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nspirando-nos nos escritos de Henri Altan, Umberto Eco, Bernard Morel, Jacques Derrida, tentamos, ainda que seja parcialmente, desmistificar a noção sacrificial de (super-)organismos, preparando o lugar para uma concepção do homem e das culturas como, fundamentalmente, «produtores de sentido» e «promotores de vida e de bem-estar». A nossa estratégia foi delinear, a partir de uma concepção do ser vivo superficialmente entendida como «fechada» à heterogeneidade e modificável graças ao sacrifício dos seus compostos internos – como acontece com a abordagem primeira da «autopoiesis» –, fazer emergir, ainda com a ajuda da linguagem cibernética, uma noção de informação positiva, não mais associada às perturbações mortíferas que desagregam os (super/micro-)organismos. Esse resgate da noção de informação que culmina na ideia de «informação poética», sustentada pela anterioridade da dimensão latente da informação, só é possível numa cultura capaz de reconhecer que o alargamento da nossa compreensão do ser homem passa por uma valorização da descontinuidade das experiências e pela propensão em vislumbrar possíveis «novas formas» que possam emergir de inspecções, soluções e decisões que, embora dialecticamente opostas, contrárias, são apreendidas como complementares.539 Considerando que, no capítulo anterior, desmistificamos a ideia de Howard Bloom que o sentido último dos organismos é o sacrifício dos seus elementos e, em último análise, o auto-sacrifício para um organismos maior (super-organismo) que caminha para a auto-destruição, prosseguimos a nossa tarefa desmistificando a orientação egológica do «meme», herdada do famoso «gene egoísta». Neste capítulo, procuraremos caracterizar o «meme» e a área de estudo que a designa, a «memética», e demonstrar que, para além do seu potencial interesse como nova teoria da aprendizagem e da evolução cultural, ela é passível de oferecer uma concepção da cultura que desemboca no repúdio de

qualquer violência sacrificial.540 A memética interessa-nos particularmente por dois

motivos: num primeiro momento, pela importância que ela dá ao fenómeno da imitação nas mutações culturais e, num segundo momento, por oferecer uma visão dos edifícios culturais que reforça a desconstrução proposta por Jacques Derrida. Desta feliz compatibilidade entre áreas de saber tão diferentes, desbrava-se o caminho para uma concepção da cultura irredutível ao sacrifício. Alertamos que, embora a memética pretenda constituir uma teoria da evolução cultural baseada na imitação, ela não propõe, como o faz René Girard, uma teoria sobre a violência.

Seguidora de Richard Dawkins, Susan Blackmore, sustenta a tese de que existem outros replicadores para além dos genes, replicadores que, embora descendentes destes, diferem pela sua incidência primeira na cultura, incidência cultural que, no futuro, poderá ser sobre a natureza, uma vez que poderá contribuir para uma modificação do meio no qual os genes são seleccionados, originando, assim, uma «selecção memética». Estes novos tipos de replicadores, chamados «memes», só podiam surgir, na história da evolução natural, em organismos como os Homo Sapiens, seres cujos cérebros se manifestam como capazes de aprender certos comportamentos no contacto com outrem, mas sobretudo, aptos para abrigar hábitos de comunicação e de transmissão de informação – «infosfera».541 Os

«memes» são unidades replicativas simples a que podemos chamar de «ideias», «conteúdos semânticos ou simbólicos» ou ainda de «informação» não genética;542 estes são

essencialmente «instruções», sequências organizadas de informações distintas, armazenadas nas memórias dos cérebros humanos (representações mentais) e passíveis de serem transmitidas através da imitação; a «informação memética» materializa-se quer na execução de comportamentos ou práticas em vista a atingir um determinado objectivo, quer na acção e na linguagem (verbal) aquando da comunicação entre pessoas (sinais, conversas, debates, slogans, etc.), quer nos objectos (livros, imagens, partituras, quadros, artefactos, invenções,

540 Uma crítica muito comum feita à noção de meme e, por arrasto, à sua área de estudo, a memética,

é precisamente o facto do meme ser algo de inobservável, de suspeita existência e, por isso, indigno de fiabilidade e, muito menos, de investigação. Esta crítica perde valor se, na senda de Jacques Derrida, entendermos que a produção filosófica está repleta de noções inobserváveis e, até certo ponto, de dimensão infundável, fantasmagórica, como as noções de «Eu», de «identidade», de «nós», de «ser», mas também de «justiça», entre outras. Todavia, em termos ontológicos, o meme relembra, de algum modo, o «engrama». Alessandra Gorini define por «engrama», “o vestígio de memória presumivelmente presente em algumas partes do cérebro depois de se ter aprendido alguma coisa; ninguém o viu, mas muito acreditam na sua existência”; segundo Karl Lashley, “os engramas (…) estão difusamente distribuídos por todo o cérebro”. GORINO, Alessandra – A Memória. Uma, Nenhuma, Cem Mil. Prior Velho: Paulinas Editores, 2008, pp. 32-33.

