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No total trabalhamos oito aulas com essa turma. Nossas aulas eram basicamente divididas em: Leitura oral do texto, interpretação escrita (questionamentos) e estudo do tópico gramatical. Entregávamos aos alunos o material impresso e o recolhíamos ao final de cada aula, para evitar que se perdessem, e também para podermos acompanhar as atividades dos alunos. A divisão mencionada marca, a nosso ver, a maneira mais tradicional de se trabalhar as aulas de Língua Portuguesa.

A primeira impressão que tivemos da turma foi que os alunos eram “grandes” demais para uma sexta série, ou melhor, adolescentes demais para o texto escolhido para a aula.

Pensamos que os alunos não gostariam da história e por isso não seriam receptivos às atividades. Porém os alunos fizeram brincadeiras e até riram de determinadas situações do texto.

A professora da classe permaneceu na sala na maioria dos encontros, porém sem se manifestar, assim os alunos faziam perguntas ora para a ela ora para a nossa pessoa, o que não foi um problema. Aliás, a presença dela na sala foi de grande ajuda, já que, como previamente rotulada pelo diretor, a turma tem problemas de disciplina. Na ânsia de estabelecer uma boa relação com os alunos evitamos chamar suas atenções.

Na primeira aula foi trabalhado apenas o entendimento do texto “O burrico cantor” pela ótica dos alunos, ou seja, foram questionados sobre o que entenderam, se gostaram ou não, do que gostaram e do que não gostaram, além de um trabalho com o léxico do texto.

Discutimos o significado de algumas palavras previamente selecionadas e que esquematizavam as ideias do texto. Fizeram isso manipulando os versos do texto ora trocando as palavras por antônimos ora por sinônimos e fazendo as alterações necessárias.

A primeira aula constituía-se numa experimentação para decidirmos em qual turma seria realizado o trabalho com a atividade epilinguística, com esse intuito muitos direcionamentos foram dados de forma oral buscando um diálogo que nos aproximasse dos alunos. Como a turma era numerosa e em certos momentos indisciplinada optamos por trabalhar tradicionalmente com eles.

Verificamos que a professora titular faltava frequentemente às aulas, ficando com os alunos, uma professora substituta, que nem sempre dava conta de organizá-los.

Durante a resolução dos exercícios de interpretação confirmamos a hipótese de que entregar o material pronto aos alunos é bastante problemático. Os alunos não dispensavam tempo algum para reflexão sobre os questionamentos, também porque pouco se faz

necessário, visto que muitas “respostas” encontram-se no texto, consistindo numa cópia

sistematizada. Os exercícios que elaboramos foram baseados nos presentes no livro didático que utilizam.

Em momentos mais descontraídos de discussão sobre o texto os alunos levantavam pontos interessantes, mas que não cabiam nos exercícios de compreensão de texto. Por exemplo, quando apontavam que o personagem, por não gostar de trabalhar, deveria querer imitar outro animal, que não precisasse trabalhar, pois o canário trabalha, cantar é um trabalho.

Seguem abaixo as questões de interpretação que mencionamos:

2. Qual é o gênero textual da história? 3. Sobre a narrativa, responda:

a) Qual é o conflito?

b) Há uma mensagem no texto? Que mensagem é esta? c) Quem é o protagonista?

4. Reescreva toda a terceira estrofe começando por: “Eu não quero escapar dessa vida sossegada”

Mesmo não constituindo nosso interesse trabalhar com a interpretação de texto isso se fez importante por fazer parte da metodologia tradicional, usar o texto como pretexto para ensinar gramática.

O desempenho dos alunos na resolução dessas questões foi bem abaixo do esperado. A maioria das respostas ficaram incompletas, limitando-se a uma única palavra. A questão (4), por exemplo, não foi respondida inteiramente por nenhum aluno. Mesmo que o professor tenha atenção e esteja todo o tempo observando o trabalho dos alunos, não é possível que ele dê conta de tantas variáveis, pois quando trabalham sozinhos cada um tem o foco em algum ponto de interesse. Ressaltamos que isso não acontece no trabalho oral com o texto, sob tal método toda classe precisa estar atenta, portanto, toda a classe é participativa. Torna-se mais fácil observar aquele que está em dificuldades e ajudá-lo, bem como, aquele que não está participando e chamá-lo para a aula.

A partir do verso relacionado pela marca mas “Quando achou que estava pronto,

preparou-se para cantar,/ mas por mais que ele tentasse, conseguia só zurrar” iniciamos a

análise dessas orações. Para facilitar ainda mais simplificamos o verso: “Ele tentava cantar,

mas conseguia só zurrar”.

