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3.4 – A descoberta dos adversários

Nessa altura de sua carreira, Iris não era notado apenas pelos Ludovico, mas também por seus adversários. Ele era presidente da Assembléia, Mauro ainda estava no governo, quando algumas lideranças oposicionistas o procuraram para denunciar um suposto plano para matar o deputado estadual Ary Valadão (UDN) e para pedir proteção física da direção da Assembléia ao udenista. Sob o pretexto de criticar Iris pela suposta falta de atitude em defesa da vida de Ary Valadão, o deputado federal Alfredo Nasser, também presidente regional do PSP, partido coligado com a UDN, ex-ministro da Justiça e um dos mais importantes líderes da oposição, publicou um artigo no Popular com o título “Nem herói, nem santo”.243

Nasser relembra nesse artigo que conhecera Iris na campanha de 1962, ao participar de uma reunião “apartidária” em Campinas, para apresentar ao eleitorado católico os nomes dos candidatos merecedores de seu voto. Segundo ele, o encontro não “comportava a promoção de uma pessoa, um grupo ou uma facção”. Apesar disso, Iris “impôs a todos um vexame” e transformou a reunião em um comício pessoal. Relata que moças e rapazes “devidamente uniformizados” abaixo do palanque “vivavam-no a plenos pulmões, entoavam canções em que Iris rimava com arco-íris – o arco-íris era ele –, exaltavam as suas virtudes políticas...”. Nasser condenava um jovem – na época Iris tinha 29 anos de idade – que fazia política a favor do governo. De acordo com o deputado federal, Iris discursou assim que “as canções e os gritos cessaram”. Ao final

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Na época, o deputado federal Alfredo Nasser lia um editorial, sexta-feira à noite, na TV Anhanguera, que era publicado na íntegra no dia seguinte no Popular. O artigo contra Iris foi publicado em 18 de outubro de 1964. Com outro título, “Um triste velho moço”, ele foi reproduzido no livro Alfredo Nasser:

do discurso, Nasser ouviu alguém dizer: “Esse rapaz vai longe.” Nasser retrucou: “Está enganado. Vôo de pato.”244

O engano era do experiente político. Depois desse encontro, Iris elegeu-se deputado estadual e presidente da Assembléia Legislativa. Só que, para o líder do PSP, ele “chegou à presidência da Casa para receber e cumprir as ordens do governo”. No meio do artigo, o deputado trata novamente do assunto que originou o texto, a suposta falta de providência em favor de Ary Valadão, para novamente voltar ao tema que lhe parecia mais preocupante a presença de um moço no governo.

Na vida de cada um de vocês [refere-se aos jovens] esta é a hora em que o caráter se forma, a coragem se afirma, o valor se forja. Para todos nós, a hora de definição é na mocidade. Fiquem conosco, na rude luta das oposições goianas, e fiquem contra nós amanhã, quando formos governo, se for o caso. Mas não percam a única fase da vida em que o coração se pode banhar da alegria do protesto e da dignidade do inconformismo. (O Popular, 18/10/64, p. 3)

A resposta de Iris Rezende foi publicada cinco dias depois, nas páginas 3 e 7, e precedido de um “A pedido”. Ele relata no artigo-resposta, com o despretensioso título “Ao povo goiano”, que recebeu a denúncia dos deputados Alfredo Nasser e Sidney Ferreira sobre a suposta ameaça a Valadão em 12 de outubro. Reproduz os ofícios enviados ao secretário de Segurança Pública, Rivadávia Xavier Nunes, com pedido de proteção ao deputado, e aos autores da denúncia (Nasser e Ferreira), informando-os sobre as providências tomadas. Após esse preâmbulo, responde às críticas políticas no mesmo tom do adversário.

Iris disse que estranhou o artigo de Nasser, com “acusações pessoais tão estigmatizadas pela malevolência”, e afirma que ele investe contra um “moço” apenas para “sair do ostracismo”. “O artigo do velho [uma ironia por ter sido tratado por “moço”] parlamentar relata tão-somente o seu juízo sobre nós” e, para Iris, “os juízos pessoais são passíveis de ser injustos”. Iris ironiza a idéia defendida por Nasser de que os jovens devem ser de oposição: “Que oposição recomenda à mocidade, aquela que V. Excia. fez à construção de Goiânia?” Iris destaca as qualidades de Nasser de homem inteligente, grande orador, pessoa de bem, mas o provoca, dizendo que “ninguém pode apontar suas ações a favor do povo de Campinas, de Goiânia e do Estado” e que, por isso, o deputado não é exemplo para ninguém, muito menos para a mocidade.

