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Capítulo 2. Modelo do Ciclo de Vida Domiciliar e Mudança no Uso e Cobertura da Terra

2.1. Descrição e pressupostos teórico-conceituais

O Modelo de Ciclo de Vida Domiciliar (MCVD) complementa as abordagens demográficas entendidas na escala regional e as abordagens da antropologia, que se detinham ao nível local mas com pouca ênfase no quesito demográfico (PERZ, 2001). O MCVD considera que existe uma trajetória na unidade domiciliar que modifica a relação trabalho/consumo e que influencia a proporção da terra cultivada na propriedade. A relação de dependência, assim denominada, seria maior nos domicílios com mais adultos ou menos crianças, e permitiria maior alocação de trabalho para agricultura, portanto, áreas cultivadas mais extensas (THORNER; KERBLAY; SMITH, 1986; WALKER; HOMMA, 1996).

O MCVD prevê que os colonos chegam com famílias jovens, às vezes sem filhos, e se estabelecem na propriedade através do desmate de áreas com floresta primária. A estrutura etária deste domicílio é jovem (chefe do domicílio com menos de 30 anos e filhos pequenos), reduzindo a razão trabalho/consumo e demandando pequenas áreas alocadas para cultivo agrícola. Pressupõe-se que as famílias gastam boa parte de suas economias para viabilizar a migração, reduzindo o capital de investimento inicial. Assim, a cultura agrícola é a de ciclo anual, como arroz, feijão, milho e mandioca. Demandam mão de obra no preparo do solo e no plantio, mas não requer investimento alto e extensas áreas para suprir as necessidades de um domicílio jovem. É uma estratégia de baixo risco, com rápido retorno24 e pequeno investimento

(MORAN; BRONDÍZIO; VANWEY, 2005; PERZ, 2001; PERZ; WALKER, 2002; PERZ; WALKER; CALDAS, 2006).

O manejo agrícola das culturas anuais na Amazônia variam conforme a localidade, mas é em sua maioria baseado no sistema de corte e queima, uma técnica para contornar a frágil manutenção da fertilidade do solo na ausência da cobertura florestal. O sistema implica no abandono das áreas previamente cultivadas (período de pousio), para que num segundo momento a vegetação regenerada possa ser roçada e queimada como forma de preparo do solo

24 Os ciclos das culturas anuais (do plantio à colheita) variam conforme as variedades: mandioca varia de 300 a 540 dias; arroz varia de 110 a 155 dias; feijão varia de 80 a 100 dias; milho varia de 115 a 135 dias.

para o próximo ciclo25. Esse sistema requer a rotação de talhões sucessivamente. Então no período inicial do domicílio, de acordo com o MCVD, a floresta primária diminui em contramão ao incremento de culturais anuais e áreas de regeneração florestal (MCCRACKEN et al., 1999; MORAN; BRONDÍZIO, 1998; PERZ; WALKER, 2002).

Conforme se avança na escala temporal, a idade do chefe domiciliar aumenta, assim como a média da idade dos filhos, o que intensifica a razão trabalho/consumo e permite a expansão das terras cultivadas. Neste momento, além do acúmulo de terra já desmatada, os colonos já adquiriram experiência com as práticas locais e com a dinâmica do bioma amazônico, e os filhos já contribuem com as tarefas familiares. A aquisição de crédito ou contratação de mão de obra se tornam viáveis, assim como a possibilidade de inserção no mercado através da implementação de culturas com retorno econômico. Essas mudanças alterar a percepção de risco por parte dos colonos. Portanto, no MCVD, domicílios mais envelhecidos se associam a propriedades com menos floresta primária e mais terra alocada para pasto e espécies perenes, em paralelo à redução das áreas com cultivo anual (PERZ, 2001; PERZ; WALKER, 2002; PERZ; WALKER; CALDAS, 2006).

Nos lotes gerenciados por domicílios mais envelhecidos, a proporção das culturas perenes e pastagem depende da permanência de seus filhos no lote rural. A segunda geração proposta no modelo seria pequena, em convergência à fecundidade urbana, com predominância de unidades nucleares. O modelo sugere a evasão da segunda geração do domicílio parental, com especificidades de gênero. As mulheres seriam mais propensas a sair da casa para estudar ou casar, compensando a razão de sexo da unidade domiciliar pelas futuras noras (MORAN; BRONDÍZIO; VANWEY, 2005; MORAN; MCCRACKEN, 2004). Com isso, domicílios envelhecidos com pouca força de trabalho optam pela produção de pecuária, enquanto que domicílios com maior disponibilidade de mão de obra optam por produção perene.