O material fotocopiado continha a explicação de tal conteúdo tendo como base teórica o texto de gramáticas tradicionais, como Cegalla (2005), Faraco, Moura e Maruxo (2007), e Bechara (2010). Segue abaixo o texto:

Æ Observe os versos:

“Quando achou que estava pronto, preparou-se pra cantar, mas por mais que ele tentasse, conseguia só zurrar!”

a) Que palavra liga os dois versos?

Mas é uma conjunção. Conjunção é uma palavra invariável que liga orações. Duas

ou mais palavras podem formar expressões que equivalem a uma conjunção, são chamadas: Locuções conjuntivas, por exemplo: mas também, assim que, e também.

As conjunções são classificadas de acordo com a relação de sentido que expressam. O mas é uma conjunção adversativa, pois expressa uma relação de adversidade,

oposição.

Æ Nos versos acima temos duas situações distintas:

Tentar cantar X só zurrar = tentar cantar é uma ideia oposta à só zurrar (quem zurra não canta)

(Quando achou que estava pronto, preparou-se pra cantar. Ele tentava, mas conseguia só zurrar).

É interessante a pouca atividade criativa dos alunos quando questionados durante as explicações e a leitura, todas as respostas eram citações do que estava escrito.

No primeiro conjunto de exercícios sobre a conjunção adversativa verificamos que, mesmo havendo diferentes possibilidades de sentido e de termos a serem usados, a única opção vista pelos alunos foi o uso do termo mas, visto que as respostas consistiam em cópias do texto impresso. Ficou comprovado, nessa aula, o quanto o trabalho com classificações e termos determinados limita a criatividade e o raciocínio dos alunos. Na outra turma com a qual trabalhamos várias outras formas de articulação das mesmas orações surgiram: só que, embora, apenas a vírgula, construções com verbos e negação.

Seguem abaixo os exercícios trabalhados com os alunos.

1. Reescreva as orações juntando os períodos: a) Esse livro é muito bom; Eu não gosto desse livro.

b) A taxa do condomínio está muito cara; Nós podemos pagá-la. c) Estou muito gripado; Vou à aula.

d) Ontem choveu; Hoje as ruas estão secas.

2. O E também é uma conjunção. Nas orações a seguir identifique o sentido que esta conjunção tem, se é o mesmo que o do mas ou não.

a) Costumava sair escondido e encontrar a namorada. b) Parecia muito bravo e falava mansamente.

c) Perdeu a hora e faltou ao trabalho.

Considerando o pouco aproveitamento nas respostas dos alunos, ratificamos a pouca relevância de se insistir na memorização de conjunções e classificações. Nesse caso, foram enfatizadas apenas as orações adversativas e aditivas, por meio das conjunções e e mas, nas

duas classificações e o resultado já não foi positivo. De modo que, não se pode esperar melhoras quando se apresenta todas as classificações de conjunções e de orações coordenadas, como não raro é feito nas aulas de Língua Portuguesa.

O segundo texto trabalhado foi “O castigo da preguiça”. Nesse momento, decidimos

solicitar aos alunos que copiassem do quadro os exercícios de interpretação, pois percebemos que era comum fazerem isso durante as aulas de Língua Portuguesa. Seguem abaixo tais questões:

1. Que tipo de texto é este (tipologia)?

2. Complete a frase como achar melhor: A rotina da vida dos personagens revela que eles moram no (a) ...

3. Qual é a intenção do burro ao entrar no rio?

4. Qual a descrição feita no texto sobre a carga de esponjas?

5. Como você acha que o burro era tratado pelo seu dono? Justifique com um elemento do texto.

6. Há um ensinamento, uma moral no texto. Qual é?

7. Como você age quando sente preguiça? Suas atitudes já prejudicaram alguém?

Nos primeiros exercícios os alunos responderam às questões de modo incompleto, porém não podemos dizer que totalmente incorretas. A questão sobre a tipologia textual levantou várias dúvidas no texto anterior, de modo que explicamos de que se tratava, dando a eles a resposta esperada. Quando se depararam novamente com a questão, as mesmas dúvidas surgiram, de modo que, novamente explicamos e demos a resposta, que era a mesma, pois os dois textos pertencem à mesma obra e, portanto à mesma tipologia. Mais uma vez fica comprovada a pouca eficácia de simplesmente se copiar respostas ou solicitar que leiam uma determinada definição no livro didático. Se não há trabalho linguístico, não há sentido em se memorizar uma definição.