541 Cf. DENNETT, Daniel C. – A Ideia Perigosa de Darwin. Evolução e Sentido da Vida. Trad. A. A.

Fernandes. Lisboa: Circulo dos Leitores, 2000, p. 343

542 Tomamos a noção de informação no sentido mais alargado que engloba o conteúdo dos saberes,

das crenças, das hipóteses, das ficções, das regras e das normas, dos saber-fazer, das técnicas, etc. Cf. SPERBER, Dan – "Culture et Modularité". In: CHANGEUX, Jean-Pierre (Dir.) – Gènes et Culture. Symposium

modas, etc.) portadores dos memes dos seus criadores (escritor, artista ou engenheiro, etc.) e, por isso, tomados como «replicadores culturais».543 Sendo assim, chamamos de «meme», tudo aquilo que aprendemos e apreendemos por imitação, isto é, através de um processo comportamental copiado, reproduzido, repetido. Uma vez alojada na nossa mente, a informação memética é destinada a ser replicada e transmitida para uma outra mente.544 É o

carácter replicativo do meme que lhe confere independência relativamente ao suporte que o incarna, o cérebro, precisamente, centenas milhares de células nervosas do córtex, conectadas entre elas por fibras nervosas, oriundas de células, formadoras de «circuitos neuronais» nas quais circulam as ideias.545 Portanto, os memes, enquanto unidades de

informação (memética) e de memórias («mnème») imitáveis («miméme»), transmissíveis, comunicáveis e ensináveis («sème»),546 são replicadores culturais, entidades geradoras de

hábitos variados e inculcáveis, que ganham independência relativamente aos genes, podendo tornar-se concorrentes destes – por exemplo, as regras de castidade, a utilização dos meios contraceptivos, o controlo de nascimento, a manipulação genética, etc.547

Para serem transmissíveis e existirem, os memes precisam, inicialmente e posteriormente, de, pelo menos, dois suportes físicos: dois cérebros, lugares onde eles são recebidos, combinados, reproduzidos e, novamente, transmitidos.548 Há transmissão de

ideias onde há capacidade e desejo de aprender e de compreender, possibilitando assim a auto-reprodução e a inovação dos memes, inovação que está na base da cultura e da sua evolução.549 Intuitivamente reconhecidos como «unidades culturais», os memes são

imaginados sob a forma de aglomerações de memes, chamados «complexo de memes» ou «memeplexos» ou, ainda, «memetipos».550 Cada memeplexo é concebido como alojando um

543 Chamamos de «informação memética» às ideias, às estruturas cerebrais, que realizam essas

mesmas ideias, aos comportamentos que estas últimas condicionam e aos objectos que estas produzem.

544 Cf. BLACKMORE, Susan – La Théorie des Mèmes. Pourquoi nous nous imitons les uns les autres. Trad.

B. Thomass. Paris: Max Milo Editions, 2006, pp. 36-342

545 Se muitas ideias (circuitos neuronais) são inatas, porque criadas no desenvolvimento embrionário

e fixadas geneticamente no nosso ADN, outras surgem no decorrer da nossa existência, através do desenvolvimento cultural, por descoberta e aprendizagem. Cf. CAVALLI-SFORZA, Luca – Évolution

Biologique, Évolution Culturelle. Trad. J. Henry. Paris: Odile Jacob, 2005, pp. 128-137; Cf. AYACHE, Gérard – Homo Sapiens 2.0… op.cit. pp. 60-63

546 Cf. Ibidem. pp. 137-138

547 Cf. DENNETT, Daniel C. – op.cit., p. 343; Cf. JOUXTEL, Pascal – Comment les Systèmes Pondent.

Une Introduction à la Mimétique. Paris: Éditions Le Pommier, 2005, p. 97

548 Cf. CAVALLI-SFORZA, Luca – op.cit., p. 131 549 Cf. Ibidem. pp. 130-137

550 Estas ideias não são tanto «ideias simples» na acepção de John Locke ou de David Hume como

as ideias de vermelho, de redondo, de quente ou de frio, mas antes ideias complexas que formem «unidades memoráveis distintas» como as ideias de arco, roda, usar roupa, vingança, triângulo agudo, alfabeto, calendário, odisseia, cálculo, xadrez, desenho de perspectiva, evolução por selecção natural, impressionismo,

