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Mapa 4 – Populações vulnerabilizadas no Centro Sul do Estado do Paraná

3.1 DESENHANDO O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL A PARTIR DO CONTEXTO DA DÉCADA DE

1990

Antes de trazer os dados da pesquisa de campo, consideramos importante pensar o exercício profissional do assistente social, para localizar esse profissional na sociedade capitalista e sua condição de sujeito trabalhador que vende sua força de trabalho em troca de um salário como todos os outros trabalhadores. O Serviço Social é uma especialização do trabalho coletivo na sociedade capitalista e é determinado pela divisão sociotécnica do trabalho. A sociedade do capital interpela o assistente social para atender às suas demandas e interesses e também coordena o processo de trabalho do profissional por meio da instituição. Nesse sentido, não é o assistente social que organiza o seu processo de trabalho. Ele também não tem o total controle e decisão sobre os recursos físicos, financeiros e humanos para o desenvolvimento de seu processo de trabalho (IAMAMOTO, 1998). Entretanto, o profissional pode, por meio da mediação, alcançar patamares de autonomia profissional, tanto no que concerne ao não atendimento de todas as necessidades do capital (priorizando as necessidades dos trabalhadores), quanto no diz respeito à conquista e organização de seu espaço de trabalho profissional. O assistente social não aceita todos os ditames do capital sem questionar, sem resistir e sem promover alguma mudança (dentro do que é possível na sociedade do capital), ao contrário, ele busca incessantemente o alcance dos direitos e da emancipação política. Para isso é preciso clareza das possibilidades e limites para o exercício profissional, sem cair no messianismo ou no fatalismo.

Segundo Iamamoto (1998), nesse processo de trabalho, o assistente social possui 1) matéria-prima, 2) meios/instrumentos e a 3) força de trabalho. A primeira trata das expressões da Questão Social materializada nos espaços de política de combate à pobreza, como a própria pobreza, que é uma expressão da desigualdade social, entre outras. O segundo diz respeito aos recursos físicos, financeiros e técnicos para o desenvolvimento do exercício profissional. E, por fim, o terceiro remete

ao trabalho vivo do profissional, que dispensa todas as suas energias físicas e psíquicas para desenvolver o seu processo de trabalho.

O assistente social é um trabalhador assalariado que vive as contradições que o universo do mundo do trabalho impõe à classe trabalhadora. No entanto, tem o papel de buscar a justiça e a igualdade social através de suas mediações nos espaços institucionais, onde cumpre “[...] funções determinadas na divisão social do trabalho na sociedade (BAPTISTA, 2009, p. 19).

A década de 1990 é um marco para o Serviço Social, pois é quando se assume, enquanto profissão, uma teoria social crítica que dá base para a construção de seu projeto ético político profissional (NETTO, 2006) e (BRAZ, s/d). A partir desse projeto, em construção desde então, apresenta-se a perspectiva emancipatória (CARDOSO, 2013), (LUIZ, 2011) e (SILVA, 2013) que questiona todas as demais perspectivas orientadoras da profissão nas décadas anteriores48.

O passo inicial desse processo foi dado no III Congresso da Virada em 1979, quando o Serviço Social rompe teoricamente com as práticas conservadoras e assume o processo de intenção de ruptura (NETTO, 2007). É a partir de então que o Serviço Social adota o legado marxista como orientador de seu exercício profissional, o que faz com que a profissão assuma o compromisso direto com a classe trabalhadora e suas demandas cotidianas. Essas demandas que aparecem no cotidiano, embora sejam clarividentes, nelas estão ocultas a essência da realidade social, à qual o profissional precisa desvendar. O legado marxista aponta para a construção de uma nova sociabilidade baseada na plena liberdade e emancipação (TONET, 2005 e 2010). A construção do projeto ético, político e profissional é processo de constantes transformações que exigem um sujeito coletivo e consciente, “[...] forte, organizado por meio de suas respectivas agremiações e com expressão social [...] Sujeitos coletivos expressam consciências partilhadas, são sujeitos que lutam por vontades históricas determinadas. [...] São forças sociais em presença” (MARTINELLI, 2009, p. 150).

Enquanto a profissão se redefine a partir da base marxista, a sociedade brasileira também passa por redefinições, tendo por base dois parâmetros contraditórios em movimento: a democratização e o ideário neoliberal. Por isso, para Yazbek (2009, p. 126), “Encontramo-nos no olho do furacão [...]”. Percebe-se que nessa década o Serviço Social vive dois movimentos entrelaçados: se por um lado está buscando a sua

48Para compreender quais foram essas perspectivas conferir Cardoso (2013) e Montaño (2009), só para citar alguns autores.

consolidação enquanto profissão partícipe da divisão social e técnica do trabalho, ou como uma especialização do trabalho coletivo (IAMAMOTO, 1998), com todas as suas consequências, por outro lado, ele está inserido no processo de luta pela implementação das políticas públicas previstas na Constituição Federal de 1988, na qual o assistente social foi sujeito ativo (BATTINI, 2009b), assim como no processo de luta contra o movimento neoliberal que, através da reforma do Estado, implementa o desmonte dos direitos sociais.

