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HIPÓTESES DE EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

SUBSTANCIAL

Não se ignora a existência de exceções ao princípio do contraditório (substancial) dentro da sistemática processual civil. Talvez o exemplo mais didático seja a concessão de antecipação de tutela sem a oitiva da parte contrária – inaudita altera parte. Mas, mesmo nesse exemplo, a parte que sofrerá com a antecipação dos efeitos da sentença terá oportunidade de manifestação contrária assim que tomar ciência da determinação judicial, podendo contestar os fundamentos que levaram o juízo à concessão da antecipação, pois o conteúdo mínimo do contraditório foi assegurado.

Mesmo assim, pode surgir uma questão: como conciliar essa possibilidade de se admitir a existência de providências determinadas pelo juiz sem a ciência da parte contrária se a Constituição garante, às partes, o direito ao contraditório material?

A solução ao dilema sugerida por Reis Friede68 é no sentido da hermenêutica constitucional:

É sabido que qualquer interpretação de texto infraconstitucional ordinário – aí incluído, portanto, os de natureza processual – deve, sempre e sempre, buscar harmonização com o texto constitucional [...]. À luz desses princípios, tem-se que a única alternativa plausível capaz de justificar a possibilidade de deferimento liminar de tutela jurisdicional sem a audiência do réu – e, por isso, aparente desrespeito ao princípio constitucional do contraditório – é buscar apoio em outro princípio processual constitucional: o princípio do devido processo legal, constante no art. 5º, LIV, da Constituição da República. Ou seja, se a providência consta expressamente de texto de lei processual; se o juiz observou a lei para atingir os objetivos do processo; se há, em resumo, previsão legal para aquela providência; enfim, se foi observado o rigor processual previsto em lei, então é possível admitir a possibilidade

67 DE AVELAR LAMY, Eduardo. Considerações sobre a Influência dos Valores e Direitos Fundamentais no

Âmbito da Teoria Processual. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 35, n. 69, p. 310. dez. 2014. ISSN 2177-7055. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177- 7055.2014v35n69p301>. Acesso em: novembro de 2015.

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FRIEDE, Roy Reis. Do princípio constitucional do contraditório: vertentes material e formal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 103, n. 946, ago./2014, p. 113 – 125.

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de eventual quebra dos rigores do princípio do contraditório (material). É como se um princípio compensasse o outro, como um e outro se equilibrando reciprocamente. Assim, e desde que há previsão legal para concessão de tutela cautelar liminar sem prévia citação do réu [...] é possível ao juiz aparentemente “violar”, “desobedecer” o princípio do contraditório (em sua vertente material) ao amparo do princípio do devido processo legal, e deferir a medida pretendida pelo autor sem audiência da parte contrária (perfazendo-se um oportuno contraditório formal, a posteriori). Essa argumentação vale para todas as hipóteses em que há possibilidade de antecipação de provimento jurisdicional sem citação do réu. [...] Por isso, toda a vez que houver possibilidade de antecipação de tutela jurisdicional sem citação do réu, é preciso que haja expressa previsão para tanto em texto de lei. E, com isso, estar-se-á prestigiando o princípio do devido processo legal.

Resume Lilian Rodrigues Mano69 que:

Em regra, exatamente pelo alcance do contraditório de possibilitar a influência das partes na formação da decisão judicial, a oportunidade de manifestação deve ser anterior a esta. Assim, apenas excepcionalmente o contraditório pode ser postergado, tal como ocorre da concessão de tutelas de urgência sem prévia oitiva da parte adversa, quando presentes os requisitos necessários para tanto.

Sérgio Gilberto Porto70, em obra coletiva sobre tutelas de urgência, coordenada por Donaldo Armelin, destaca que:

[...] embora esteja a viger com toda a sua plenitude e força a garantia do contraditório, há hipóteses em que, levando em conta o conflito de eventuais prejuízos, poder-ser-á mitiga-lo para diferi-lo no tempo, e isso ocorre exatamente nas hipóteses em que há urgência no deferimento de medidas liminares, em face do risco posto a exame que nada mais é do que o acesso efetivo à justiça, prometido, também, pela própria Constituição (art. 5º, XXXV, CF).

Fica claro, portanto, que mesmo nas excepcionais hipóteses em que a oportunidade do contraditório é relegada para momento posterior à decisão (que, por óbvio, não deve ser a final), não resta afastado o conteúdo da garantia de permitir a reação da parte afetada e a possibilidade de ter seus argumentos considerados, inclusive, para a reversão da medida.

Vale dizer, ainda, que o contraditório se aplica tanto ao processo de conhecimento quanto ao processo de execução. É óbvio que o princípio não se aplica na fase executiva da mesma forma que se aplica na fase cognitiva: na execução o contraditório passa a ser garantido em seu conteúdo mínimo, enquanto que no processo de conhecimento a sua não aplicação em carga máxima faz sucumbir a decisão prolatada. O contraditório no

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MANO, Lilian Rodrigues. A necessária observância do contraditório para a formação de uma decisão

judicial legítima e a proibição de decisão surpresa. Revista Forense. n. 420. p. 456.

70 PORTO, Sérgio Gilberto; ARMELIN, Donaldo (Coord.) As liminares inaudita altera parte e a garantia

constitucional-processual do contraditório. Tutelas de urgência e cautelares. São Paulo: Saraiva, 2010. p.

procedimento executivo é formal, porquanto depende da provocação do executado, que não é chamado a juízo para defender-se, mas sim para cumprir uma obrigação. Não é correto, portanto, dizer que não existe contraditório no procedimento executivo, mas sim que ele é assegurado em sua faceta tradicional.

2.7 O CONTRADITÓRIO SUBSTANCIAL COMO UMA NOVA CULTURA JURÍDICA