«arquimeme», um meme colocado no topo de uma hierarquia, arbitrando memes binários551

– por exemplo, individualidade/colectividade; sentido/uso; interioridade/exterioridade; contingente/eterno; particular/universal, etc. Em cada memeplexo e arquimeme, existe o que chamamos de «meme dos memes» ou «M2», o meme em si, o meme originário: uma espécie de código ou de instrução circulante, mutante, auto-replicativa e auto-referente (o seu próprio conteúdo e o seu modo operatório), que procura reproduzir-se, propagar-se e sobreviver552 através dos memeplexos receptores e hospitaleiros e dos comportamentos

perceptíveis, observáveis e imitáveis que geram.

A razão de ser dos «memeplexos» – quer na incarnação física dos comportamentos, quer na incarnação material em objectos ou artefactos –, é a procura de uma maior resistência à selecção cultural e uma maior probabilidade de replicação e de sobrevivência nos espíritos e na cultura («cultural fitness»). Ou seja, para melhor se replicarem e sobreviverem culturalmente, os memes, ou os «co-memes», vão formando memeplexos integrantes de memeplexos inferiores tornando-se cada vez mais superiores e complexos.553

Nesta óptica, podemos imaginar a nossa mente como «habitada» por uma hierarquia de complexos de memes, os denominados «memeplexos», entidades concebidas como simultaneamente autónomas e complementares, competitivas e cooperativas. Isto porque, nessa hierarquia de memeplexos, constitutivos de um suposto supermemeplexo que «reside» na mente, imagina-se uma constante tensão resultante de subversões (pontuais e mais ou menos consideráveis) decorrente da inseminação mental de novos memes que chegam para parasitar, contaminar os memeplexos instalados, isto é, fracções do supermemeplexos. Em última análise, o meme, enquanto unidade informacional, entidade cultural, identificado como enunciado auto-replicativo e pilar do intelecto e da cultura, é um autêntico vírus mental, condicionante mental que, em vez de consolidar, pode alterar e inovar crenças, comportamentos e hábitos.554 Os memes são ainda produtores de

diferenças culturais, conceptuais e linguísticas.555

551 Cf. JOUXTEL, Pascal – op.cit., pp. 253-254 552 Cf. Ibidem. pp. 65-74

553 Cf. BLACKMORE, Susan – op.cit., p. 277 554 Cf. Ibidem. p. 130

555 Encontramos no pensamento de Jean-Michel Oughourlian, uma noção que relembra a dimensão

imitativa do meme: o «holon». Este último é definido como uma entidade ou estrutura puramente psicológica em devir permanente no âmbito de interacções contínuas com estruturas semelhantes; a imitação («mimésis»), enquanto princípio de transmissão de informação de um ou mais «holon» com outros «holon», governa a génese e a própria interacção entre os «holon»; esta transmissão de informação do holon ocorre num determinado espaço graças à imitação, num determinado tempo graças ao fenómeno de repetição e através de uma determinada espécie graças à reprodução. Assim, com a mimésis (mecanismo mimético) surge o processo interacção interpessoal e social, o processo de aprendizagem, o processo de hominização, a formação das culturas, mas também a memória. Ao estudo das modalidades de interacção dos «holon» entre eles, interacções que constituem a individualidade e a existência de cada «holon», Jean-Michel Oughourlian chama-lhe de

Como referimos mais acima, o meme surge, no plano cultural, em analogia com a genética no plano natural, tocando-se nos seguintes pontos: 1) os genes são unidades de replicação biológica, capazes de mutar ocasionalmente e de se difundir por selecção natural, por migração e aleatoriamente; a cultura não é mais do que formas adquiridas de habitus, comportamentos sociais, conhecimentos e inovações acumuladas – formas de vida desde técnicas e hábitos quotidianos, tradições políticas, artísticas, religiosas, cientificas, filosóficas, costumes, etc. –, unificados por uma determinada tradição, transmissíveis às gerações futuras dentro de uma sociedade ou comunidade, transmissão realizada por via da imitação ou da aprendizagem num contexto da comunicação e sujeita ainda à selecção cultural, à deriva aleatória e à migração, influenciando e modificando continuamente, até um determinado ponto, a vida das pessoas; 2) os genes encontram a sua significação funcional nos organismos individuais e os caracteres, ou itens, culturais encontram a sua significação funcional em grupos particulares; 3) pela sua acção coordenada, os genes englobam uma informação decisiva para a construção e a reprodução do organismo e, de igual modo, tomados no seu conjunto, os comportamentos culturais estruturam as sociedades humanas como também definem as suas identidades e as suas continuidades temporais; 4) os genes podem, em determinadas condições, sair dos organismos para em outros inserirem-se onde são reproduzidos – por exemplo, quando transportados por vectores virais – e, do mesmo modo, os comportamentos culturais – por exemplo, palavras, regras gramaticais, códigos morais, expressões orais ou faciais de emoções, gestos, técnicas, etc. – são transmitidos por imitação para outros grupos sociais onde se reproduzem e se difundem – transmissão, quer de modo vertical, isto é, no âmbito de relações intergeracionais, que de forma horizontal, isto é, através da educação e da cultura proporcionadas pelas instituições e do ambiente mediático.556 Se os genes e os memes são

