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Desejo ou descuido? Vozes de mães adolescentes sobre a maternidade

As colaboradoras do estudo eram meninas com idade variando entre 17 e 19 anos, referiaram ser solteiras, com escolaridade entre o ensino fundamental incompleto e completo, com empregos temporários, portanto dependiam financeiramente dos pais,

adolescentes morando com outros parceiros, não mais o pai dos seus filhos.

A rede interpretativa foi elaborado com quatro temas: 1) motivos da gravidez; 2) sentimentos diante da descoberta; 3) significado atribuído à maternidade; e 4) relacionamento interpessoal durante a gravidez e após esse evento.

A seguir estão apresentados os temas e suas respectivas dimensões:

Figura 6 Rede interpretativa com seus temas e dimensões, extraídos a partir dos depoimentos das adolescentes mães, Fortaleza, Ceará, 2011.

O primeiro tema, Motivos da gravidez, foi estabelecido como a categoria central da pesquisa, por se considerar ser o eixo condutor do delineamento do objeto de investigação com suas três dimensões. É através dessa temática que as colaboradoras do estudo expressam suas motivações em engravidar e o processo vivenciado a partir dessa escolha de vida.

A segunda temática, Sentimento diante da descoberta da gravidez, surgiu como consequência das suas atitudes e comportamento relativo à vida que levava antes da gravidez. A terceira temática, Significado atribuído à maternidade, expressa a oportunidade de mudança de vida, diante de uma nova realidade que se apresenta, qualificando o papel de mulher e seus papeis diante da nova condição. A quarta temática, Relacionamento interpessoal durante a gravidez e após esse evento, revela

A primeira dimensão, encontrada no primeiro tema é descuido, que demonstra a falta de cuidado que as adolescentes expressam diante da relação sexual desprotegida; isso ocorre inúmeras vezes ao acaso, sem planejamento prévio, em consequência de um impulso, de um encontro casual, a partir do qual surge o convite que se concretiza após persuasão do parceiro. Nas narrativas das adolescentes, as palavras confirmam a negligência dos seus atos:

“Foi por acaso, me descuidei, não pensava que ia engravidar. Também não usava nada, sei lá, foi por acaso mesmo." (A1)

“Descuido, não usei nada, porque achava que não ia acontecer nada, vacilei!” (A2)

“Foi um descuido. Eu vacilei né? Se eu soubesse que ia acontecer, teria evitado né." (A3)

“Eu me descuidei, sempre usava camisinha, nesse dia procurei mais não achei aí foi sem camisinha mesmo." (A5)

“Eu não conhecia ele direito, a gente havia ficado uma vez só, daí meus pais foram trabalhar e ele foi lá em casa ficou me chamando e aconteceu na segunda vez transei com ele e não usei nada." (A6)

“Sei la, eu não conhecia muito os métodos, mas usava camisinha de vez em quando, mais dessa vez acabei deixando para lá." (A8)

Para algumas adolescentes, o descuido também foi evocado como uma representação imaginária de que a gravidez não ia acontecer com elas. Esse pensamento mágico surge no momento em que seu desejo é negado pelo seu inconsciente, ou pela imaturidade em reconhecer sua vulnerabilidade.

“Eu achava que não ia engravidar tão fácil né.” (A7)

“Eu imaginava que não engravidaria assim, achava que só depois de muitas vezes. A gente pensa que isso só acontece em novela [risos].” (A9)

“Não passou pela minha cabeça que ia acontecer comigo, nem pensei na hora, fiquei envolvida com o momento e daí deu nisso." (A8)

A segunda dimensão do primeiro tema aborda a mudança de status almejada pelas adolescentes como uma ascensão à vida adulta, interpretada por elas como desejo de ter liberdade, de ser dona de si, ter independência financeira e poder gerir sua própria vida.

arranjei um namorado e logo dei um jeito de casar e saí de casa, pouco depois eu engravidei." (A10)

“Queria construir uma família, ter minha casa, não aceitava ver meu padrasto batendo na minha mãe. Ele bebia muito, perdia a cabeça, me fazia questão de lembrar que eu não era filha dele, e por isso eu criei coragem, saí de casa, me juntei com o pai da minha filha e virei mulher e mãe." (A12) “Sempre quis ser livre, sair de casa e voltar quando quiser. Conheci um cara e fugi com ele, ele me colocou numa casa, e depois engravidei, não foi bem assim que planejei, mas hoje tenho minha vida, minha casa." (A13)

A última dimensão destacada pelo primeiro tema revela o desejo de ser mãe, que está intrinsecamente abrigada na mulher. É da natureza feminina a condição de ser mãe; embora muitas relatem verbalmente esse desejo, em algumas ele pode estar oculto, mas raramente inexistente. A gravidez surge como um desejo de reconhecimento da plenitude de sua virilidade.

