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1 DA REGIÃO ÀS REGIÕES METROPOLITANAS

1.1 Descentralização no Brasil

Com relação ao período de transição do Estado Novo para a Democracia, em 1945, Nunes (2003, p. 68) assevera que as transições são períodos importantes ―porque é durante os anos iniciais de regime que se forja a redefinição do instrumental institucional‖. Neste sentido, a disposição e a conformação de um novo regime ―dependerão do tipo de transição que venha a ocorrer que forças o sustentam e que forças o manipulam‖ (NUNES, 2003, p.68).

Logo, a institucionalização de uma Constituição, seja esta outorgada, pactuada ou promulgada por meio de um processo democrático, representa uma reforma na estruturação do Estado e isto pode implicar em mudanças abrangentes na formação dos poderes públicos, na forma de governo e na obtenção do poder de governar, da repartição de competências e do estabelecimento de direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Tendo em vista essas considerações sobre a institucionalização de uma Constituição e dada à complexidade da temática, faz-se necessário chegar a uma concepção acerca das instituições.

O período de transição do regime militar para a restauração da democracia foi um período longo, no qual se institucionalizou a Constituição Federal de 1988 e que terminou com a concretização de eleições diretas, em 1989, para Presidente da República. Cabe destacar que este não é um fato isolado naquele período, mas fruto de um longo processo de disputas políticas em que se pode salientar alguns fatos relevantes que começaram ainda nos anos 1970 com: (1) o fim das medidas de exceção em 1978; (2) o processo de anistia política e a reforma partidária em 1979; (3) a realização, em 1982, de eleições diretas para a escolha

dos governadores dos entes estaduais; (4) o movimento ―Diretas já‖; e (5) o próprio governo de transição, como os mandatos dos Presidentes Tancredo Neves/José Sarney, no período de 1985-1989 (CONDATO, 2005).

De acordo com Theret (2003, p. 249) e com base em Commons (1990), define-se de forma ampla instituição como ―o resultado de toda transação entre pessoas envolvendo regras operativas que estabilizam a tensão entre as outras duas dimensões das transações, que são o conflito e a cooperação‖. Neste sentido, instituição é aquilo que permite estabelecer uma tensão dinâmica entre os princípios do conflito e da cooperação, constitutivos das transações. Nelas é que as regras comuns, aceitas pelos agentes nas transações, introduzem princípios de ordem que permitem que elas sejam operadas e reproduzidas no tempo (THERET, 2003).

Assim, pode-se dizer que é exatamente essa concepção acerca das instituições como regras de ―ação coletiva que controlam, restringem ou libertam a ação individual‖ que permite elucidar sua origem nas divergências entre conflito/cooperação. Dessa forma, em razão de serem princípios de uma ordem ―estabelecida pelo conflito‖, elas cumprem também sua função como convenções de cooperação e, portanto, como regras de coordenação. Todavia, mais que acanhamentos coletivos que influenciam comportamentos, as instituições são vistas como redes capazes de estimular a ação individual, ou seja, são também estruturas de estímulos.

Com base nesse quadro, alguns outros aspectos merecem ser salientados como as mudanças institucionalizadas pela Constituição de 1988 em relação às políticas públicas. Assim, faz-se necessário realizar uma breve retomada sobre o antes e depois. Para retomar o contexto pré-1988, é preciso destacar o conjunto de características do Estado brasileiro na elaboração de políticas públicas (FARAH, 2001):

a) Centralização decisória e financeira no âmbito federal, competindo aos estados e municípios, quando estes eram envolvidos em uma política específica, o papel de executores das políticas formuladas pela União.

b) Fragmentação institucional, pois o aumento do aparato estatal se desenvolveu de maneira descomedida, por criação de novas agências e ampliação agências preexistentes, sem que se instaurasse a coordenação da ação dos vários órgãos, o que acontecia tanto no âmbito de um mesmo nível de governo quando entre diferentes esferas de governo, o que tornava difícil a tarefa de coordenação.

c) Caráter setorial das políticas sociais.

d) Exclusão da sociedade civil do processo de formulação das políticas, da execução dos programas e do controle da ação governamental.

