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2. ACESSO À INFORMAÇÃO E DEMOCRACIA

3.2 TRANSPARÊNCIA, SUAS DIMENSÕES E VARIEDADES

Entendendo essencial a transparência para uma efetiva ocorrência de um processo de controle e de accountability – especialmente vertical – há, conforme O´Donnel (1998), uma obrigatoriedade de informação e explicação dos detentores de mandatos quanto a seus atos, durante o exercício de cargo público. Desse modo, no processo de responsabilização há de se conceituar transparência, seus tipos e dimensões.

Conforme Heald (2006), em primeiro lugar é essencial abordar a relação triangular, trazida pela literatura, entre transparência, abertura e vigilância43. Nessa relação, embora conceitualmente exista diferença entre abertura e transparência, o autor postula que a

43Tradução livre para “[...] it is essential to address the triangular relationship between transparency, openness, and surveillance” (HEALD, 2006, p. 25).

utilização de determinada terminologia tenha se dado – e venha se dando – conforme a época. Assim, não vê diferença de ordem prática entre os dois termos. Por outro lado, Heald (2006) destaca que há entendimentos contrários – e pertinentes, porém não tão críticos para a presente conceituação –, como o de Birkinshaw (2006) e Larsson (1998), os quais vêm a transparência como uma abertura com os predicados de simplicidade e facilidade de compreensão.

Já no que diz respeito à vigilância, conforme Heald (2006, p. 26), seu sentido implica que “[...] alguém ou alguma coisa está fazendo a vigilância e isso explica porque o termo carrega um sentido de ameaça”. Desse modo, vigilância acaba sendo a característica auxiliar da sociedade civil no controle das prestações de serviços por parte do governo. E esse controle e essa vigilância são tão mais efetivos quanto mais adequada for a anatomia da transparência a que estamos a nos referir. Nessa perspectiva, temos as dimensões de transparência apresentadas a seguir.

3.2.1 Dimensões da Transparência

Destaca-se na literatura sobre transparência as definições de Heald (2006) em relação a suas dimensões e variedades. No que tange às dimensões, o autor entende que a transparência tem duas direções (vertical e horizontal) e quatro sentidos consequentes.

A direção vertical teria os seguintes sentidos:

- transparência “para cima” – decorrente de relações hierárquicas, por meio das quais o superior acaba por supervisionar a atuação do subordinado em função da relação subordinado/agente existente; e

- transparência “para baixo” – decorrente da relação de responsabilização (accountability) existente, do regime democrático instituído. Nesta direção o agente seria o governo e o povo, o sujeito principal a quem se destina a prerrogativa de uso da transparência.

Assim, teríamos dois sentidos na transparência vertical, sendo que “[...] quando

as transparências „para cima‟ e „para baixo‟ coexistem, dizemos haver transparência vertical simétrica” (HEALD, 2006, p. 27).

Igualmente, na transparência horizontal haveria dois sentidos:

- transparência “para fora” – na qual o agente da organização observa o que ocorre no exterior, sendo importante para o entendimento a identificação da organização

no mundo (corporativo ou não) e a definição de políticas adequadas para o ambiente no qual se insere; e

- transparência “para dentro” – inversa à anteriormente descrita, permite observar de fora o que acontece dentro da organização, sendo aquela que é relevante para o exercício do direito à informação (BIRKINSHAW, 2006). Nela está intrínseca a ideia de vigilância (HEALD, 2006).

Da mesma forma que na transparência vertical, se diz que há simetria na transparência horizontal quando da coexistência dos dois sentidos de tal transparência em determinado momento.

De uma forma didática, em uma adaptação de Heald (2006), apresentamos graficamente todos os sentidos de transparência, como forma de ilustrar eventual existência de simetria nessas direções.

Figura 1: As quatro direções da transparência. Fonte: Zuccolotto (2014)

A figura apresenta graficamente as hipóteses de simetria, destacando-se a interseção central, de todas as elipses, região de transparências vertical e horizontal simétricas, em todos os quatro sentidos possíveis – para baixo e para cima (vertical) e para dentro e para fora (horizontal).

3.2.2 Variedades de Transparência

Abstraindo as direções acima desenhadas, Heald (2006) argumenta que a transparência pode ser dividida de acordo com um conjunto de três classificações dicotômicas, conforme abaixo.