“Meu maior sonho era ser mãe. Eu queria ter uma família, ter meus filhos, dar uma família para eles. Eu não tive pai, e praticamente minha mãe não me dava atenção. Eu era a mais velha das três, e a única que não era filha do marido dela, sempre fui uma pessoa sozinha, me sentia isolada do resto da família, por isso tinha esse desejo incontrolado de ser mãe. Logo que conheci meu marido, aí eu saí de casa e fui morar com ele, daí pouco tempo depois fiquei grávida. Tive muitos problemas na gravidez, tive eclâmpsia, vivia internada, mas mesmo assim fazia tudo de novo para ter meus filhos e construir minha família.” (A14)

“Eu queria tanto engravidar, mas já fazia um ano que não tomava nada e não conseguia, aí eu procurei o médico e fiz um tratamento. Depois que eu tive minha primeira filha, logo tive outro em seguida, fiquei realizada. Eu achava a melhor coisa do mundo engravidar, ficava mais bonita de barriga, me sentia mais atraente, sei lá, doidice. [risos]” (A15)

Sentimentos diante da descoberta

A primeira dimensão encontrada no segundo tema, sentimentos negativos, como tristeza, medo, angústia e desesperança, é revelada como sendo o primeiro impacto após a descoberta da gravidez. As adolescentes relatam não estarem preparadas para receber a notícia e são contaminadas por um turbilhão de pensamentos, que vão desde a preocupação da situação financeira até a comunicação para a família e o parceiro.

“Ah fiquei muito triste, chorei bastante, não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo, porque eu não queria né, foi um vacilo." (A1)

de vez em quando, quando descobri fiquei muito triste por não ter me cuidado. Não sabia nem o que fazer, pensei como ia contar para minha mãe porque ela tava no interior”. (A3)

“Fiquei com medo, angustiada. Não sabia o que fazer. Tudo muda com a gravidez. Você tem que cuidar da criança, não tem experiência, a gente fica triste porque tem que ter responsabilidade de cuidar, lavar, cozinhar, essas coisas que a gente não espera que vai ter que fazer. Quando descobri eu tava presa, fiquei sem saber como a minha mãe ia saber, tive medo de contar."(A7)

“No início me deu uma tristeza porque como ia ser minha vida agora... Depois eu senti medo, angústia, porque não sabia como contar para meus pais. Minha mãe é calma, mas meu pai é muito bruto." (A8)

A segunda dimensão encontrada no segundo tema, sentimento de alegria, foi revelado pelas adolescentes como uma consagração de um sonho, a realização de um projeto de vida, a perpetuação dos laços de sangue. A gravidez na adolescência pode ser encarada como reconhecimento de amadurecimento, de compromisso e responsabilidade. Os relatos de alegria foram revelados principalmente por aquelas que esperavam na gravidez uma mudança de vida, a oportunidade de dar para o filho aquilo que nunca viveu o diálogo e nunca recebeu amor.

“Era tudo que eu queria... quando tive minha filha, fiquei muito alegre, era muita felicidade. Quis dar tudo que eu nunca tive em casa. Minha mãe nunca me explicou nada, não conversava comigo. Quando menstruei, fui falar com ela, ela nem falou nada, não disse o que fazer, fiquei perdida, foi a minha patroa na época que me mostrou e me deu um absorvente para usar. Não quero que minha filha passe por isso.” (A4)

