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Descrição das operações mentais (ii)

4 A TEORIA DE REUVEN FEUERSTEIN

4.3 O Processo Cognitivo e o Ato de Aprender: funções Cognitivas

4.3.7 Descrição das operações mentais (ii)

Pensamento Lógico

Como bem explicita Piaget e Inhelder:

A faculdade de pensar logicamente nem é congênita nem está pré-formada no psiquismo humano. O pensamento lógico é o coroamento do desenvolvimento psíquico e constitui o término de uma construção ativa e de um compromisso com o exterior, os quais ocupam toda a infância. (PIAGET e INHELDER, 1988, p.32).

Mas o que é pensar logicamente?8 Para Piaget (1958), a reversibilidade caracteriza o pensamento lógico e, nesse sentido, podemos dizer que o pensamento lógico compara, seria, classifica, constrói relações de causa e efeito e estabelece

8Segundo Piaget, a lógica se desenvolve no período operatório concreto, quando a criança é capaz de construir agrupamentos reversíveis, organizando os objetos representados em grupos (classificação e seriação).

hipóteses, inferências, formando representações flexíveis, abrangentes, capazes de apreender e elaborar a realidade. Uma vez que a ordem criada pelo pensamento lógico entre as coisas tem um fundamento reversível e flexível, esta é a grande diferença entre o pensamento lógico e o pensamento intuitivo que tem como característica a falta de flexibilidade (Piaget, 1958). No entanto, Piaget (1958) vai mais além e distingue o pensamento lógico do período operatório concreto, do pensamento lógico do período operatório formal:

§ pensamento lógico do período operatório concreto é responsável pela

construção de regras específicas e dependentes do contexto concreto. Já o pensamento lógico formal é responsável pela construção de regras simbólicas e gerais.

Apesar de baseados na lógica, o pensamento lógico formal se distingue bastante do pensamento lógico concreto, porque baseia-se em regras explicitamente proposicionais, em enunciados de estrutura lingüística. Basicamente, o pensamento lógico "concreto" estabelece regras concretas sobre as coisas, e o pensamento lógico "formal" formaliza as regras e as constrói sobre uma estrutura lingüística proposicional (Piaget, 1958). Um organiza o cotidiano em nível concreto, já o outro organiza a realidade sobre o plano abstrato dos enunciados e regras formais.

Piaget pensava ser a lógica formal uma aquisição natural da estrutura cognitiva, mas esta posição foi contestada por vários pesquisadores da atualidade, tais como Ceci (1990), Pinker (1998), Gardner, Kornhaber e Wake (1998) e outros. Parece-nos que a lógica formal é um produto tanto do desenvolvimento da lógica "concreta", como da escolarização que tem por fim impulsionar a um pensamento mais abstrato e formal (ver LURIA, 1990, CECI, 1990).

Como vimos anteriormente, o pensamento lógico concreto se demarca como a capacidade do pensamento em agrupar (associar, reverter, compensar, incluir, etc.) e organizar os elementos do real de forma flexível, reversível, estabelecendo regras para seus agrupamentos e ações. Nosso estudo sobre as operações mentais anteriores explicita melhor os fundamentos da operação lógica concreta, já que este pensamento

se caracteriza como a soma da confluência de todas as operações já citadas e tornadas reversíveis. Entretanto, quase nada falamos da lógica formal. Busquemos entendê-la através de explicações da Lógica, enquanto ramo da Filosofia.

Do ponto de vista da Lógica, há várias explicações sobre as mais diversas situações ou fenômenos do mundo. Quando alguém, em seu objetivo de explicar os fenômenos, cria uma explicação, sua comunicação se dá através de um enunciado (MARITAIN, 1994). Como exemplo de enunciado, temos:

§ "Todo guarda-chuva é preto".

Estamos a todo momento criando enunciados sobre a vida, sobre as coisas, ou seja, sobre os fenômenos que nos cercam. Relembremos que o pensamento lógico formal se alicerça exatamente sobre as proposições e a base das proposições, por sua vez, são os enunciados, formadores de uma argumentação.

§ Proposição = conjunto de enunciados.

