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3.2 METODOLOGIA

3.2.3 Descrição do corpus

CPV – Cantador que perdeu a vista – Este poema é de autoria de Elizeu Elias da Silva e foi escolhido em VENTANIA, Elizeu. O Rei das canções. Biblioteca Ney Pontes Duarte, Mossoró - RN, 1989. Nos seus versos está urdido o relato do triste acontecimento que marcou sua vida, a cegueira.

Conhecido como Elizeu Ventania, poeta popular cantador e cego, nasceu no dia 20 de julho de 1924, em Martins-RN. Começou sua trajetória como cantador em 1942, desempenhando sua sina. A beleza de seu canto e a riqueza de sua poesia fez dele um grande poeta cantador popular reconhecido, principalmente no Nordeste-BR. Fez diversos programas de rádio, apresentou-se na TV Verdes Mares de Fortaleza-CE, coligada com a Rede Globo, além de participar de festivais de violeiros do Nordeste. Chegou a gravar três LPs de canções, tornando-se, então, pioneiro nesse assunto. O poeta viveu muitos anos em Mossoró-RN, apesar de peregrinar por outras cidades do Nordeste-BR.

CVAMPC – O cego de Várzea Alegre e o milagre do Pe. Cícero. Este folheto de cordel foi coletado no acervo do PPLP/CCHLA/UFPB. Escrito pelo poeta cordelista e xilogravurista cearense Abraão Batista, foi lançado em 15 de outubro de 1977. Em vinte e oito estrofes de sete versos, o autor faz a narração da cegueira de João Teotônio de Carvalho, da cidade Várzea Alegre-CE, e do milagre atribuído a Padre Cícero Romão, de Juazeiro-CE, pela cura do cego. Conforme Batista (1977, p. 1) expressa, é “uma história de amor e devoção contando a capacidade da grande veracidade do Pe. Cícero Romão”.

Pode-se arguir que o cordel é considerado um gênero textual da Literatura Popular, herdada da tradição, e introduzido no Brasil, mais precisamente no Nordeste, por seus colonizadores.

Sobre Padre Cícero, Cícero Romão Batista, articula-se que nasceu no Crato- CE, em 24 de março de 1844. Ordenou-se presbítero em 30 de novembro de 1870 e estabeleceu-se, no arraial do Juazeiro, entre Missão Velha e Crato, em 11 de abril de 1872. Conforme Cascudo (2000, p. 103),

As populções do interior prestavam-lhe um verdadeiro culto religioso, venerando-o como um Santo, obedecendo suas ordens,

adivinhando-lhe predileções, simpatias e ódios. Padrinho de milhares e milhares de pessôas, era o meu padrim Pade Cisso suprema potestade indiscutível e indiscutida.

DCE – Os dois cegos e o engraçado – Este conto foi extraído de CASCUDO, Luís da Câmara. Seleta; organização estudos e notas do professor Américo de Oliveira Costa. 2. Ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1976, p. 47-48. Observem-se as palavras do pesquisador Cascudo (1976, p. 45) sobre os contos populares coletados por ele, provenientes da tradição portuguesa, enraizados e vivificados na cultura brasileira:

Ouvi, comentei e transmiti fielmente as estórias da velha Luísa Freire para que elas deem um elemento para a compreensão real e lógica do Homem no Brasil e mostrem no sabor da seiva portuguesa sua repercussão vital na memória coletiva da grande nação sul- americana.

A narrativa Os dois cegos e o engraçado é construída a partir da genuína criatividade do imaginário popular. Enquanto expressão artística do povo, este conto é uma das relíquias da tradição oral. É uma das Estórias da velha Luísa Freire, coletadas por Cascudo, (1976, p. 47-48). No discurso do conto, concebe-se uma analogia entre o que seria a realidade vivida por cegos pedintes, no seio da sociedade, e a poderosa criação mimética do poeta popular.

Seu enredo é abrolhado a partir da petição de esmola por dois cegos, na porta de uma igreja. Ao entrar, na igreja, um rapaz, metido a engraçado, finge dá uma esmola a eles. Cada um deles, não recebendo a esmola, fica pensando que o companheiro recebeu o patacão de prata de dois mil-réis e não quis dividi-lo; por isso, começa uma briga entre os dois cegos. No final, o rapaz ri deles e acaba doando-lhes a esmola.