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Um político com “vôo de pato” significa que ele terá carreira curta, como o vôo de um pato. Nasser morreu em 21 de novembro de 1965, quando Iris já tinha vencido duas eleições depois daquela previsão: para deputado, em 1962, e para prefeito de Goiânia, em 1965.

Iris concorda que o espírito transformador é próprio dos moços, mas que “acima de tudo, lhes é dado refletir, criticar e optar por aqueles ideais que se identificam com seu idealismo renovador”. Por isso, diz, ele e Nasser estão em posições políticas contrárias, “um lutando contra o tempo e a época e o outro colaborando com um governo honesto, realizador, identificado com os interesses dos jovens e do povo goiano”. Conclui seu artigo insinuado que pessoas como Nasser são movidas por “complexos, quando vêem em outro a possibilidade de ser aquilo que nunca puderam ser”. (O Popular, 22/10/64, pp. 3 e 7). A polêmica entre os dois terminou aí. No sábado seguinte, 24 de outubro, uma nota na capa do Popular informa que Nasser não falara na TV no dia anterior. Ele voltou a discursar em 31 de outubro e, no dia seguinte, O

Popular publicou “Os equívocos de Mauro Borges”.

A artilharia de Alfredo Nasser, o mais importante e um dos mais respeitados oradores da oposição, contra Iris Rezende não acontecia por acaso e muito menos porque este tinha deixado de providenciar segurança para proteger a vida do deputado Ary Valadão. O discurso na TV, e sua publicação pelo Popular, aconteceu no auge da luta política entre a oposição e o PSD e a pouco mais de um mês da deposição de Mauro. Nesse período, Iris já era o candidato da família Ludovico a prefeito de Goiânia e participava da luta política contra a UDN em prol do PSD.

Iris nunca se esqueceu desse artigo. Guarda nas lembranças os detalhes das acusações de Nasser; recorda-se de suas palavras. O artigo o marcou, porque ele o considera um divisor em sua carreira: foi a primeira vez que a oposição se preocupou com ele. Até então, ele era visto no campo político, tanto por seus correligionários quanto por seus adversários, como um mero agente político. O fato de ter recebido crítica tão contundente, feita por um líder da envergadura de Alfredo Nasser e ainda publicada no jornal e veiculada na TV, indicava que o campo político já notara o capital político que ele tinha acumulado. Iris já não agiria mais sem chamar a atenção dos profissionais da política goiana.

Nasser não desperdiçou seu tempo na TV, em horário nobre na sexta-feira, e seu espaço no Popular no sábado com um político que teria “vôo de pato”. Ele mirou em um adversário com potencial político. De fato, o “moço” revelou sua força política um ano depois da publicação desse artigo ao vencer a eleição para prefeito de Goiânia, em uma campanha desigual, levando-se em conta a cobertura dos jornais da época, já

fortemente vigiados pela censura.245 A campanha governista estava nas ruas e em destaque na imprensa quando a oposição escolheu Peixoto da Silveira para ser o candidato a governador. Tanto Peixoto como o senador Pedro Ludovico optaram por um discurso moderado, evitando contrariar os meios “revolucionários”.

Iris seguiu outro caminho, pois acreditava na força política de seu grupo na capital, e adotou um discurso anti-revolucionário, uma decisão pensada e conveniente a seu projeto eleitoral. A coligação da UDN também não se comportou como quem enfrentaria um político com “vôo de pato” ao escolher seu candidato para enfrentar Iris nas urnas. Lançou o experiente José Ludovico de Almeida, que estava rompido com Pedro Ludovico e filiado ao PSP. Juca Ludovico, como era conhecido, tinha 32 anos de carreira política, a mesma idade de vida de seu adversário.

Goiânia vivia um momento particular de sua história em 1965. Em 1950, quando Iris era recém-chegado do interior, a cidade tinha 53.389 habitantes. Essa população triplicaria nos dez anos seguintes, chegando a 151.013 habitantes em 1960,246 e não parava de receber migrantes, pessoas que, como a família de Iris Rezende, buscavam oportunidade para estudar e ganhar dinheiro. O prefeito Hélio de Brito não conseguiu atender às demandas crescentes da população. Em sua gestão, a prefeitura recebeu autonomia política do Estado (até o governo Mauro Borges, a prefeitura era uma espécie de secretaria estadual), mas não recebeu recursos para conduzir a administração. Até 1965 o município não recebia transferências de receitas (ICMS, FPM) do Estado e da União.