Os enunciados carregam, implícita ou explicitamente, uma relação de causa e efeito. Assim, se eu digo que "todo tubarão é perigoso", algo me propiciou concluir, ou seja, algo causou esta conclusão. Entretanto, essa relação de causa está encoberta, escondida. Muitas vezes o indivíduo que produz um enunciado sabe a causa, mas não faz questão de torná-la explicitada. Os enunciados produzidos no dia-a-dia têm esse caráter de informações implícitas e complexas, mas os enunciados da lógica formal são formados pelo caráter objetivo, com informações bem claras e precisas e com seqüência linear (MARITAIN, 1994). A argumentação, base do pensamento lógico formal, necessita de tais requisitos da objetividade e sistematização para ser argumentação. Temos assim, a primeira condição da lógica formal:

§ Pensar formalmente, em sua base, é pensar através de argumentos.

Podemos dizer que um argumento é uma combinação de enunciados onde uma conclusão pode ser tirada através da relação entre esses enunciados:

§ Conclusão = relação formal entre os enunciados.

Os enunciados iniciais que relacionam-se entre si são chamados de premissas. Um argumento, pois, define-se pela construção de premissas e a produção de uma conclusão.

Por sua vez, os argumentos se dividem em dois grandes grupos: os argumentos dedutivos e os argumentos indutivos. Esses dois grupos dividem-se em função do objetivo específico de cada tipo de argumento: o argumento dedutivo estabelece uma conclusão a partir da relação entre as premissas, onde a conclusão não deve ultrapassar as informações disponíveis pelas premissas. Já o argumento indutivo estabelece uma conclusão a partir da generalização das premissas, que ultrapassa as informações dadas pelas premissas. Entendamos o processo.

Existem duas regras fundamentais para a argumentação dedutiva e para a argumentação indutiva, segundo Salmon (1981).

Argumentos dedutivos:

§ Sendo as premissas verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira.

§ Toda compreensão obtida na conclusão já deve estar embutida nas

premissas.

Argumentos indutivos:

§ Mesmo que todas as premissas sejam verdadeiras, pode ser que a conclusão

seja falsa.

Ainda com relação à diferença entre os dois tipos de argumentos, na dedução o importante é confirmar a premissa e já na indução o importante é produzir uma nova conclusão, mais abrangente ou mais precisa. Quando se argumenta dedutivamente, o importante é que se valide a premissa inicial; quando se argumenta indutivamente, o importante é que se produza uma verdade parcial na conclusão, através das premissas. (ver Carrilho, 1994) sobre a importância da indução no procedimento científico.

Tornemos claro. Alguém pode argumentar o seguinte:

Premissa 1: Todos os pássaros são maus.

Premissa 2: Todos os maus são vermelhos.

Conclusão: Todos os pássaros são vermelhos.

Sabemos, pelo conhecimento de mundo, que os pássaros não são maus, muito menos que todos os pássaros são vermelhos. Estes enunciados não têm validade empírica, frente à realidade. Entretanto, há uma validade comprovada na relação entre as premissas e a conclusão, uma vez que as premissas estão em relação perfeita com a conclusão, não do ponto de vista da verdade, da evidência observacional, mas do ponto de vista da estrutura lingüística, da forma proposicional em que foram construídas. Os argumentos dedutivos enquadram-se exatamente neste modelo. Portanto, no argumento dedutivo não está em questão diretamente a validade empírica, mas sim a validade estrutural dos enunciados. E por quê? Porque o processo dedutivo se encontra no máximo da abstração, onde a relação entre os termos é mais importante que o conteúdo que eles transmitem. O conteúdo perde em importância para a forma. (LEFEBVRE, 1979).

Entretanto, é bom que se diga que a argumentação dedutiva pode ser – assim como é – usada para formalizar premissas baseadas em evidências objetivas. Daí, inclusive, o motivo pelo qual a ciência amplamente busca organizar dedutivamente observações empíricas.

Se alguém abre um saco, pega alguns elementos desse saco e constata que todos são brinquedos, baseado em evidências objetivas, pode generalizar que o saco é de brinquedos. Note-se que a pessoa manipulou apenas alguns elementos do saco, em alguns pontos importantes, e generalizou que todo o saco deveria ser de brinquedos. Tem-se que:

§ Premissa: Alguns elementos do saco são brinquedos, em pontos diferentes

do saco.

§ Conclusão: O saco é composto em sua totalidade por brinquedos.

Note-se que a conclusão supera a premissa, como foi dito anteriormente. A indução extrapola a premissa, enquanto a dedução confirma a premissa.

Retomando as Operações Mentais, objeto de nosso estudo aqui neste item, vamos continuar na mesma linha de orientação descritiva e apresentar as operações mentais que consideramos especificamente dentro do pensamento lógico: o pensamento hipotético-inferencial; o pensamento transitivo; o pensamento analógico e o pensamento silogístico.