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5 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.2 Mediadores Primários

Em estudo anterior, Wagoner e Gillespie (2013) identificaram que a auto-reflexão é o caminho através do qual a pessoa volta aos seus próprios esquemas. No campo metodológico, a parte perceptível dessa movimentação é verificada quando os participantes externalizam expressões que sugerem mudança de perspectiva ou hesitação. Porém, verificaram que, entre a necessidade de lembrar e a auto-reflexão propriamente, estavam presentes mediadores socioculturais da memória, elementos de origem sociocultural que auxiliavam diretamente o movimento auto-reflexivo.

O referido estudo indica também que existe uma “tecelagem de experiência prévia e sentimentos de ler a história (imagens e gestos rítmicos) com as expectativas culturais familiares (coerência narrativa e dedução).” (Wagoner & Gillespie, 2013,p.15). Assim sendo, a experiência prévia e o sentimento de ler o texto estariam relacionados aos mediadores socioculturais da memória “imagens e gestos rítmicos”, já as expectativas culturais familiares estariam atreladas aos mediadores socioculturais “coerência narrativa e dedução”. Apesar da referência feita a esta relação, não houve a exploração, oferecendo a estudos posteriores, como o nosso, a tentativa de sistematização da associação de mediadores.

Nossa análise indica que, para nosso texto, com nossos participantes, os mediadores compreendidos por Wagoner e Gillespie (2013), como responsáveis pela reconstrução mnemônica através de uma reformulação em torno dos esquemas da pessoa que rememora, apareciam como que relacionados ou conduzidos por outros mediadores, correspondendo a

mediadores mais amplos, que diziam respeito (a) aos assuntos principais do texto, (b) aos aspectos autobiográficos e (c) a aspectos normativos da língua portuguesa.

Debruçamo-nos, então, na qualidade desses mediadores mais amplos para rememoração do nosso texto e percebemos que eles possuíam similaridades e diferenças em relação aos mediadores socioculturais da memória, como compreendidos por Wagoner e Gillespie (2013). Similaridades porque também são elementos que ajudam a reconstruir a memória em face da tarefa de rememorar, compondo assim, o processo de rememoração. Por este motivo, também consideramos o nosso achado como mediadores socioculturais da memória e para distinguir dos mediadores encontrados no estudo de Wagoner e Gillespie (2013), chamamos o nosso achado de Mediadores Primários.

O motivo dessa denominação ocorre porque os Mediadores Primários compõem o processo de rememoração aproximando os participantes do texto em questão e direcionando a ação de outros mediadores que favorecem a volta dos participantes aos seus próprios esquemas, tal como Wagoner e Gillespie (2013) identificaram. Neste ponto está a principal diferença entre o nosso achado e o dos referidos autores. Aos mediadores que favorecem a volta da pessoa aos seus esquemas, chamamos de Mediadores Secundários, uma vez que eles apareceram em nosso estudo guiados pelos Mediadores Primários. Utilizaremos as siglas MP (Mediadores Primários) e MS (Mediadores Secundários) para facilitar a identificação quando não utilizarmos as expressões “Mediadores Primários” e “Mediadores Secundários”.

Podemos ilustrar essa associação entre os Mediadores Primários e Secundários com um exemplo da dupla 01, que ao rememorar os procedimentos de crime (MP) durante o arrastão utilizaram o questionamento (MS) como mediador responsável pela reformulação de esquemas.

Dupla 01 – Rememoração 02 Mara - como é a história do carro?

Laura - sim, a história do carro é que eles ficavam esperando perto, nesse Chevrolet... num carro vermelho que eu não lembro mesmo se era Chevrolet mesmo.

Mara - uma parte do grupo entrava

Laura - como se fosse isso, assim. Eles tiraram a câmera de segurança da loja, saquearam a vitrine. Eu lembro que tinha alguma coisa que deixava pertences da corporação. Eu lembro que era alguma coisa do tipo assim. ( ...) saquearam as vitrines

Mara - roubaram as câmeras que estavam filmando. Laura - foi? E teve isso também?

Mara - teve. Ou não?

Laura - teve não, Mara, era só a câmera da polícia.

No exemplo vemos o envolvimento das duas participantes para reconstruir a ação dos assaltantes usando um carro vermelho. O exemplo ilustra o que a literatura diz do processo de interrupção do fluxo de pensamento (Wagoner, 2012). Inicialmente elas tem uma impressão geral sobre o que precisa ser recordado e disparam cronologicamente elementos para justificar essa impressão geral referente a um saque à loja (“tiraram a câmera de segurança da loja, saquearam a vitrine..”) . Em um segundo momento, verificaram se as suas disposições estavam adequadas usando o questionamento (MS) para isso. Esse processo evidenciou o ato de as participantes se voltarem aos seus próprios esquemas, porém observamos que elas não fizeram isso utilizando diretamente o questionamento. Antes, foi necessário o levantamento de um tópico específico para o qual elas deveriam dirigir a atenção. Sendo assim, temos os Mediadores Primários conduzindo a atuação dos Mediadores Secundários, ou, em outras palavras, o questionamento funcionou como Mediador Secundário (favorecendo a reflexão em relação ao que realmente pode ter ocorrido) e foi direcionado pelo Mediador Primário procedimentos usados em crimes.

A Psicologia Cultural a qual estamos filiados, compreende a ação humana orientada para metas em um tempo irreversível (Valsiner, 2012; 2014), nesse sentido, enquadramos esses direcionamentos oferecidos pelos Mediadores Primários como metas pontuais que buscam atender ao objetivo maior de cumprir a tarefa de rememorar o texto na íntegra. A função direcionadora dos Mediadores Primários permitiu que os participantes utilizassem Mediadores Secundários variados para atender a um mesmo mediador primário. Para ilustrar, tomemos novamente o exemplo dado acima da dupla 01, onde Mara e Laura reconstroem a cena do crime. Além do questionamento (MS) utilizado para as participantes se voltarem aos seus esquemas, conforme comentamos, percebemos também que Laura utiliza imagens (MS) com o mesmo objetivo: “como se fosse isso, assim. Eles tiraram a câmera de segurança da loja, saquearam a vitrine. Eu lembro que tinha alguma coisa que deixava pertences da corporação. Eu lembro que era alguma coisa do tipo assim. ( ...) saquearam as vitrines”. Tanto o Mediador Secundário imagem, quanto o Mediador Secundário questionamentos, estão mediando a rememoração direcionados pelo mediador primário procedimentos usados em crimes. Ambos foram utilizados direcionados pela necessidade de rememorar como o crime ocorreu, deflagrando que os Mediadores Secundários utilizam a atividade organizadora dos Mediadores Primários.

Diferentemente dos estudos que abordam a rememoração do texto jornalístico (capítulo 03), a noção de esquemas em nossa investigação obedece ao conceito inicial tal como cunhado por Bartlett (1932), no qual esquemas são uma massa organizada de influências oriundas de diversas fontes, a partir das quais os participantes podem trabalhar na busca pelo significado do momento presente. Sendo assim, se neste estudo delimitamos características de mediadores ou sugerimos hierarquia, não o fazemos no sentido de circunscrever esquemas, enquadrando-os em estruturas fixas (como fizeram Shank &Abelson, 1977 ou Mandler & Johnson, 1977), mas de sugerir uma nova possibilidade de estudo para a rememoração da matéria jornalística explorando mais aprofundadamente a relação do participante com o ambiente sociocultural uma vez que percebemos os Mediadores Primários situados na fronteira entre o texto e as experiências particulares de cada participante, organizando a atividade dos Mediadores Secundários.