3.2.2.1 Transparência de Eventos Versus de Processos

O autor descreve a diferença entre as transparências de processos e de eventos tendo em vista o objeto de cada uma delas. As de evento seriam aquelas cujos objetos de transparência são produtos, denominando-os como inputs, outputs ou resultados, enquanto as de processo têm por fim explicitar os aspectos processuais e operacionais das transmutações de eventos. Seriam os processos de transformação e de associação.

No escopo de eventos, os denominados como inputs seriam aqueles mais básica e diretamente mensuráveis, como, por exemplo, o valor alocado no orçamento para a execução de determinada política pública. Nesse sentido, o sistema de gastos públicos é largamente concentrado em inputs (HEALD, 2006). Já os outputs são aqueles mensuráveis como níveis de atividade pelos fornecedores dos serviço, sendo o produto do trabalho empregado sobre os inputs. Como exemplo, em termos de metas de saúde, os outputs seriam proxies de nível de atividades do sistema de provisão de tais serviços.

O trabalho empregado sobre os inputs para gerar os outputs, que por sua vez podem ser medidos por transparência de eventos, nada mais é do que um processo de transformação por meio do qual determinadas rotinas podem transformar os insumos – em geral orçamentários – em serviços ou produtos oferecidos ou entregues aos cidadãos. A esse processo Heald (2006) refere-se como transformação, um dos objetos da transparência de processos.

Os resultados são o último tipo de transparência de eventos passível de observação. Igualmente fruto de um processo, a ele são associados outputs para observação dos resultados – em regra de políticas públicas. Esse tipo de evento é de difícil mensuração porque as “[...] mudanças, sejam melhorias ou deteriorações, são impactadas por diversos

fatores que não a provisão fiscal” (HEALD, 2006, p. 31).

Novamente partimos de um evento para chegar outro: de outputs para resultados. Em outros termos, parte-se de sistema de mensuração de atividades (que por sua vez partem de financiamentos previstos no orçamento – inputs) para uma observação completa do

atingimento de objetivos de determinada política pública. Por certo, tal medida de mensuração final há de considerar o conjunto de outputs trazidos para determinado resultado, uma vez que o mesmo é fruto de um conjunto de medidas públicas, que geram diversos outputs. Assim, o processo por meio do qual ocorre tal mudança do evento a ser observado é de associação, já que reúne em um resultado alguns outputs. Este é o último dos objetos de transparência processual.

3.2.2.2. Transparência Retroativa Versus Tempestiva

No que se refere ao tempo da prestação da transparência, há duas óbvias divisões. A primeira refere-se à disponibilização das informações de forma ex post, em intervalos regulares predefinidos. Isso permite que a instituição se ocupe de suas obrigações para posteriormente divulgar informações relevantes sobre sua performance (HEALD, 2006).

O contraste constitui-se na segunda forma, na qual a “janela de accountability” é sempre aberta e a vigilância é contínua. Aqui, temos que a instituição não consegue se dedicar exclusivamente à sua atividade, sendo por isso necessária a permanente divulgação de seus atos e produtos (HEALD, 2006). Pode-se dizer que sua característica é a vigilância constante. Para o autor, talvez a grande limitação na transparência dos entes subnacionais seja seu custo,

haja vista que “[...] é provavelmente menos custoso às organizações preparar-se para janelas

periódicas e discretas de accountability do que ter uma janela sempre aberta” (HEALD, 2006, p. 33).

3.2.2.3 Transparência Nominal Versus Efetiva

Nesta abordagem, Heald (2006) aponta a ilusão de transparência como aquela que sintetiza a distinção entre a transparência nominal e a que efetivamente atinge os sujeitos de interesse. Assim, alerta que “[...] para a transparência ser efetiva, há de se ter receptores capazes de processá-la, digeri-la e utilizá-la” (HEALD, 2006, p. 35).

Em contrapartida, quando a informação é disponibilizada de forma que não possa ser utilizada ou compreendida, temos uma aparente transparência, denominada nominal. Nesse caso, há de se observar alguns fatores-chaves quando da disponibilização de informação, de forma que eventual atendimento a índices de transparência não iludam o atingimento do fim proposto. Zuccolotto (2014, p. 74) exemplifica o “[...] orçamento (LOA) como simples peça orçamentária e legislativa, liberação de informações para favorecimento

de um determinado grupo, manipulação de dados sobre as dívidas e despesas de ente público, entre outros”.

3.3 AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E TRANSPARÊNCIA EM