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2 MEMÓRIA COMO RECONSTRUÇÃO

2.4 Desdobramentos dos estudos de Bartlett

Bartlett enfatizou o processo de transformação do conteúdo rememorado ao longo do tempo, descartando os critérios de acurácia e distorção vigentes nos estudos de sua época e valorizando o processo de construção de significados a partir da volta dos sujeitos aos seus próprios esquemas. Temos na literatura indícios de que as inovações metodológicas e as propostas teóricas tal como concebidas, influenciaram muitos pesquisadores tanto da área de Psicologia, como Northway (1936), que estendeu o conceito de esquema para o processo de aprendizagem; Maxwell (1937) que utilizou o método de reprodução repetida para identificar diferenças nas rememorações de grupos sociais distintos e Nadel (1937) na Antropologia, utilizando o método de reprodução repetida para identificar como crianças de duas tribos Nigerianas rememoravam histórias. Apesar disso, encontramos três pontos principais de críticas e extensão da proposta de Bartlett. O primeiro diz respeito às críticas e reapropriações do conceito de esquemas; o segundo versa sobre os aspectos metodológicos utilizados por Bartlett; o terceiro é referente ao processo de volta da pessoa aos seus próprios esquemas.

Dentre as propostas teóricas abordadas por Bartlett, temos no conceito de esquemas um ponto de atenção gerador de críticas e reapropriações. Alguns pesquisadores , como Roediger (1980) e Brewer e Nacamura (1984), consideraram o termo como deliberadamente abstrato e após o lançamento de Remembering (Bartlett, 1932), houve um movimento de apropriação seletiva do termo “esquemas” para atender às demandas dos estudos computacionais nas ciências cognitivas.

Este processo, ao reorientar o conceito original, o enquadra em concepções divergentes às de Bartlett. Por exemplo, Oldfield (1954), um dos alunos de Bartlett, adaptou o termo esquemas para a metáfora da mente como um computador que armazena informações, caracterizando-o como a maneira de recodificar os elementos na mente. Seguindo passos semelhantes, Neisser (1967) fez analogias entre esquemas e programas de computador, que correspondem às instruções a partir das quais o computador funciona, compreendendo metaforicamente a rememoração como o ato de remontar um esqueleto de dinossauro. Nessa última abordagem esquema foi separado do lugar ativo e em desenvolvimento não havendo a unidade entre o nível Psicológico e a pessoa (Wagoner, 2015).

Em meados da década de 1970, outras apropriações do termo foram feitas, como por exemplo Schank and Abelson (1977), que utilizaram a noção de esquema para representar uma estrutura estereotipada (convencional) de conhecimento sobre eventos cotidianos, que eles denominaram script (Mesoudi & Whiten, 2004). Em outras palavras, é a organização

corriqueira de atos, para que determinada atividade central ocorra. Ir ao cinema, por exemplo, exige atos gerais, como, sair de casa, entrar no shopping, escolher o filme, comprar o bilhete, entrar na sala, assistir ao filme. A ação menor de comprar o bilhete, exige, por sua vez, ir para a fila, esperar a vez, escolher o filme desejado, abrir a carteira, pagar.

Mandler e Johnson (1977), utilizando também a metáfora da hierarquia das informações, apropriam-se da noção de esquemas para se referir a uma representação interna e idealizada das partes de uma história e sua organização. O participante leitor criaria expectativas a respeito das partes de uma história e isso facilitaria a codificação e evocação da história. Estes pesquisadores analisaram a história mítica trabalhada por Bartlett (A guerra dos fantasmas) a classificando como uma história ruim que propiciaria omissões. Nesta análise os pesquisadores não consideraram as sucessivas transformações do material rememorado, categorizando o que não estava de acordo com a história, como omissão.

Porém uma das principais críticas a Bartlett recai na falta de sistematização de sua abordagem, fazendo deste aspecto uma das fraquezas metodológicas deste pesquisador (Wagoner,2009; Kintsch,1932). Uma dessas críticas veio de Gauld e Stephenson (1967) que atribuíram a noção construtiva da memória ao procedimento de pesquisa e não aos processos mentais. Esses autores, acreditavam que uma das falhas de Bartlett estava na qualidade das instruções dadas aos participantes de pesquisa, estimulando-os a reconstruir a história muito mais do que a reproduzir de forma acurada o material oferecido para rememoração. Em resposta a algumas dessas críticas, Bartlett (1960) não negou que algumas circunstâncias cotidianas exigem a recordação literal de materiais, como em exames escolares, mas ratificou que, na maioria dos casos de recordação, o passado é usado para interpretar o presente e, nesse sentido, a memória seria reconstrutiva, adaptativa e não reprodutiva.

Outras críticas metodológicas vieram das dificuldades de replicar o método de reprodução repetida devido a falta de sistematização, apesar da tentativa de fazê-la. Isso porque, o estudo da memória estaria relacionado ao transcorrer do tempo em dias, semanas, ou mesmo anos, mas Bartlett não sistematizou todas as etapas de seus métodos, dificultando réplicas por outros pesquisadores (Wagoner, 2009, p.109).

Diante dessas questões Bergman e Roediger (1999) sugeriram a sistematização para o método de reprodução repetida para que ele pudesse ser replicado. Utilizaram a divisão do texto a guerra dos fantasmas nas 42 proposições sugeridas por Mandler e Johnson (1977) e estabeleceram os intervalos de tempo entre as rememorações. Com essas etapas definidas, foram capazes de associar as proposições da história mítica às proposições escritas pelos participantes, atribuindo-lhes o critério de acuradas ou distorcidas.

Dizemos, por fim, que apesar de Bartlett ter encontrado na maneira de se virar em torno dos esquemas, o processo central da rememoração, devido à pouca sistematização de seus métodos, não nos permitiu analisar o processo momento à momento para identificação de como as pessoas rememoram. Este ponto transformou-se em mais um ponto de crítica e também em uma oportunidade de novas pesquisas na área, como as que vemos atualmente em Varela (2011), que utilizou as adaptações metodológicas de Bergman e Roediger (1999) para identificação do papel auxiliar de pares sociais no processo de rememoração e Wagoner e Gillespie (2013), que utilizaram a adaptação metodológica feita por Bergman e Roediger para a identificação de mediadores socioculturais da memória a partir do texto A guerra dos fantasmas, caracterizando a forma mediada a partir da qual as pessoas voltam aos seus próprios esquemas. Sobre este estudo, ao qual estamos diretamente associados metodologicamente, vamos abordar no tópico seguinte.