Os domicílios envelhecidos com mão de obra disponível são propensos ao investimento de risco, que demanda capital inicial para aquisição das sementes ou mudas e requer força de trabalho para plantio, manutenção e colheita (PERZ, 2001; PICHÓN, 1996). O cultivo perene (como café, cacau, coco e pimenta) inicia sua produção anos após o plantio26, estando exposta a riscos no período, como ataque de pragas e doenças, ou mesmo dano por queimadas. A cultura perene é considerada uma atividade de alto risco, embora traga grandes vantagens econômicas

25 A queima do resíduo vegetal roçado repõe no solo os nutrientes fundamentais para as espécies vegetais, transformando rapidamente o nutriente na sua forma orgânica para mineral, disponível para assimilação das plantas.

26 Os ciclos de produção das perenes variam conforme as espécies. No caso do cacau o ciclo inicia-se aos seis anos, atingindo seu potencial produtivo aos 35 anos, podendo ultrapassar 100 anos (Relatório Embrapa).

por serem mais valorizadas no mercado (MORAN; MCCRACKEN, 2004). O plantio de espécies perenes também tem vantagens ambientais, pela melhor condição em conservar o solo e manutenção dos recursos hídricos na propriedade (SERRÃO; HOMMA, 1993).

Os domicílios envelhecidos com pouca mão de obra disponível optam pela produção de pecuária. O investimento inicial é alto em função da aquisição do gado, em contrapartida, a pastagem agrega valor à terra27 e o rebanho incrementa a reserva de capital. Em poucas situações o gado contribui para a renda mensal domiciliar, na maior parte das situações é uma reserva de valor, análoga a uma poupança, que pode ser usada em momentos de crise, doenças por exemplo (PERZ, 2001; PERZ; WALKER, 2002; PERZ; WALKER; CALDAS, 2006; PICHÓN, 1996; VANWEY et al., 2007). O custo de manutenção refere-se aos cuidados do animal (como vacinas) e o manejo da pastagem, que também necessita de rotação e pousio para o crescimento das gramíneas. Nesse sistema extensivo de produção, o aumento do rebanho e da produção é dependente do incremento da área disponível para pastagem, o que atrela a pecuária as extensas áreas com pasto (em média, 1 hectare para cada cabeça de gado). Por consequência, a pastagem intensifica o desmatamento da floresta e a conversão de áreas agrícolas anuais em pastagem (PERZ; WALKER; CALDAS, 2006).

O esforço pioneiro em construir este referencial conceitual proveio de Robert Walker e Alfredo Homma (WALKER; HOMMA, 1996), e posteriormente adaptado em modelo esquemático por um conjunto de pesquisadores (MCCRACKEN et al., 1999). O esquema, apresentado na Figura 2.1, considera cinco estágios do domicílio de acordo com a estrutura etária dos membros domiciliares e a duração de residência, e que se associam a formas predominantes de uso da terra. A tendência no tempo é o aumento na mão de obra disponível e estabilização das necessidades de consumo (MORAN; BRONDÍZIO; VANWEY, 2005). Denominado de location, cada estágio tem um conjunto de fatores que o define, conforme informado a seguir (PERZ; WALKER, 2002; PERZ; WALKER; CALDAS, 2006).

Estágio 1 (menos de 5 anos de residência): pais jovens com filhos jovens, desmatamento e culturas de baixo risco (anuais).

Estagio 2 (5 a 10 anos de residência): pais com crianças crescendo, ainda produzindo anual, já reduzindo desmatamento e investindo em culturas de alto risco (perene e pastagem)

Estagio 3 (10 a 15 anos de residência): pais pouco envelhecidos com crianças adolescentes, declínio de culturas de baixo risco e mais investimento em gado

Estagio 4 (15 a 20 anos de residência): pais envelhecidos e crianças alcançando estágio adulto, mantendo a produção de gado e implementando produção de perenes.

Estagio 5 (mais de 20 anos de residência): os pais coordenam a propriedade em conjunto com seus filhos ampliando áreas de culturas perenes e reduzindo pastagem/ os pais coordenam a propriedade sozinhos após saída dos filhos, mantendo áreas de pastagem e reconstituindo áreas para culturas anuais de subsistência.

Figura 2.1. O modelo de ciclo domiciliar e as trajetórias de uso e cobertura da terra

Fonte: McCracken et al., 1999.

Com objetivo de verificar a validade deste modelo teórico, diversos projetos de pesquisa foram concebidos e trabalhados através de surveys. A obtenção de informações sobre domicílios (e seus membros) e sobre a propriedade (e seus usos) foram aplicados em diversas análises estatísticas. A seguir, apresenta-se alguns resultados enfocando nos estudos realizados na Amazônia brasileira para refletir sobre os efeitos da dimensão demográfica no uso e cobertura da terra.