“Minha vontade de ser mãe me levou a engravidar. Eu queria dar para meus filhos o que eu não tive, ter uma casa, ter um pai ou alguém que pudesse estar ao seu lado quando precisasse. Fui criada apenas por mãe. Meu pais se separaram eu tinha três anos, não entendia nada e logo depois veio meu padrasto. No inicio era tudo bom, ele dizia me aceitar, mas depois fui percebendo que era tudo fingimento. Quando ele bebia fazia questão de lembrar que eu não era sua filha, e se mostrou muito agressivo com minha mãe, e daí nos brigávamos muito por isso. Eu não aceitava ele bater na minha mãe, mas percebia que ela não queria mudar de vida. Então resolvi ter a minha família, para fazer tudo diferente. Queria dar um pai para meus filhos, dar uma casa para eles, mas uma casa alegre, não cheio de briga. Quando brigo com meu marido não deixo meus filhos ver, preservo eles. È isso, eu desejei tê-los ainda quando era solteira.” (A6)

“Eu senti muita coisa no inicio, mas os dias foram passando ai eu só sentia felicidade por saber que ia ter uma criança, que ia ser mãe.... (risos)...”, nossa a gente fica se sentido diferente, mais poderosa, mais mulher, sei lá, (risos)...” (A8)

A única dimensão atribuida ao terceiro tema, novo status, foi assim intitulada por ser evidenciado pelos depoimentos que a maternidade incutiu na adolescente a condição de ser uma mulher adulta, de ter reponsabilidade e obrigação para com seu filho, fazendo-a se comprometer com o cuidado com ele e ter maior disponibilidade e dedicação de seu tempo para a nova tarefa de mãe.

“No comecinho eu não gostava muito, queria tirar né e todo mundo dizia que eu não ia criar, mas aí com o tempo eu comecei a gostar de tá grávida e pronto, gostei, achava era bom, me achei bonita com a barrigona." (A1) “Mulher, eu adorei, é bom, foi muito boa minha gravidez, foi ótima, a gente fica mais responsável, por saber que tem uma criança crescendo na nossa barriga.” (A3)

“Depois que tive a primeira, foi rapidinho para ter a segunda. Eu achava que ter filho era algo normal para uma mulher, você fica mais cuidadosa.” (A4) “Ficar grávida foi estranho no início, mas depois que a barriga ia crescendo fiquei entusiasmada, porque a gente fica se sentindo diferente, mais bonita, mais mulher, sei lá, (risos)...” (A8)

Relacionamento interpessoal durante a gravidez e após esse evento

A única dimensão do último tema, novas experiências, relata os momentos de conflitos e de mudanças vividas pelas adolescentes durante a gravidez e após o nascimento do filho. Algumas sofreram com a separação da família, com o rompimento com o pai de seu filho que, por vezes, duvidou da paternidade. A nova experiência a obriga a sobreviver longe de casa, distante do convívio com as pessoas importantes, como sua mãe, e a lidar com o abandono por parte do parceiro com quem deveria dividir as responsabilidades.

“Minha mãe e meu pai não queria, quer dizer, me expulsaram de casa. Fui embora. Fiquei uns tempos na casa de uma amiga. Depois eu ficava na casa dos outros, não tinha mais onde ficar.” (A1)

“Quando fiquei sabendo eu tava presa. Quando saí fui falar com o pai do meu filho, mas ele não quis saber, disse que não era dele e nunca me ajudou. Também não quis mais saber dele.” (A5)

A nova experiência para outro grupo de adolescentes foi receber apoio da família e do parceiro:

“Quando eu soube imediatamente liguei pra ela e falei mãe eu tou grávida e eu vou tirar porque eu não quero, aí ela não, não faça isso, eu vou falar com o seu pai e a gente vai lhe apoiar no que você precisar. Enfim, aí eles me ajudaram e até hoje tão cuidando da minha filha. Vai fazer um ano que eu tou aqui em Fortaleza. Aí ela disse que ficava né pra mim vim trabalhar, foi isso.” (A3)

“Assim que saí de casa logo engravidei, queria ser mãe, meu companheiro sempre me apoiou, ficou do meu lado. Tive problema no pré-natal, tive pré- eclâmpsia. Mas o apoio foi muito importante. Minha mãe e meu padrasto também me apoiaram, nosso relacionamento melhorou muito depois do nascimento dos meus filhos." (A6)

4.4 Vulnerabilidade e fatores associados com a gravidez em adolescentes de

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