e) As políticas públicas fomentadas pelo Estado agregaram interesses da sociedade civil e do segmento empresarial, no entanto, tal agregação era excludente e seletiva, favorecendo apenas segmentos específicos de trabalhadores e interesses dos setores econômicos, Nacional e internacional.

f) Os órgãos Estatais, por meio dos quais se executavam as políticas, caracterizavam- se por um padrão de gestão hierarquizado, restringindo-se o espaço para a participação das instâncias sociais mais próximas ao cidadão.

g) E finalmente, apesar de um grupo expressivo da população ter ficado à margem dos programas sociais, o paradigma que inspirou a construção do sistema de proteção social no país foi o do Estado do bem-estar, introduzido nos países em desenvolvimento no pós-guerra.

Com a promulgação da Constituição de 1988, o que se vê, no âmbito político- institucional, é um conjunto de medidas para aperfeiçoamento da Administração Pública, nas três esferas de Governo, no sentido de desenvolver processos de governança e da gestão pública, baseados em:

a) processos de descentralização decisória e financeira envolvendo as três esferas de governo – União, Estados e Municípios;

b) aperfeiçoamento do papel de coordenação institucional dos níveis superiores de governo;

c) desenvolvimento de políticas públicas sistêmicas, integradas, multissetoriais e interdisciplinares;

d) apoio jurídico e político para a inclusão da sociedade civil no processo de formulação e implementação de políticas, programas e controle da ação governamental;

e) promoção de políticas públicas de caráter universal, beneficiando todos os segmentos da sociedade;

f) aperfeiçoamento da gestão de órgãos, agências e empresas estatais com intuito de executar processos de gestão de cunhos democrático, participativo e horizontais que tornem possível, inclusive, a participação efetiva da sociedade civil e estimulem a transparência junto aos cidadãos; e

g) o interesse em ofertar serviços públicos, materiais, máquinas e equipamentos que não sejam apenas universais, isto é, com ênfase no quantitativo, mas também de qualidade.

Entende-se que este conjunto de aspectos, mencionados acima, são processos, em muitos casos, incipientes e em processo de construção que, por motivos vários, podem ser ativados, estendidos e/ou retirados em decorrência de fatores políticos, econômicos, administrativos e sociais. Todavia, esse conjunto de aspectos políticos-institucionais, antes e depois da Constituição de 1988, em relação à descentralização, vai contribuir para melhor entender aspectos ligados à gestão metropolitana, que serão abordados mais adiante, e a ligação desta com as disputas políticas acerca dos processos de descentralização.

Assim, com base nesse entendimento, faz-se necessário esclarecer os processos de descentralização que podem ocorrer por meio de diferentes estratégias. Arretche (1996) destaca algumas dessas estratégias:

a) Desconcentração – é a transferência da responsabilidade de execução dos serviços para unidades fisicamente descentralizadas, no interior das agências da União. b) Delegação – é a transferência da responsabilidade da gestão dos serviços para

agências não vinculadas à União, mantido o controle dos recursos pelo governo federal.

c) Transferência de atribuições – é a transferência de recursos e funções de gestão para agências não vinculadas institucionalmente ao governo federal.

d) Privatização ou desregulação – é a transferência da prestação de serviços sociais para organizações privadas.

Para Afonso (2000), a descentralização, no Brasil, caracteriza-se, em primeiro lugar, por não ter sido uma mobilização efetiva do governo federal, pois durante a década de 1980, os governos das esferas estaduais e municipais assumiram um papel de destaque na federação brasileira. E a disputa dos governos subnacionais pela descentralização tributária, iniciada no final da década de 1970, com a emergência da crise econômica e com o processo de redemocratização do país, caracterizou a descentralização no país como uma ―descentralização pela demanda‖.

Além desses achados acima referidos, o processo de descentralização e a sua concomitância com o processo de redemocratização, que instituíram uma relação própria da abertura política no Brasil, tornou possível a aproximação e a identificação da luta pela descentralização com a luta pela redemocratização. Nesse sentido, quando da elaboração da Constituição de 1988, a União ficou isolada, sem parceiros que pudessem defendê-la, e a descentralização proveniente da nova ordem constitucional deu-se sem um projeto de articulação e sem uma coordenação estratégica.