“Goiânia foi projetada há 34 anos, para 30 mil habitantes [aqui há um erro, pois a cidade fora planejada para 50 mil habitantes]. Hoje está com 300 mil, não tem plano diretor, cresceu desordenadamente além do núcleo inicial e os serviços não dão nem para a metade da população”. (Revista Realidade, 1966, p. 24). Faltavam moradia, asfalto, inclusive na parte nobre da cidade, urbanização de praças, saúde e educação públicas. Os salários dos funcionários também estavam, segundo Iris, com oito meses

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O título da principal manchete de O Popular (2/7/65, capa) noticiava: “Castelo reforça apoio a Otávio”. Uma nota curta, na página 4, informava que o senador Pedro Ludovico denunciava a pressão eleitoral do marechal Ribas Júnior. No dia seguinte, o jornal repetia na capa o mesmo destaque para a desincompatibilização de Otávio da prefeitura de Goianésia, destaques que a oposição não recebia na cobertura jornalística.

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Números do censo demográfico de Goiás de 1950 e de 1960 do IBGE, disponíveis na biblioteca digital no site www.ibge.gov.br. Pesquisa realizada em 15/1/2008.

de atraso. A prefeitura não tinha dinheiro para enfrentar todos esses desafios. Iris concentrou sua campanha eleitoral sobre duas bases: no combate à ditadura militar e na promessa de construir a infra-estrutura que a cidade requisitava, dois temas que agradavam a população majoritariamente jovem, recém-chegada do interior, e que sofria com as precárias condições de vida na cidade.

A conjuntura política, social e econômica do País e o momento particular na vida da população goianiense criaram condições favoráveis à vitória do projeto eleitoral do PSD em Goiânia. Iris, como a maioria da população, vinha do interior para aproveitar as oportunidades oferecidas pelo iniciante capitalismo em Goiás. A cidade estava carente de infra-estrutura e ele, obstinado em produzir ações práticas que proporcionassem bem-estar à população, como fez em relação aos estudantes no grêmio do Colégio Liceu. Ele é um político, segundo suas palavras, que sempre teve “como lema fazer”, o que coincidia com as expectativas do eleitorado. Na primeira entrevista depois de diplomado prefeito, Iris e seu vice, Gabriel Elias Neto, prometeram asfaltar toda a cidade (O Popular, 5/1/65). “Aquilo me realizava, porque eu vivi na roça com luz de candeia, depois de lamparina. Aí eu me realizava, quando entregava um asfalto”, justificou-se.

Sua visão administrativa foi fortemente influenciada pelas ações de Mauro Borges e pela conjuntura econômica e social do Estado no final da década de 60. O desenvolvimento econômico de Goiás engatinhava. Havia carência de infra-estrutura, em especial a rodoviária, que rompesse o isolamento do Estado dos grandes centros consumidores.247 Ao Estado brasileiro historicamente coube a tarefa de criar as condições macroestruturais para o avanço capitalista e isso não foi diferente em Goiás. Também aqui coube ao poder público a “implementação e a sustentação da modernização capitalista, com programas e recursos de fontes públicas federais e estaduais” (Borges, 2004, p. 187). Reinterpretando, a seu modo, o projeto de modernização do governo Mauro Borges, Iris construíra seu próprio modelo de

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O isolamento de Goiás dos centros consumidores tem sido um problema permanente para o Estado. Para ficar apenas no século XX, a luta contra o isolamento mobilizou os políticos pelo trem de ferro no início do século e depois por estradas de rodagens. A construção de Brasília levou a abertura de importantes rodovias de ligação, como a Belém–Brasília. O movimento anti-isolacionismo continua até hoje a mobilizar políticos e o segmento econômico pela construção das Ferrovias Norte-Sul e Leste-Oeste e também pelo alcoolduto, o duto que transportará álcool anidro produzido em Goiás para Paulínia, em São Paulo, e, de lá, para o Porto de São Sebastião (SP).

modernização administrativa, voltado fundamentalmente para a construção de uma infra-estrutura (viária, urbanização, moradia etc).

As condições políticas eram favoráveis à consolidação de sua liderança: a carência da cidade por obras, o seu desejo de construir248 a cidade e o esfacelamento do PSD com cassações e perseguições políticas e com a derrota de Peixoto da Silveira para o governo colocaram o recém-eleito prefeito no topo da hierarquia interna do PSD. Iris aproveitou essas condições para preparar uma administração “revolucionária” em Goiânia, um passo que ele sabia ser fundamental para aumentar seu capital político para vôos maiores. Ele já tinha dito que não repetiria mandato, portanto, estava de olho no cargo de governador de Goiás.