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CAPÍTULO 2 – DEMOGRAFIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

2.2 Descontinuidades demográficas e onda jovem

Conforme definição trabalhada por Bercovich e Massé (2004, p. 2):

Como efeito das variações nos componentes da dinâmica demográfica – fecundidade, mortalidade, migrações – a pirâmide etária pode sofrer estreitamentos e alargamentos bruscos, produto do aumento ou diminuição do número de nascimentos. Chamamos descontinuidades justamente a essas variações bruscas no tamanho de coortes sucessivas.

Keyfitz (1987) foi o primeiro a utilizar o termo “descontinuidades demográficas” ao observar a ação desse metabolismo demográfico32 em diferentes populações. Desde uma perspectiva global, isto é, observando a população mundial, o autor indicou que a primeira grande descontinuidade observada deveu-se à soma do fenômeno do baby-boom, sobretudo nos países saídos da Segunda Guerra Mundial, com o declínio da mortalidade infantil nos países subdesenvolvidos (KEYFITZ, 1989). Segundo o autor, as coortes de 1950 marcam o início da chamada “explosão populacional” (KEYFITZ, 1989). Novas irregularidades não tardaram a aparecer nessas populações, especialmente devido à defasagem entre a queda da mortalidade e a queda da fecundidade em meados dos anos 1960 (BERCOVICH; MADEIRA, 1990).

Segundo Bercovich (2004), um dos desdobramentos dessas descontinuidades é a formação de uma onda jovem. A onda jovem ou youth bulge (WEEKS; FUGATE, 2012) é causada pelo incremento sucessivo e sobreposto nas coortes de crianças, adolescentes e jovens, fruto do declínio na mortalidade que não foi acompanhado do declínio das taxas de natalidade - o que fez aumentar a taxa de crescimento e alterou a estrutura etária da sociedade. O estudo dessas ondas não permite sua generalização para tendências demográficas em macro escala, pois se trata da análise em grupos etários específicos, mas abre o diálogo para pesquisas interdisciplinares (MADEIRA; BERCOVICH, 1992). Um dos efeitos que a onda jovem pode causar é o aumento de tensões e de competitividade dentro de uma mesma coorte (intrageracional) e entre coortes sucessivas (intergeracional), o que aumenta as chances de violência e conflitos civis e militares (WEEKS; FUGATE, 2012).

32 O conceito de “metabolismo demográfico” (RYDER, 1965) descreve o processo de mudanças sociais causadas

pela entrada de novas coortes, que levam à reposição de gerações. No caso do trabalho de Keyfitz (1987), as descontinuidades observadas impactaram a forma e estilo de vida de diferentes gerações.

Essas coortes excepcionalmente largas nas histórias das populações sugerem uma competitividade expressa, sobretudo, por vagas no mercado de trabalho. Mas essa característica também se apresenta como desafio para a administração pública, especialmente no que diz respeito à cobertura e ao provimento de serviços básicos, como saúde e educação. Esse aumento ou diminuição abrupta no volume das coortes etárias faz variar, por um breve período de tempo, a demanda por esses serviços. O desafio consiste em ajustar a oferta para essas coortes, considerando-se sua evolução ao longo do tempo. Nesse sentido, as flutuações observadas por meio das descontinuidades podem configurar um argumento a favor da manutenção do número de escolas e salas de aula.

O tamanho da coorte de nascimento é também uma proxy das dificuldades e oportunidades enfrentadas pelas pessoas nascidas dentro de uma mesma coorte. Easterlin (1987, p. 146) em seu trabalho, sobre a diversidade de trajetórias e destinos dos nascidos em gerações de baby-boom ou de baby-bust nos Estados Unidos, afirmou que as oportunidades de estudar e trabalhar que uma pessoa tem ao longo da vida dependem, em parte, do momento em que ela nasceu:

Se alguém for sortudo o suficiente de nascer quando a taxa de natalidade nacional for baixa – para vir de uma pequena geração – então este alguém pode esperar por um futuro relativamente brilhante. Se alguém tem o azar de ser um membro de uma grande geração, então seu futuro será respectivamente mais obscuro33. [tradução livre].