Afonso (2000) assevera ainda duas características peculiares da relação entre descentralização e federalismo no Brasil: a primeira diz respeito à discrepância acentuada das disparidades socioeconômicas entre os entes federados que são complementares pelas disparidades interpessoais e pelas inter e intrarregionais, as quais entravam a rearticulação de novas formas de coordenação federativa em um contexto de maior descentralização. A segunda diz respeito à multiplicidade de aspectos peculiares relativos ao aparelho do Estado no Brasil, digo; administração direta, indireta, empresas estatais, autarquias, fundações, agências reguladoras e instituições financeiras públicas, nas três esferas de governo (União, Estados e Municípios) embora de forma distinta, regional e intrarregionalmente. A esse respeito, Arretche (1996, p.23) assevera que:

A luta pela descentralização no Brasil ter-se passado essencialmente no interior da esfera estatal. Ou seja, as demandas que a impulsionaram são realizadas por atores governamentais prefeitos, governadores, técnicos de agências estatais e especialistas em questões de políticas públicas não encontrando ressonância no âmbito da sociedade civil.

O fecho de ideias apresentadas por Arretche (1996) nos leva, de fato, a compreender que o processo de redemocratização1 do Brasil ampliou o fortalecimento dos governadores em seus respectivos estados e, igualmente, os prefeitos e suas unidades municipais. Grande parte da transição democrática foi exercida pela influência de governadores e prefeitos com o movimento de mobilização e de articulação política pela retomada da rota de crescimento e desenvolvimento econômico e social, equilibrado no país em face da liderança e da importância que o Brasil exerce no contexto da América Latina e no cenário econômico internacional.

Nesse sentido, Arretche (1996) assevera que as medidas descentralizadoras ocorridas no Brasil a partir dos anos de 1980 não são muitas, mas fruto de uma disputa de poder na qual as elites políticas de âmbito local foram fortalecidas, uma vez que num cenário onde a legitimidade dos governantes provinha da competição eleitoral e essas detinham o controle de recursos institucionais valiosos, a saber: o controle de máquinas eleitorais e administrativas regionais. A partir da década de 1990, o grau de influência dos agentes governamentais se ampliou sistematicamente com a redemocratização e a descentralização de recursos financeiros e materiais. No entanto, nos últimos trinta anos, ao mesmo tempo em que a

1 É fato que a redemocratização – especialmente a emergência do Congresso Nacional e dos governadores de

estado como atores decisivos no processo decisório trouxe um novo equilíbrio às condições de negociação entre as elites políticas regionais e federais na barganha federativa.

provisão de equipamentos, serviços públicos e as demandas sociais cresciam, as relações intergovernamentais, os interesses regionais e locais tornavam-se mais complexos, em especial, no contexto das regiões integradas de desenvolvimento econômico.

No plano das políticas públicas, o que se observa é a dinâmica da autonomia dos agentes governamentais, qual seja: um maior grau de autonomia e amplitude em relação às suas ações, quando comparadas ao passado. Têm-se gestores municipais, estaduais e federais na formulação e implementação de diversas políticas públicas, dentre elas; educação, emprego e renda, saúde, assistência social, mobilidade social, infraestrutura. Acredita-se que o processo de coordenação federativa entre os três níveis de governo é condição necessária, no entanto, pode ocorrer que a decisão de um ente federativo vai de encontro às demais proposições (políticas, econômicas e administrativas), dificultando a formação de arenas intergovernamentais de discussão e de deliberação na forma de conselhos horizontais – entre os mesmos níveis de governo – e verticais.

Neste contexto, acredita-se que a dinâmica das relações intergovernamentais no Brasil pode ser mais bem entendida tomando como referência algumas características históricas da formação do Estado federado a partir de 1889. Entender essa complexa teia de relações intergovernamentais e de poder de decisão, no contexto do federalismo brasileiro, é um dos propósitos deste pesquisador neste capítulo.

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