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Potenciais contribuições da Demografia para Políticas Públicas Educacionais

CAPÍTULO 2 – DEMOGRAFIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

2.4 Potenciais contribuições da Demografia para Políticas Públicas Educacionais

Teoricamente, aspectos demográficos podem aparecer mais claramente em três das sete fases37 que compõem o ciclo de vida de uma política pública: (1) a identificação do problema; (2) a formação de uma agenda das etapas da política e; (3) a avaliação dos resultados alcançados.

Na fase de identificação do problema, a Demografia geralmente se apresenta na forma de caracterização e quantificação da população-alvo, e responde quantos e quem são os que demandam por determinada medida pública. Rios-Neto; Martine e Alves (2009, p. 21) afirmam que é “no nível mais primário de formulação da política pública [que] interessa saber o tamanho da população para o país como um todo, ou para áreas geográficas mais desagregadas”. Os autores reforçam o fato de que a Demografia, ao permitir determinar o número absoluto de dada população, também embasa a construção de indicadores necessários para compreender o problema identificado. Torres (2005), em trabalho sobre problemas do uso de informações demográficas em escala local, também indica que conhecer o tamanho do público-alvo é fundamental para estimar o custo e os critérios de abrangência (cobertura) da política.

Para as políticas educacionais, as características da população-alvo são também importantes para a formulação de propostas mais acuradas. No caso, não apenas a quantidade de pessoas, mas a distribuição etária, a composição – se tem mais indivíduos do sexo masculino ou feminino, a distribuição espacial, a proporção de pessoas que trabalham e as

37 Secchi (2011) propõe um modelo de sete fases que envolveriam o ciclo de vida de uma política pública. As

etapas seriam: (1) a identificação do problema; (2) a formação de uma agenda; (3) a formulação de alternativas ao problema; (4) a tomada de decisão para resolver o problema; (5) a implementação das práticas definidas como solução; (6) a avaliação dos resultados e por fim; (7) a extinção da política. Por se tratar de um modelo, essa proposição não reflete necessariamente a dinâmica de toda e qualquer política pública.

condições econômicas das famílias são exemplos de características que podem ajudar a compor politicas mais assertivas.

Já na formação da agenda, as dinâmicas demográficas podem impor prazos devido ao tempo estimado em que as mudanças propostas devem ocorrer após a implementação da política pública. Nessa etapa, as noções de geração, coorte, expectativa de vida, taxa de crescimento e cenários de projeção são fundamentais para o planejamento das políticas. Para as políticas de educação, conhecer o ritmo de crescimento de determinado grupo populacional é necessário para estimar, por exemplo, a demanda por vagas em determinadas etapas do ensino. Também a perspectiva de curso de vida pode ser útil para se pensar a formação de agendas na área educacional. Conforme discutido anteriormente, a incorporação de pessoas em idades mais avançadas no horizonte das políticas educacionais pode contribuir, não apenas para o aproveitamento da janela de oportunidade demográfica, como também para o aumento da média de escolaridade de uma população com todos os benefícios potenciais: aumento da capacidade de discernimento, crítica, ponderação, diálogo e, quiçá, tomada de melhores decisões individuais e coletivas.

Por fim, assim como na fase de identificação, as técnicas e métodos demográficos também podem contribuir na fase de avaliação das políticas ao fornecer instrumentos para a construção de indicadores que verifiquem o sucesso, a eficiência e a acurácia da política (JANNUZZI, 2002; 2014; TORRES, 2005). Além do conhecimento sobre a dinâmica demográfica, as fontes de dados sobre população, como o censo demográfico e as pesquisas domiciliares são ferramentas úteis para a construção de indicadores de monitoramento das políticas. A interpretação de um indicador pode auxiliar na escolha de prioridades e nas decisões e rumos da política pública, uma vez que os recursos disponíveis geralmente não permitem atender a todas as demandas (JANNUZZI, 2002). De forma complementar, Torres (2005) aponta que essa ferramenta de análise também permite conhecer o objetivo não atingido, isto é, as pessoas que ficaram à margem da ação promovida pela política. As características desse grupo marginalizado somariam informações sobre os problemas ou vieses da própria política em sua fase de avaliação final. A questão acerca da construção de indicadores será tratada no próximo capítulo.

O esquema a seguir (Figura 4), extraído de Rios-Neto; Martine e Alves (2009, p. 24), “mostra a relação circular entre comportamento demográfico e políticas públicas”.

