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2. ACESSO À INFORMAÇÃO E DEMOCRACIA

3.1 A TRANSPARÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DE POLÍTICAS

3.1.2 Descentralização de Políticas Públicas no Brasil

Superada a definição de políticas públicas, esclarecemos como sua implementação atende à população em um Estado federativo. Nessa perspectiva, há um inexorável processo de descentralização ou, como assevera Palotti (2009, p. 90), “[...] a relação entre descentralização e federalismo é constitutiva, ou seja, os dois elementos são mutuamente

complementares”.

Além de tal característica, o processo de descentralização de políticas públicas brasileiras acaba por se contextualizar num processo de alteração de regime político- econômico. De acordo com Faletti (2006), a partir da década de 1980, contemporaneamente à promulgação da Constituição Federal brasileira, a América Latina vivenciou o início de um período neoliberalista tanto na economia quanto na cultura e na política. Na ocasião, esgotou- se o modelo desenvolvimentista implementado no Brasil 42 . Nesse período o país experimentou um processo inédito de descentralização de políticas públicas (FALETTI, 2006). Corroborando esse entendimento, o autor postula:

A reforma de Estado ocorrida em diversos países no início da década de 90 em grande medida consiste na adoção de estratégias de descentralização, seja entendida como readequação da atuação do papel do Estado na promoção de desenvolvimento econômico e social por meio da produção direta de bens e serviços, seja pela função de regular sua produção pelo mercado ou em parceria com a sociedade civil organizada (PALOTTI, 2009, p. 92).

De acordo com a teoria desenvolvida pelo autor, a descentralização foi concebida como um processo de reformas estatais, levando-se em conta interesses territoriais de políticas nacionais e subnacionais, e acabou por ter seus efeitos sentidos conforme uma dada sequência de dimensões de determinada política a serem descentralizadas (FALETTI, 2006).

Na mesma linha, Palotti (2009, p. 90) argumenta que “[…] regimes políticos federativos introduzem o elemento da autonomia dos entes federados, o que significa dizer que programas de transferência de novas competências sobre a gestão de políticas sociais

42

No Brasil, vários períodos são evidenciados por políticas desenvolvimentistas. Destacamos à época da publicação do texto (fins dos anos 1980) as décadas de 1950, com Juscelino Kubitschek e sua matriz desenvolvimentista, e 1970, sob o regime militar e o investimento em infraestrutura.

devem contar com a anuência dos entes federados subnacionais”. Assim, acaba por se tornar

um processo atravessado por dilemas e tensões, em função das dimensões das políticas a serem descentralizadas. Especificamente no Brasil, como aponta Fleury (2004), tal processo de descentralização adotou a estratégia de fortalecimento do poder local a partir da municipalização das políticas sociais. Este pode ser caracterizado por competências descentralizadas (ABRUCCIO, 2005) ou dimensões de descentralização (FALETTI, 2006).

Sob a ótica de Abruccio, tais competências delegadas se fixam sobre quatro pressupostos principais: eleger seus representantes políticos; comandar diretamente a administração do ente subnacional; elaborar suas próprias legislações, dentro das competências atribuídas pelo pacto federativo; e cuidar de sua própria estrutura tributária e financeira. Já na ótica de Faletti, temos que a primeira dimensão da descentralização acaba sendo o campo administrativo, com aumento da capacidade burocrática local, bem como a transferência da administração e a provisão de serviços sociais. Pode trazer consigo a transferência de autoridade para a tomada de decisões (mas não é necessária) e de recursos para fazer frente a tais responsabilidades (também não obrigatoriamente). Na segunda dimensão, a descentralização fiscal prevê o aumento de receitas ou da autonomia fiscal dos entes subnacionais (caracteriza-se pela diversidade, podendo se constituir em aumento de transferências, criação de novos impostos subnacionais ou delegação de autoridade para cobrar e gerir impostos já existentes e previamente federais). Por último, temos a descentralização política, dimensão que foca a transferência da autoridade política ou capacidades eleitorais para atores subnacionais, promovendo o fortalecimento da sua autonomia política.

O impacto da descentralização na sociedade subnacional seria decorrente da dimensão descentralizada, ou, no caso de todas, da ordem sequencial em que as mesmas foram colocadas em prática. Assim, uma descentralização administrativa pode ser boa ou ruim, dado que aumenta a capacidade burocrática local. Entretanto, se ocorrer isoladamente (sem uma transferência fiscal compatível), acaba-se por reduzir a autonomia dos governos subnacionais, tornando-os dependentes de transferência de recursos federais ou aumentando sua dívida para fazer frente a novas capacidades administrativas locais.

Da mesma forma, pode-se observar que a descentralização fiscal também tem uma característica dual, pois acaba por depender do desenho da política de descentralização. Quanto maior a necessidade de criação e fortalecimento de um aparato arrecadatório, menos bom ou pior será o impacto de tal descentralização para o ente em questão. Assim, a

autonomia dos subnacionais será tão maior quanto mais automatizada e independente de esforços arrecadatórios for a descentralização fiscal.

Por último, a descentralização da dimensão política é, em regra, benéfica para os entes subnacionais porque confere a eles maior representatividade política no cenário nacional.

Nesse processo, em que ocorreram todas as dimensões do “policy cycle”, acaba- se alterando o modelo que funcionava até então. Assim, conforme Farah (2006, p. 64): “De

um modelo centralizado e „monopolizado‟ por agências estatais federais, passa-se a uma

situação mais flexível em que uma multiplicidade de atores integra o processo decisório e a

implementação, por meio dos mais diversos mecanismos”.

Importante ressaltar a magnitude da descentralização vivida. Conforme Frey (2000, p. 243-244), ela acabou conferindo aos municípios uma autonomia ampla “[...] tanto em questões financeiras e administrativas como políticas. O direito de poder outorgar a sua própria constituição local, concedido aos municípios com a Constituição de 1988, é

sintomático dessa abrangente autonomia organizacional”.

Assim, busca-se trazer a administração para perto do munícipe, representando um importante passo para a democratização de processos decisórios, que tem por premissa a participação do cidadão, tanto na formulação como na implementação e avaliação.

O insumo básico para subsidiar essa participação é a informação. E a transparência pública é o instrumento que confere poder à sociedade civil, organizada ou não, para que cumpra sua função de controle na execução de políticas públicas.