De modo geral, os baby-boomers deparam-se com maior competição em diversos aspectos: escolarização, empregos e até mesmo casamentos. Baby-busters teriam uma vida relativamente mais fácil quanto ao cumprimento dessas trajetórias. Segundo Easterlin (1987), é mais provável que os efeitos do tamanho da geração impactem mais os primeiros anos da vida adulta. O autor argumentou que as condições em que ocorrem a estagnação econômica e o crescimento dos índices de criminalidade e violência, não dependem apenas da economia, mas também, do tamanho das gerações. O maior ou menor volume de pessoas não responde sozinho pela variação desses índices, mas é preciso observar, por exemplo, uma maior incidência de crimes em populações onde jovens adultos são relativamente numerosos (EASTERLIN, 1987). A questão não recai sobre o maior volume populacional em si, mas

33 No original: “If one is lucky enough to be born when the national birth rate is low – to come from a small

generation – then one may look forward to a relatively bright future. If one has the misfortune of being a b f g g h ’ f g y ”.

sobre a menor oferta de oportunidades experimentadas por essas grandes coortes. A falta de emprego, por exemplo, seria uma das causas do aumento da criminalidade.

Há na história das populações diferentes relatos sobre como essas grandes coortes impactaram suas respectivas sociedades. Segundo Wriggins (1988) a geração resultante do

baby-boom enfrentou dificuldades de inserção no mercado de trabalho e desapontamento com

o sistema educacional e político, e que por isso, estaria associada ao surgimento de movimentos liderados por jovens. O autor cita o caso do Sri Lanka no final dos anos 1970 e de Taiwan no início da década de 1980. Madeira e Bercovich (1992) citam o caso da China, que naquele ano atravessava o auge de uma onda jovem. Weeks e Fugate (2012) recordam os diferentes episódios da “primavera árabe” deflagrada em 2011. Em um trabalho comparativo das descontinuidades demográficas e das ondas jovens entre Brasil e Argentina, Bercovich e Massé (2004) apontam que apesar das diferenças no timing, a queda da mortalidade e a queda da fecundidade desafiaram o setor público dos dois países quanto ao crescimento dos grupos etários mais envelhecidos.

As demandas da “onda dos grisalhos” começam a surgir conforme as coortes mais largas ascendem na pirâmide, isto é, quando a onda jovem começa a envelhecer. Contudo, antes, o crescimento repentino das coortes aumenta a pressão nos setores educacionais e no mercado de trabalho. Ao longo do tempo, mudam-se as necessidades de uma coorte especialmente ampliada, e é essa característica que se coloca como um dos principais desafios para a gestão pública ao ter que considerar essa peculiaridade da dinâmica demográfica na elaboração de políticas públicas.

Bercovich (2004) destaca a importância de a agenda pública estar atenta à ascensão dessas largas coortes na pirâmide populacional, devido às mudanças nas demandas geradas por esses grupos. Rigotti (2012, p. 468), em trabalho sobre a Transição Demográfica, ao introduzir a perspectiva geracional e de coortes, indica que:

Nesse sentido [do planejamento na área educacional] a evolução do tamanho relativo das coortes revela muito sobre as fases de desenvolvimento de países e regiões, ao mesmo tempo em que também determina o esforço necessário para o pleno atendimento escolar. […] O capital humano corrente é, sem dúvida, fruto das escolhas e ações passadas, assim como, o fortalecimento e o desenvolvimento das nações só poderão ser atingidos se os investimentos do presente levarem em conta as perspectivas futuras. Sobre este aspecto a demografia tem muito como contribuir, sobretudo quando se considera que a sustentação da sociedade será mantida pelas crianças e jovens de hoje, ou mesmo por aqueles que sequer nasceram.

Tanto o trabalho de Bercovich (2004) quanto de Rigotti (2012) apontam para o fato de que, se não existe a sensibilidade à existência de uma descontinuidade ou de uma

coorte especialmente larga ou estreita, há uma grande chance de se elaborar uma política pouco eficiente ou pouco acurada. Segundo a autora, uma das vantagens em se trabalhar com o incremento do número absoluto de pessoas é fornecer subsídios para orientar políticas públicas (BERCOVICH, 2004).

Além das mudanças na estrutura etária e da atenção ao surgimento de coortes especialmente largas, a dinâmica demográfica coloca ainda outros dois desafios para a administração pública. Um deles seria o aproveitamento do chamado “bônus demográfico” – um momento populacional onde há menor proporção de crianças e idosos em uma população em relação à população de adultos. Esse momento pode ser entendido por alguns como “bônus”, pois segundo a literatura econômica, esta situação é propícia para a geração de riquezas e manutenção de poupanças. Outro desafio que se apresenta, já na fase final da Transição Demográfica, é o da efetiva redução do tamanho das populações. Quando a população de crianças – futuros adolescentes, jovens e adultos – começa a declinar e a sobrevivência de idosos começa a se prolongar, como administrar, por exemplo, os sistemas de educação? A próxima seção discute esses dois desafios.

2.3 A janela de oportunidades demográfica (ou “bônus”) e a redução populacional: