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Quaro 5 – Números da Participação 2011 – 2012

2 CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES DA PARTICIPAÇÃO

2.4 Descentralização e participação

Ao refletir sobre a estrutura do Estado na atualidade, Jacobi (2000) defende que a centralização administrativa é um atraso, pois conduz à ineficiência no desenvolvimento das políticas setoriais e dos serviços públicos. Além disso, demonstra o retrocesso democrático, necessitando, desta maneira, de uma redefinição quanto à relação entre Estado e sociedade, conforme salienta: ―A questão da descentralização é hoje uma das principais precondições para formular uma efetiva democratização do Estado‖ (JACOBI, 2000, p. 35), fator que impulsionou o desenvolvimento do instrumento do Orçamento Democrático Estadual.

Para Jacobi (2000), o termo descentralização define uma transferência ou delegação de autoridade legal e política aos poderes locais, para planejar, tomar decisões e gerir funções públicas do governo central. A descentralização, então, institui uma distribuição territorial de poder, o que implica em delegação de autoridade. No entanto, segundo ele, esse poder transferido depende da forma de descentralização, que pode ser: desconcentração, delegação ou devolução.

Por desconcentração, ele define o processo de redistribuição do poder decisório entre os diversos níveis do governo central; já delegação é definida pela transferência de responsabilidades e de poder do governo central para os órgãos públicos que não são totalmente controlados pelo governo central, mas que, em última instância, dele dependem, e, por último, diz que devolução ocorre quando há transferência de poderes do governo central para unidades subnacionais independentes.

Ao analisar o OD da Paraíba, verifica-se a busca por realizar esta transferência de poder, quando são delegados aos cidadãos papéis de agentes deste instrumento, com função de elencar as necessidades das comunidades representadas, fiscalizar a aplicação do dinheiro público e propor ações que visem à melhoria da qualidade de vida da população que habita nas diversas regiões da Paraíba. Esta transferência, delegação de representação no Orçamento Democrático Estadual, ocorre durante todo o ciclo.

Apesar da Constituição de 1988 ter institucionalizado a política de descentralização político-administrativa, da transferência de verbas da União para os estados e municípios, verifica-se, ainda, uma centralização na arrecadação de impostos por parte do Governo Federal, demarcando antigas marcas da política tradicional. Desta maneira, assinala que ―As ambigüidades e as competências indefinidas não fazem senão acentuar os desequilíbrios fiscais e aumentar as zonas de incerteza quanto à distribuição de responsabilidades‖ (JACOBI, 2000, p. 45), o que conduz o Estado a buscar dialogar com cidadãos sobre as prioridades para os investimentos públicos.

Para Jacobi (2000), um dos maiores problemas da descentralização é a ausência de definições de competências entre os níveis de governo, causando graves problemas na ação institucional-administrativa e que esta assimetria entre os níveis de governo acaba por estimular a não-cooperação nas relações

intergovernamentais, cujo resultado acaba por não aprofundar o federalismo, mas, pelo contrário, estimula uma guerra fiscal predatória.

Diante disso, a descentralização no Brasil é fruto da falta de coordenação entre estados e municípios, que acabam por perder a eficiência gerencial nas transferências de oferta de bens e serviços para as esferas locais, devido à ausência de burocracias qualificadas, que contribuem para a escassez institucional de gerir os serviços, a falta de incentivo para que os governos locais melhorem sua arrecadação de recursos, indefinição das competências de cada esfera de governo, fragmentação institucional e aumento da corrupção e do clientelismo. Por isso, Jacobi (2000) expressa que ―[...] A falta de um centro condutor leva à descoordenação e desagregação federativas, o que em muito prejudica a efetiva democratização na gestão da coisa pública‖ (JACOBI, 2000, p. 45), que pode ser superada pela efetivação dos instrumentos da democracia participativa.

Dessa forma, para que ocorra uma descentralização do poder federativo, é necessário aniquilar os obstáculos que impedem a redistribuição de poder. A arrancada para democratização do Estado foi dada pela Constituição de 1988, no entanto, os resultados ainda são contraditórios, devido à superposição de competências e a indefinição de responsabilidades, além da dificuldade de responder às demandas do país continental e suas multiplicidades.

Por isso, a constituição do processo de participação ocasionou, na sociedade brasileira, o desenvolvimento de uma cultura democrático-participativa. Verifica-se, segundo Dagnino (2002), a existência de espaços públicos para a participação da sociedade civil, que se coloca contrária à perspectiva das teorias elitistas de democracia, bem como da centralização do que é estatal.

Outro fator que deve ser percebido é que nesses espaços públicos há um difícil aprendizado do reconhecimento do outro que têm direitos, havendo, assim, a existência de conflitos, na dimensão constitutiva da democracia e cidadania. No entanto, há o desenvolvimento de uma capacidade propositiva dos movimentos sociais de superar as desigualdades, as indiferenças que excluem.