ambos entidades invisíveis, ou discretas, aparentadas, em (des-)continuidade evolutiva, e produtoras de efeitos nos indivíduos, eles diferem quanto ao seu veículo, a sua condição e a sua longevidade: os primeiros são entidades potencialmente imortais, transportadas por organismos; os segundos apresentam uma existência relativa que ambiciona a sobrevivência

«psicologia interdividual». A «méconnaissance» aparece aqui como um fenómeno físico e funcional assegurando a possibilidade do «eu-do-desejo» («moi-du-désir») e, com isso, da própria projecção do modelo e da relação interdividual. O esquecimento do eu como essencialmente desejo, desejo que é sempre sugerido pelo outro, resulta do fenómeno da «méconnaissance» e constitui a condição de possibilidade da relação interdividual entre o modelo e o imitador. Cf. OUGHOURLIAN, Jean-Michel – Un mimé nommé désir. Paris: Éditions Grasset et Fasquelle, 1982, pp. 17-34

556 Cf. CAVALLI-SFORZA, Luca – op.cit. p. 9; Cf. GAYON, Jean – "Évolution Culturelle: Le

e têm por veiculo os cérebros humanos, as imagens, os livros e as declarações (linguagens orais ou escritas, em suporte papel ou codificado magneticamente, etc.).557

À teoria da evolução cultural que se desenvolve em torno da noção de meme, chamamos de «memética», e aos seus teóricos, denominamo-los de «memeticianos». Entende-se por memética, a ciência que pretende estudar a natureza e o fundamento dos memes, definidos, por hipótese, como replicadores culturais, uma vez que não são observáveis.558 Reconhecendo-se como um ramo da antropologia social, a memética nasce

da confluência de outros conhecimentos como a antropologia científica, a psicologia, as teorias da linguagem, as neurociências, as ciências cognitivas e as ciências da complexidade (a auto-organização, a inteligência artificial, a cibernética) e reivindica-se como sendo uma ciência da auto-emergência do saber competindo com os níveis mais elementares do pensamento. A memética inscreve-se formalmente no paradigma neodarwiniano – distinguindo-se do darwinismo social, da sociobiologia e da psicologia evolucionista – e tem como tarefa estudar os feitos das civilizações, os sistemas sociais e as suas representações mentais ou simbólicas à luz da teoria da evolução, evidenciando os códigos geradores dos factos culturais e observando a sua capacidade em evoluir por transmissão, variação e selecção num ambiente intra-/inter-humano.559 A memética tem por ambição

última, orientar as ciências modernas para a procura de possíveis «remédios» para certos males inerentes às civilizações.560 Apesar dos memeticianos reivindicarem o estatuto de

ciência para a memética, capaz de elaborar projectos de investigação, definir campos de observação, de criar modelos e de estabelecer diálogos com as outras áreas de saber, a memética encontra obstáculos no mundo académico, principalmente devido a uma falta de consenso sobre a noção exacta do conceito de «meme», conceito que parece ser diferente segundo cada memeticiano. Para além desta falta de unanimidade à volta da noção de meme, resta saber se podemos dizer que os memes são replicadores da mesma forma como dizemos que existem replicadores genéticos.561

Na tentativa de demonstrar o interesse da memética, Pascal Jouxtel identifica autores que antecedem cujos estudos são propedêuticos à memética, autores pré- meméticos: são estudos que, ao defender o conceito de «replicador mental», anunciavam o novo campo de investigação que é a memética, precisamente as considerações de Edgar

557 Cf. Ibidem. p. 346; Cf. DENNETT, Daniel C. – La Conscience Expliquée. Trad. P. Engel. Paris:

Éditions Odile Jacob, 1993, pp. 254-256; Cf. JOUXTEL, Pascal – op.cit., pp. 72-73