FIGURA 4 – Fluxo circular entre população e políticas públicas

Fonte: Chris Wilson. Research on fertility and the family: the challenges ahead. Powerpoint presentation apud Rios-Neto; Martine e Alves (2009, p. 24).

A Figura 4 ilustra os agentes e indica o sentido do processo da interação entre questões demográficas e políticas públicas. As políticas e as instituições (nível macro) interferem nas escolhas e no comportamento das famílias e dos indivíduos (nível micro). Essa interferência, em larga escala, reflete-se na dinâmica demográfica, que por sua vez baliza as tendências populacionais. Com base nessas tendências, elaboram-se as políticas sociais – dentre elas, as educacionais – observando-se o tamanho e a composição da população ou de segmentos específicos.

De todo modo, podemos também considerar a inversão do sentido das setas. Políticas públicas podem alterar ou mesmo reverter a direção das tendências populacionais, que em longo prazo serão verificadas por meio de mudanças nos indicadores demográficos. Transformações demográficas, por sua vez, podem modificar a forma como famílias e indivíduos se organizam, cujo comportamento pode alterar a maneira como instituições sociais e econômicas se constituem e operam.

Em ambas as interpretações do esquema apresentado na Figura 4, é preciso recordar o alerta deixado por Szmrecsányi (1999, p. 14), de que:

Essa disciplina [a Demografia], desde antes da sua implantação definitiva, tendeu frequentemente a ser encarada por seus praticantes como uma espécie de contabilidade biossocial, como um ramo do conhecimento matemático aplicado ao estudo das dimensões da repartição espacial e da estrutura por sexo e idade das populações humanas, bem como de suas alterações quantitativas através do tempo. [...] Trata-se, no fundo, de uma concepção pela qual a estatística demográfica é encarada como fulcro da análise dos processos populacionais, e que acaba levando a uma reificação e fetichização das dimensões numéricas dos fenômenos demográficos. [...] Com isto, tem-se tornado possível desvincular a Demografia das demais ciências humanas e sociais, transformando-a num simples ramo aplicado e subsidiário da matemática e/ou bioestatística.

A ressalva feita por Szmrecsányi (1999) indica uma apropriação, uma escolha de lente para leitura das estatísticas populacionais, que tanto é feita pelos próprios demógrafos quanto por administradores públicos.

Tendo em perspectiva as considerações feitas por Wunsch (2000), onde argumenta que a Demografia ocupa algum lugar entre filosofia e questões sociais, entendemos que os conhecimentos dessa disciplina podem ser melhor aproveitados pelos formuladores de políticas pública. Isso depende não apenas da vontade política dos gestores, mas, conforme já afirmou Torres (2005), de que o conhecimento e as técnicas demográficas se tornem mais acessíveis às secretarias e departamentos responsáveis por essas formulações.

A preocupação com a redução do conhecimento demográfico à mera contabilidade foi discutida no capítulo 1, onde também vimos que além da dimensão numérica, o uso das idades enquanto dimensão demográfica, é também um definidor das populações-alvo de políticas públicas. Ressaltamos ainda que essa definição, geralmente pautada na noção de padronização e linearidade do curso de vida, contribui para que as demandas por educação sejam subestimadas. Ao longo deste segundo capítulo, retomamos a discussão sobre as idades, variável demográfica fundamental ao lado do sexo, detalhando o processo de mudança da estrutura etária que em dado momento propicia a janela de oportunidades. Discorremos também sobre as implicações deste momento populacional para a administração pública. Sinalizamos os desafios colocados pela dinâmica demográfica em termos de redução populacional e como diferentes países tem lidado com essa situação. Por fim, indicamos que a Demografia pode contribuir na elaboração e avaliação de políticas públicas dada a natureza de suas fontes de dados e a capacidade de embasar tomadas de decisão fundamentadas em evidências.

A partir desse marco e discussão teóricos, procuramos exercitar essas formas de como o conhecimento demográfico pode ser aplicado na identificação de um problema e na construção de indicadores a partir de fontes de dados demográficos. Descrevemos no capítulo a seguir as fontes de dados e os métodos utilizados para que esse estudo possa contribuir para

a discussão acerca da demanda por educação no estado de São Paulo, a partir da proposta de reorganização escolar de 2015.