De forma preponderante, os espaços que são criados têm conseguido expressar e promover a defesa de reivindicações dos direitos pelos que necessitam garantir sua cidadania e dignidade. Neste aspecto, Dagnino define que ―O fato inquestionável, de que essas demandas encontrem escasso abrigo nas políticas

públicas do Estado não deve obscurecer o avanço que sua publicização legitimação no âmbito societal‖ (2002, p. 284), sobretudo nos níveis locais.

Durante a década de 1990, o Estado brasileiro buscou programar o processo de descentralização, com forte presença do poder local na definição da agenda pública, a partir dos mecanismos de gestão democrática, introduzidos pela Constituição de 1988, que, segundo Leal, trouxe mudanças significativas na política nacional, como se verifica:

A esfera local, evidentemente, foi fortalecida pela redemocratização do país na medida da reconquista de sua autonomia política, mas em contrapartida passou a ter encargos maiores no atendimento das demandas sociais, enfrentando o pesado ônus da crise fiscal do Estado brasileiro (LEAL, 2003, p. 58).

Nesse processo de democratização do Estado, surgiram novas práticas de gestão e governança urbana, tomando, segundo Leal (2003), duas vertentes principais: uma se constituiu a partir das normas institucionais estabelecidas pela Constituição de 1988, na qual se configuraram espaços organizacionais e institucionais dentro das administrações, tais como, Conselhos, Planos Diretores, Leis Orgânicas, Orçamentos Participativos, além de outras práticas de descentralização e participação popular.

A segunda vertente resulta da necessidade de estabelecer novas formas de governança para as cidades que passam a ser protagonistas do empreendimento urbano ou do chamado empreendedorismo municipal, no qual os projetos estratégicos passaram a ser um instrumento para dar respostas às crises e para atender às aspirações de uma inserção econômica das cidades no contexto global. Fato que é endossado pela percepção de Borja (1996 apud LEAL, 2003, p. 59): ―[...] os processos sociais econômicos, culturais e populacionais tendem a globalizar-se, mas seus efeitos se concentram nas aglomerações urbanas e requerem atuações políticas integradas‖. Fator que na Paraíba é propiciado a partir do diálogo entre os dois entes: municípios e estado.

Assim, vislumbra-se que o caso brasileiro de descentralização e participação popular se deu, inicialmente, de forma concreta, através da implantação do Orçamento Participativo na cidade de Porto Alegre – Rio Grande do Sul, que se caracterizou pela abertura à participação de todos os cidadãos, além de combinar a democracia direta com a democracia representativa no processo de distribuição

dos recursos financeiros para o investimento nas demandas elencadas pela sociedade local.

O surgimento do Orçamento Participativo no Brasil ocorreu no fim da década de 1989, na cidade de Porto Alegre-RS, durante a administração do Partido dos Trabalhadores, e em Belo Horizonte, a partir de 1993. Neste sentido, o autor demonstra que houve um interesse político-administrativo nas administrações municipais. Neste intuito, expressa Avritzer (2002, p. 27):

Investigar a origem do processo de inovação institucional que levou ao surgimento do OP justifica-se em função da possibilidade de determinar a capacidade da sociedade civil de introduzir mudanças na vida política e melhorar as políticas dirigidas à população de baixa renda.

Diante do processo de introdução do OP em diversas administrações municipais, faz-se necessário perceber até que ponto a influência da sociedade civil, nas políticas participativas, gera qualidade de vida à população. Outro aspecto que merece destaque é a constituição de Orçamentos participativos em diferentes práticas políticas em nível local, assim declara Avritzer (2002, p. 27): ―Sua origem é não apenas indeterminada, como também objeto de disputa e de articulação de diferentes discursos políticos‖. No caso da Paraíba, o OD é pensado a partir do Estado, não ficando restrito aos municípios, mas extrapolando este limite.

Nesse sentido, Avritzer (2015) define que o OP é um acontecimento que permite a transferência de mediação dos políticos para a população sobre a distribuição de bens materiais, através da constituição de espaços públicos: assembleias, listas de acesso anterior a bens materiais, critérios de carência, dando margem para que não haja particularismos, mas que o OP tenha seu objetivo alcançado. Por isso, afirma que: ―São as novas práticas capazes de radicalizar o exercício da democracia que tornam esta última legítima aos olhos daqueles de cuja autorização e a democracia irá sempre depender, dos cidadãos‖ (AVRITZER, 2002, p. 43), que impulsionam o projeto democrático-participativo.