LE – A luz e a escuridão – Canção de autoria de Gilberto Gil, cantor e compositor da Música Popular Brasileira. Retirada de CEGUINHAS DE CAMPINA GRANDE – PB. A pessoa é para o que nasce. Manaus: Sonopress, 2005. CD 1 sonoro. Ele compôs letra e melodia para homenagear as Ceguinhas de Campina Grande-PB. No ano de 2000, durante o Festival de Percussão Percpan, em Salvador-BA, apresentaram-se e receberam elogios dos músicos Naná Vasconcelos

e Otto. Lá, foram aplaudidas por quatro mil pessoas. Gilberto Gil, que conduziu o evento, mostrou-se emocionado com a apresentação das três irmãs.

O autor constrói o texto a partir da antítese que o título sugere. Num jogo dialético entre os termos opostos luz e escuridão, o discurso ganha forma numa linguagem figurada. As três irmãs, que nasceram marcadas pela cegueira, são, contudo, dotadas de um talento singular: são olhos que “veem pela luz dos corações”, conforme o compositor. A homenagem que o autor presta a elas merece louvor, visto que as coloca num patamar merecido, o das estrelas, as três irmãs são as Ceguinhas do coco, artistas de Campina Grande-PB.

MCC – Meu caminho é o céu – Quadra extraída de RIBEIRO, Domingos de Azevedo. Cantigas de Cego. João Pessoa, RIGRAFIC Editora Ltda, 1992, p. 27. Recolhida no município de Espírito Santo-PB, diz-se que esta quadra era cantada pela cega Belizária, nos 20 do século XX.

O discurso da quadrinha relata o agradecimento do cego pedinte àquele que lhe favorece com a esmola, o doador. Nele, o enunciador, o próprio cego, invoca Nossa Senhora das Dores para acompanhar o doador da esmola.

PCAZP – Peleja com Zé Pretinho – Peleja retirada do livro Eu sou o cego Aderaldo. Coordenação: Eduardo Campos; apresentação: Raquel de Queiroz. São Paulo: Maltese, 1994, p. 61-76. Classificada como peleja ou poesia de desafio, A Peleja com Zé Pretinho é considerada uma das mais apreciadas poesias de desafio. Nela, Cego Aderaldo, faz a narração da peleja que teve com Zé Pretinho, poeta cantador, piauiense, da qual sai vencedor. Conforme Cego Aderaldo (1994, p. 28), a peleja aconteceu em Varzinha, no Estado do Piauí, Nordeste do Brasil, em 1916. Segundo parecer de Raquel de Queiroz, no prefácio do livro Eu sou o cego Aderaldo, ele é o “último dos grandes cantadores”.

Aderaldo Ferreira de Araújo nasceu na cidade do Crato-CE em 24 de junho de 1878. Depois de perder a visão em um acidente, descobriu o dom da rima. Conforme sua informação, a descoberta aconteceu através de um sonho que teve em versos que teve. Peregrinou pelo sertão nordestino, fazendo rimas ao som de sua rabeca. Foi consagrado como um poeta popular cearense, destacando-se por seu raciocínio rápido e por improvisar rimas e repentes. Sua agilidade na arte de

versejar, na peleja com o poeta Zé Pretinho, o consagrou definitivamente. Aderaldo faleceu na cidade de Fortaleza-CE aos 89 anos.

Segundo Campos (2009, p. 260), Cego Aderaldo, na Peleja com Zé Pretinho, desconcerta ou vence seu adversário, quando:

Por fim, ante o desconcerto do rival, atira-lhe, por seu turno, com

versos de quebrar a língua: “Quem a paca cara compra,/ Cara a paca

pagará”, alterando de cada vez a ordem das palavras, até confundir por completo o antagonista, que não consegue “cantar a paca”.

VC - A virgem e o cego – Romance oral retirado de O Romanceiro Português e Brasileiro: Índice Temático e Bibliográfico. Organizado por Manoel da Costa Fontes, Madison, 1997, p, 290-291, obra publicada com o apoio do Instituto Camões/Portugal. Oriundos da tradição oral, os romances eram apreendidos, geralmente, como canções; todavia, a maioria dos informantes preferia recitá-los. A virgem e o cego são enquadrados entre os romances orais que têm, como função, um caráter religioso. Os Romances Sacros e os Romances de Cegos Popularizados foram considerados “as secções mais extensas”, consoante Fontes (1979, p. XL). Constituído por quinze versos divididos por hemistíquios, sua narrativa descreve o episódio da trajetória de Nossa Senhora, a Virgem Maria que, acompanhada por São José e o menino Jesus, no caminho para Belém, encontra um cego quinteiro.

4 ANÁLISE SEMIÓTICA DE DISCURSOS DE E SOBRE CEGOS