E, assim, o Serviço Social avança na década de 1990 com a lógica de construção de seu projeto profissional sob dois vieses: primeiro, desvendar o sistema capitalista e suas consequências para a classe trabalhadora, bem como as suas demandas a serem sanadas através das políticas sociais onde a profissão está inserida; segundo, reafirmar “[...] no exercício cotidiano de nossa prática, de nosso projeto profissional, seus valores, seus objetivos, os conhecimentos teóricos que o sustentam, os saberes interventivos e tecnológicos e suas principais expressões” (YAZBEK, 2009, p. 124). Para Martinelli (2009), é no cotidiano que o profissional constrói as suas intervenções e é nele também que é desafiado a dar sentido e direção ao seu exercício.

O locus do exercício profissional são as instituições, lugar do complexo e do contraditório, espaço onde as demandas dos trabalhadores se revelam. Do profissional é exigido uma resposta imediata aos problemas nem sempre imediatos (COELHO, 2013), mas complexos e relativos ao modo de produção capitalista. Nesse sentido, “[...] suas ações se fazem em realidades sociais concretas, em condições previamente dadas, em uma sociedade de mercado, em que os conhecimentos e as práticas assumem dimensões próprias” (BAPTISTA, 2009, p. 18). É no cotidiano, no chão da vida que as expressões da Questão Social se apresentam e requerem respostas dos assistentes sociais “[...] muito concretas, socioeconômicas e políticas de uma sociedade extremamente diversificada, colocando-se diante de problemas muito específicos” (BAPTISTA, 1998, p. 115). As instituições, como espaço do exercício profissional, mantêm o domínio tanto dos recursos quanto da estrutura institucional, e são também o chão onde se movimentam as correlações de forças (FALEIROS, 1991). Todavia, é dentro desse espaço que o profissional elabora o seu modo interventivo, pois nele “[...] não tem apenas que analisar o que acontece, mas tem que estabelecer uma crítica, tomar uma posição e decidir por um determinado tipo de intervenção” (BAPTISTA, 1998, p. 115).

É no descortinamento da realidade, através do processo de aproximações sucessivas do real (MUNHOZ, 2006), que o assistente

social vai construindo as suas especificidades interventivas, de acordo com as necessidades dos usuários em cada espaço institucional e também de acordo com o conhecimento teórico, ético e político que adquire desde a formação inicial e durante seu processo de formação permanente.

No cotidiano do exercício profissional estão as diversas políticas públicas, onde o profissional atua na perspectiva da garantia de direitos. A defesa dos direitos sociais, tendo em vista a ampliação da cidadania, é um dos princípios fundamentais do Código de Ética do assistente social (CFESS, 1993a). O assistente social participa do processo de planejamento, execução, monitoramento e avaliação de políticas nos espaços sócio-ocupacionais. Entretanto, a garantia de direitos aos usuários não depende apenas de sua vontade, sua técnica e estratégias, mas, acima de tudo, de um conjunto de premissas que, no modelo neoliberal atual, trabalham pelo desmonte dos direitos que foram historicamente conquistados. São dois movimentos entrelaçados que desafiam o exercício profissional: por um lado, o exercício profissional busca a efetivação das políticas públicas que vêm de um longo processo de lutas; e, por outro, o modelo neoliberal traz uma avalanche de reformas que põem em risco tudo o que fora conquistado pelos trabalhadores em meio aos conflitos e contradições. Não só colocam em risco, mas desmontam mesmo, fazendo com que os trabalhadores tenham perdas irreparáveis com relação aos seus direitos. Assim, é importante considerar o papel fundamental das políticas públicas no que se refere à garantia de direitos de cidadania dos trabalhadores, mesmo consciente de que nenhuma delas possuem ações capazes de interferir na ordem social vigente. Também é fundamental compreender que o exercício profissional do assistente social pode ser “[...] a possibilidade de construção de direitos e iniciativas de ‘contradesmanche’ de uma ordem injusta e desigual” (YAZBEK, 2009, p. 126).

Nesse ínterim, o Serviço Social aprende a lidar com as contradições na construção da hegemonia profissional, quanto ao processo de consolidação das políticas públicas na perspectiva de direito social, num processo de aproximações sucessivas que descortina a realidade social e política em seu cotidiano. “Nos últimos vinte anos da trajetória do Serviço Social no Brasil, o seu compromisso voltado para o horizonte da construção de uma nova ordem societária foi fecundo, nos limites de um possível histórico” (BATTINI, 2009, p. 134). É com essas prerrogativas que iremos debater as vivências do exercício profissional do assistente social nos espaços de execução de políticas de combate à pobreza.