No entanto, há críticas, segundo Leal (2003), às práticas do Orçamento Participativo quanto à parcela mínima de recursos, em geral, destinada ao plano de investimento regionalizado, quanto ao grau de legitimidade da representação das instâncias comunitárias, nas quais seus representantes são escolhidos mediante processos informais. Isto pode conduzir a irregularidades na escolha das lideranças

que podem estar a representar a própria administração, reforçando os laços clientelistas. Todavia, ela argumenta que ―Essas e outras críticas não invalidam o papel relevante que vem desempenhando o Orçamento Participativo na democratização dos recursos públicos, na participação cidadã e na ampliação dos espaços públicos participativos‖ (LEAL, 2003, p. 63), fato que deve ser observado no caso da Paraíba.

Analisando o perfil político-partidário da criação dos instrumentos participativos na Paraíba, verifica-se que nos municípios que adotaram o instrumento do Orçamento Participativo, não só está presente nos discursos dos progressistas, em Campina Grande o Orçamento Participativo foi criado em 1997, por um prefeito eleito pelo PMDB, e em João Pessoa o Orçamento Democrático foi criado em 2005, pelo prefeito eleito pelo PSB.

Nessa perspectiva, o Orçamento Democrático Estadual foi criado na gestão do PSB, à frente do executivo estadual, podendo se verificar a disparidade do contorno político dos governos, que, muitas vezes, são contrários a estas práticas, mas que adotam, visando um fim eleitoral. Desta maneira, cabe a realização de análises mais completas sobre as práticas do Orçamento Democrático, a partir de suas especificidades, avaliando os efeitos da distribuição de poderes, mas, sobretudo, avaliar se as práticas estão contribuindo para a formação da cidadania.

Após um breve ―passeio‖ pelas abordagens acima discutidas, verifica-se a existência de distintas abordagens sobre a ocorrência da democracia participativa. O que possibilita a percepção de que estas considerações conceituais, existentes na literatura, impedem que se faça uso de conceitos de forma errada, o que poderia prejudicar o processo da análise do objeto de estudo.

Dessa maneira, ao utilizar esses conceitos, considera-se sua importância como referencial teórico, que proporciona aos estudos sobre a democracia participativa uma base adequada para a análise. Em segundo lugar, por serem estas referências relevantes para a compreensão da relação entre sociedade civil e Estado, sobretudo sobre o processo decisório. E, em última instância, tais referências está no fato da aproximação com o objeto em análise, no seu aspecto local, pois é aqui onde ocorre uma interação maior dos cidadãos com as instituições do Estado, tornando-se uma relevante reflexão.

A partir dos conceitos de participação, compreende-se que a atuação dos sujeitos sociais contribui para que a sociedade civil se fortaleça e se estabeleça

como um meio capaz de influenciar o processo decisório da gestão pública, não ficando somente em participações esporádicas e sem continuação de uma participação política, às vezes, até abstrata.

Vislumbra-se que a participação cidadã importa em conquistar seu lugar na esfera pública, através de mecanismos institucionais, que possibilitem cada vez mais impulsionar os sujeitos sociais a participarem, de forma ativa, de todos os processos de decisão.

Dessa maneira, no nível estadual da Paraíba ocorre abertura para a participação dos cidadãos, a partir das suas regiões. Assim, a sociedade civil é convocada a dialogar e cooperar com o Estado e suas instituições, na elaboração de propostas que beneficiem a sociedade de cada região. Por isso, a experiência do Orçamento Democrático Estadual ganha destaque na análise, pois é capaz de reunir os moradores de diversas regiões do Estado, na busca por melhorias, em vista da possibilidade diminuir as desigualdades historicamente estabelecidas.

Essas participações ativas da sociedade civil, nos processos decisórios, demonstram, cada vez mais, a necessidade de ampliar a participação cidadã, a fim de que ocorra uma representação relevante perante o Estado e este possa acolher as demandas oriundas da sociedade, bem como seja articulado um processo de fiscalização das ações desenvolvidas, buscando atenuar o mau uso dos recursos públicos, criando o habitus participativo de implementar a accountability social. Segundo Bobbio (2015), a democracia ideal é o governo do poder visível, pois seus atos devem se desenvolver em público e sob o controle da sociedade civil.

Sendo assim, o espaço público é elaborado e transformado pela ação da sociedade civil, que visa obter do Estado a atenção para os problemas que carecem de soluções, nas diversas regiões. É neste ambiente que a sociedade civil e o Estado se encontram para debater as dificuldades e, por consequência, encontrar as soluções. Por isso, nesta arena devem ser criados mecanismos institucionais que viabilizem a participação efetiva da sociedade civil.

Esse processo de descentralização, não ocorre de forma fácil, mas só existe devido à capacidade de dialogo que a sociedade civil desenvolveu na defesa de suas posições, contrariando a quase total dominação do Estado, sobretudo no que diz respeito às questões orçamentárias, necessitando avançar, para que a decisão ocorra nos espaços públicos, não ficando restrita a simples deliberação.

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