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A metodologia adotada privilegiou as falas das mulheres negras pesquisadas através das entrevistas por oferecer maior possibilidade de compreender as diversas experiências e situações que aparecem no decorrer dos depoimentos. O critério utilizado para a escolha dos sujeitos a serem entrevistados foi ser referência de atuação no contexto de organização social e política da população negra araraquarense. Desta forma, expuseram seus sentimentos, seus envolvimentos sociais e culturais, suas experiências com discriminações, preconceitos e racismo. O base que orientou a dinâmica dos depoimentos das mulheres negras foi a indagação sobre sua juventude, o movimento social negro, os fatos e lugares marcantes, a escola, a educação, a formação, as dificuldades e perspectivas. No momento dos depoimentos as lembranças afloram e muitas delas foram comuns às entrevistadas, mas cada uma com a sua particularidade de ter vivido. Para Bosi (1994, p. 55):

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, “tal como foi”, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual.

Entre as falas e o ouvir dos relatos despontam várias categorias. Na interpretação dos dados colhidos considerei pertinente o diálogo com os conceitos de experiência, que surgem espontaneamente no ser social e refletem a sua relação com o mundo (TOMPSON, 1981), compreendido como condição a identidade étnico-racial individual e coletiva. Na análise dos dados adquiridos, a concepção Afrodescendência (CUNHA JÚNIOR, 2007) buscou evidenciar o significado das práticas identitárias na elaboração de estratégias sociais e modo de vida. Nesse caminho a identidade é ressaltada não como algo dado, mas construído por determinadas condições e elementos históricos e culturais, sua eficácia é tanto maior quanto mais estiver associada a uma dimensão emocional da vida social (ALBANO, 1999).

A partir da consciência identitária, isto é, a construção em torno do conhecer e aceitar a sua origem étnico-racial, compreendendo a dimensão de fazer parte de um grupo que contribui positivamente na autoestima, nossas informantes compõem um “coletivo de

mulheres negras” empoderadas, tornando as suas atuações um campo de formação política para si e para a população afrodescendente que faz parte de seu convívio através da troca de experiências que desencadeia na formação de consciência da situação real em que se encontra a população negra em níveis internacional, nacional e local. As mulheres negras pesquisadas são protagonistas no encaminhamento de diversas proposições junto ao poder público do município de Araraquara para a viabilização de questões de interesse da comunidade negra.

A escolha teórico-metodológica foi a história oral, a partir da qual procurei compreender a memória, as lembranças das mulheres negras através de seu ativismo. Como se refere Durkheim (1968), a memória é expressão das representações, comportando desse modo, saber e experiência. Portanto, trabalhei a memória tendo como prioridade a atuação de mulheres negras com o intuito de mostrar o quanto são representativas e significativas para o processo de conscientização étnico-racial, construção e manutenção dos movimentos sociais negros.

O desenvolvimento metodológico deste estudo aconteceu em períodos distintos como: revisão da literatura, leituras de publicações referentes ao tema (que são poucos), seleção dos sujeitos dentro de um grupo de familiaridade, isto é, um conhecimento prévio da pesquisadora, e através de indicação realizada pelas próprias mulheres negras, pesquisa de campo, sistematização e análise dos dados. Esse trajeto foi a maneira utilizada para saber qual foi o marco para articulação dessas mulheres negras, o que as manteve no ativismo e os efeitos de suas práticas nos diferentes contextos. A técnica de pesquisa utilizada para obter os depoimentos foi através das entrevistas gravadas com o auxílio do gravador (QUEIROZ, 1998), para não se perder nenhum vestígio do ato de lembrar:

Ao colher um depoimento, o colóquio é dirigido diretamente pelo pesquisador; pode fazê-lo com maior ou menor sutileza, mas na verdade tem nas mãos o fio da meada e conduz a entrevista. Da “vida” de seu informante só lhe interessam os acontecimentos que venham se inserir diretamente no trabalho, e a escolha é unicamente efetuada com este critério. Se o narrador se afasta em digressões, o pesquisador corta-as para trazê-lo de novo ao assunto. (QUEIROZ, 1988, p. 21).

Assim, procurei trabalhar com entrevistas semi-estruturadas a partir do roteiro elaborado flexível que não as impediu de relatarem diferentes fatos importantes em suas vidas, sendo composto de uma variedade de perguntas norteadoras e relevantes à pesquisa, na reconstrução da trajetória das mulheres negras no contexto das décadas de 1970 a 2010. Antes de ocorrer as entrevistas foi realizado um contato prévio com as mulheres negras, sujeitos da

pesquisa, para agendamento de acordo com suas disponibilidades de tempo em relação ao dia, local, horário e a escolha do espaço de sua preferência para realização desta. Esta primeira impressão não impediu que ocorressem mudanças de última hora na agenda de algumas delas devido aos imprevistos cotidianos. Em sua maioria, as entrevistas foram realizadas em suas casas, ou em lugar comum a elas. Todas as entrevistadas se preocuparam em oferecer comodidade e tranquilidade para este momento. Mesmo assim contamos com a interferência de alguém da família, mas nada que não conseguíssemos resolver.

Cabe ressaltar o importante papel da história oral para a compreensão acerca da trajetória ativista identificada nas narrativas das mulheres negras sujeitos fundamentais desta pesquisa – objetivo desta investigação. Sendo assim, construí o perfil biográfico dessas mulheres negras, identificando principalmente seu ativismo.