe-se uma enorme confusão conceitual no processo argumentativo ao se defender a aplicação de “súmulas”, “súmulas vinculantes”, “jurisprudência”, “julgados” e “precedentes”. Pontue-se, ainda, o fato que a doutrina vem perdendo seu papel crítico na própria análise da consistência das decisões proferidas; sendo mais comum a assunção de um papel lamentável de subserviência a tais entendimentos.
Não apenas as partes sofrem com essa confusão, mas os próprios juízes que aplicam precedentes em suas decisões: falta de habilidade de manejo do distinguishing e do overruling e no respeito e continuidade às decisões proferidas pelas Cortes. Nesse contexto, não é incomum que um mesmo órgão jurisdicional profira decisões contraditórias sem tomar o cuidado de harmonizá-las com seu passado institucional.
Surgem, com isso, conflitos sincrônicos, que ocorrem quando a mesma matéria é decidida de modo diferente e concomitantemente ou em pequenos espaços temporais, e conflitos diacrônicos, quando o mesmo tema é decidido de modo diverso ao longo do tempo137.
Chega-se ao absurdo de negar-se por completo o passado de análise do tema no tribunal, atribuindo uma força maior às decisões mais recentes, quando somente a busca do leading case e a reconstrução da cadeia de julgados, mediante uma comparação analítica e com integridade permitiria a aplicação correta.
Quanto à jurisdição de primeiro e segundo graus, o problema se torna ainda
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NUNES, Dierle; LACERDA, Rafaela. Precedentes: primeiras conexões com o princípio do contraditório
como garantia de influência e não surpresa no CPC projetado. Revista Brasileira de Direito Processual -
RBDPro, Belo Horizonte, v. 21, n. 83, jul./set. 2013, p. 31 – 32.
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TARUFFO, Michele. In: HODIUS (Coord.) Precedent and the Law: Reports to the XVIIth Congress International Academy of Comparative Law. Utrech. p, 184.
maior, pois se os julgados das Cortes Superiores encontram-se conflitantes, fica aberto o espaço para sua não aplicação pelas cortes locais, ou para o surgimento de “entendimentos” divergentes, subutilizando a estrutura constitucional do Judiciário brasileiro.
Portanto, nota-se a necessidade de adoção de uma sólida teoria de precedentes, para que o sistema judicial brasileiro possa gozar dos benefícios de previsibilidade, excelência e qualidade na produção de decisões judiciais que países legatários da doutrina do stare decisis gozam, minando problemas de insegurança jurídica e morosidade para os litigantes, em um contexto de amplo acesso à justiça democrático.
É absolutamente necessária a mudança de nosso paradigma de aplicação que se preocupa pouco com a ratio decidendi das demandas e contenta em aplicar mecanicamente os enunciados de súmulas, que parcamente representam o julgado utilizado como base.
4.5 CONEXÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES DO NOVO CÓDIGO DE