Exercícios de vocabulário e gramática foram propostos:

1. Nos versos: “preguiçoso como era, ficou o burro emburrado/ e pensou em dar um

jeito de andar descarregado”.

a) Qual o sentido da palavra em negrito no texto?

b) Assinale a alternativa que apresenta a melhor opção para substituir descarregado no texto.

( ) carregado ( ) aliviado ( ) sem carga ( ) sem energia

c) Todas as opções dadas na questão anterior se aplicam à palavra “descarregado” em outros contextos? Explique sua resposta.

2. Observe este verso: “Coitado do camponês, viu-se de novo arruinado:”

a) Explique o significado da palavra arruinado neste verso?

b) Na frase: O palácio, depois da guerra, ficou arruinado. A palavra em negrito tem o mesmo sentido da do texto? Explique.

3. “O burrico, satisfeito, foi num passo bem macio,/ só esperando o momento de

enfiar-se lá no rio.”

a) Assinale a opção em que a palavra satisfeito(a) apresenta o mesmo sentido do texto:

( ) Maria estava satisfeita com a nota que tirara na prova. ( ) Pedro comeu o suficiente para sentir-se satisfeito. ( ) Apenas uma colher de mingau a satisfez.

( ) A menina sentia satisfeita após o almoço. b) Que sentido é este? Que palavra pode substituí-la?

Excetuando o exercício de número 1(c), o número de acertos foi maior que o de erros nesses exercícios. A questão 1(c) implicava diferentes usos da palavra “descarregado”, podemos atribuir tal inversão a pouca familiaridade que os aprendizes têm em relação à plasticidade das palavras. Dentre as opções fornecidas apenas uma delas não serviria em diferentes contextos à descarregado, tratava-se justamente do termo considerado seu antônimo -carregado. É interessante pontuar que essa foi a escolha de vários alunos em resposta à

questão (1b), em que deveriam assinalar um termo para substituir “descarregado” no verso

dado. Mesmo que três das quatro opções poderiam ser consideradas sinônimas, esperávamos como resposta o termo aliviado, que já aparecia no texto e por tratar de um poema soava melhor, por conta do ritmo.

Seguem abaixo as questões que trabalhavam o tópico gramatical:

1. Copie do texto os versos em que a conjunção adversativa MAS aparece.

3. Os versos “E meteu-se dentro d’água, novamente, sem aviso, / e deixou o pobre homem outra vez no prejuízo“, são ligados pela conjunção E. Neste caso o E é adversativo ou

aditivo? Explique sua resposta.

4. Na 13º estrofe há uma expressão que também tem valor adversativo. Qual é esta expressão?

5. Observe estes versos: “Uma esponja, quando seca, é bem leve, pesa nada, / mas, ao

encher-se de água, fica muito mais pesada!”

a) Como já estudamos, a conjunção adversativa relaciona ideias de sentidos opostos. Quais são as duas ideias que se opõem através do MAS nestes versos?

b) O sentido do verso seria o mesmo se fosse usado E no lugar de MAS? Por quê?

Diferentemente dos exercícios de vocabulário, nesses os alunos não apresentaram um bom desempenho. O baixo aproveitamento se deu por se tratar de questões que fazem referência direta às classificações estudadas, e, nesse momento, não apresentamos o texto da teoria gramatical. Novamente comprovamos a pouca eficiência em se rotular um termo, nesse caso a marca mas, de modo a restringir a sua atuação, pois isso simplesmente não acontece na língua.

O trabalho com a marca linguística assim realizado reforça a divisão entre léxico e

gramática, sendo considerada um “quase-signo”, conforme lembra Rezende (2000). Esses

quase-signos, além de esvaziados de significado se isolados de uma estrutura léxico- gramatical, são os responsáveis pela sintaxe, e, portanto, têm função relacionadora. A mesma autora lembra ainda que esse posicionamento traz um problema “insolúvel”, pois “as mesmas unidades fazem parte ao mesmo tempo do elemento a ser relacionado (léxico) e da atividade relacionadora (sintaxe)” (REZENDE, 2000, p.15). Assim, o ensino pautado sob essa crença na divisão entre léxico e sintaxe sempre deixará lacunas que não serão preenchidas pelos estudantes.

Na resolução dos exercícios percebemos que a maior dificuldade dos alunos é de justificar suas respostas, muitas vezes apontavam a direção certa, porém não conseguem exteriorizar o raciocínio empregado. Como poucos momentos nesse método de ensino são dispensados a ouvir o que os alunos pensam, escrever torna-se ainda mais difícil. A correção

em apenas dois polos “certo” e “errado” desencoraja a expressão do pensamento, mesmo que

para justificar gramaticalmente o emprego de um termo.