558 Cf. Ibidem. p. 14; Cf. Ibidem. p. 43 559 Cf. Ibidem. pp. 56-69

560 Cf. Ibidem. p. 148 561 Cf. Ibidem. p. 154

Morin e de Douglas Hofstadter. Todavia, também entre os memeticianos, para além, da divergências das concepções, existem autores mais radicais do que outros: para aqueles que adoptam o sentido mais alargado do conceito em estudo, ao ponto de extrapolar fora do âmbito da transmissão social e do modelo proposto, o meme, enquanto replicador cultural, pode ser qualquer objecto da experiência podendo a sua transmissão ser abordada no âmbito de conceitos como «contágio», «imitação», «reforço local» («local enhancement»), fenómeno de impressão, ou ainda, outras teorias como o condicionamento pavloviano (por repetição de associações de dois estímulos) ou o condicionamento skineriano (por recompensa e punição); para aqueles que adoptam um sentido um pouco menos alargado, os memes são essencialmente unidades da evolução cultural, crenças e comportamentos sem fundamento genético directo e cuja aquisição implica uma interacção interindividual que supõe a imitação, sendo, o meme, do domínio do «social learning» onde o reforço local é importante – Reader & Laland e Aunger; os memeticianos mais radicais ou ortodoxos, põem a tónica no fenómeno da imitação, precisamente devido ao seu carácter replicativo, defendendo assim que os memes são essencialmente unidades de informações imitadas, isto é, adquiridas através da observação, susceptível de serem transmitidas a outrem através do mesmo mecanismo – Dawkins, Dennett e Blackmore.562 Segundo estas concepções,

principalmente as duas últimas, julgadas mais pertinentes devido a sua maior delimitação e precisão conceptual, devemos concluir que só podemos considerar os estados mentais (representações,

disposições, condutas, crenças, etc.) como «memes» se, e só se, os concebermos como emergentes da força causal da aprendizagem social, e não os imaginarmos como reduzíveis aos mecanismos genéticos, isto

é, nos equipamentos mentais inatos das pessoas.563

562 Cf. GUILLO, Dominique – La Culture, le Gène et le Virus. La Mémétique en Question. Paris:

Hermann Éditeurs, 2009, pp. 34-36

563 À contra-corrente desta última perspectiva, encontramos as noções e classificações de memes

elaboradas por Richard Brodie em Vírus of the Mind na tentativa singular de tornar a noção de meme, ainda imatura, mais operatória, assim como as classificações dos modos de acção dos memes formuladas por Aaron Lynch em Thought Contagion: How Belief Spreads Thought Society. Segundo Brodie, os memes entendidos como «códigos neuronais» influenciam os comportamentos graças às dinâmicas construídas pela evolução, dinâmicas que são o apetite sexual e a procura de parceiros, o instinto de segurança e de protecção, a procura de comida e de recursos, a preservação das crenças e a coerência intelectual. Brodie distingue três tipos de memes: os memes distintivos («distinction memes») que permitem distinguir, definir, identificar coisas como as formas geométricas, as definições, as relações comparativas e as fronteiras; os memes estratégicos («strategy

memes») que prescrevem um comportamento segundo a situação e o contexto determinado; os memes

associativos («association memes»), aqueles que ligam os objectos mentais entre eles. Aaron Lynch, para quem os memes são regras da vida (crenças, os preconceitos, interditos ou os códigos de conduta), elementos memoriais activamente contagiosos, fisicamente descritas e traduzíveis por «porção de informação neuronal» armazenada no cérebro, elaborou uma lista dos modos de acção que permitem a cada meme ultrapassar os seus concorrentes na corrida à reprodução em maior número, traçando assim uma espécie de «perfil replicativo» assegurador de superioridade replicativa. Lynch expõe assim os seus seis modos de acção dos memes: o quantitativo parental, segundo o qual um meme que favorece o número de descendentes fará um maior número de adeptos nas sucessivas gerações (mito da fertilidade, trabalho familiar, transmissão

Diante das inúmeras propostas existentes de conceptualização do meme, Jouxtel detecta dois eixos de abordagem ao referido conceito: o intra-pessoal ou o individual, o interpessoal ou o colectivo. Se ao nível mais abstracto ou ideal do intrapessoal, o meme é visto como instruções, escolha, algoritmo, ética pessoal ou regra de conduta, no seu nível mais concreto ou objectal, o meme aparece como esquema neuronal electroquímico. Se ao nível mais abstracto ou ideal do interpessoal, o meme é visto como símbolo, dogma,

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