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Nas primeiras linhas deste capítulo definimos como objetivo deste estudo compreender, do ponto de vista psicológico, as condições que podem contribuir para promover o bem-estar dos estudantes do ensino superior numa perspetiva alargada ao bem-estar context free, mais concretamente, compreender o papel das variáveis do contexto académico percebidas como

exigências / recursos, e das práticas de voluntariado enquanto variáveis pessoais que influenciam o bem-estar académico e subjetivo dos estudantes. Definimos assim a tese de que a compreensão do bem-estar dos estudantes do ensino superior deve partir de uma concetualização multidimensional de bem-estar (holística) e que deve ter em conta a perceção de variáveis do contexto e de variáveis pessoais.

Da revisão de literatura realizada emergem orientações conceptuais que determinam a utilização do modelo JD-R (Demerouti et al., 2001) e do modelo integrador de bem-estar subjetivo (Keyes, 2002; Keyes & Magyar-Moe, 2003) como quadros de referência fundamentais para o enquadramento do estudo. Ao fazê-lo, o presente trabalho traz contributos de natureza conceptual e aplicada para o conhecimento neste domínio.

Ao nível conceptual, os estudos realizados permitem clarificar e ampliar a heurística dos modelos propostos. No que se refere ao modelo JD-R, ao explorarmos a sua aplicabilidade aos

estudantes do ensino superior contribuímos para a compreensão do papel das exigências e dos recursos na explicação do bem-estar para lá do domínio do trabalho e, consequentemente, para uma clarificação do lugar que as variáveis de contexto podem ter de uma forma geral na saúde mental / bem-estar das populações. Paralelamente, querendo sublinhar o potencial de desenvolvimento dos estudantes e identificando o bem-estar subjetivo como uma finalidade desse desenvolvimento, considerámo-lo como outcome do modelo JD-R equacionando o impacto das características do contexto para além da perspetiva mais situada do bem-estar académico, burnout e engagement. A introdução da variável voluntariado contribui ainda, como se referiu, para um outro nível de alargamento do modelo, às variáveis pessoais na explicação de perceção de bem-estar a par das variáveis do contexto.

Quanto ao modelo de bem-estar subjetivo adotado, que integra diferentes perspetivas de bem- estar, o presente trabalho permite clarificar o contributo específico das variáveis de contexto

académico estudadas na explicação das diferentes dimensões de bem-estar consideradas,

contribuindo, consequentemente, para a compreensão dos determinantes de diferentes facetas do bem-estar subjetivo.

A opção metodológica pela utilização de um design longitudinal constitui um outro

contributo com implicações conceptuais e empíricas para os dois modelos considerados. A maioria dos autores é favorável ao recurso a desenhos longitudinais para que as conclusões a retirar não se baseiem em relações espúrias entre as variáveis (Boyd, Bakker, Winefield, Gillespie, & Stough, 2011; Demerouti & Bakker, 2011; Rodriguez-Muñoz, Sanz-Vergel, Demerouti, & Bakker, 2012). Nesse sentido, utilizámos um design longitudinal em que todas as medidas foram aplicadas em dois momentos distintos, separados por um período de oito meses, equivalente ao ano letivo, sendo o primeiro momento o início do 1º semestre (T1) e o segundo o final do 2º semestre (ano letivo) e próximo do período de exames finais (T2). A relação entre T1 e T2 permite identificar quais as variáveis do contexto académico que influenciam o bem-estar dos estudantes, académico e subjetivo,

para além de comparar as correlações existentes entre essas variáveis em diferentes fases do ano escolar. Esta opção tem também consequências práticas, ao permitir compreender as especificidades do ano letivo (T1 e T2) que condicionam perceções distintas de exigências e de recursos do contexto académico e a sua dinâmica de relação com o bem-estar dos estudantes.

Os estudos realizados pretendem efetivamente trazer contributos de natureza mais aplicada, tendo em vista a reflexão sobre a promoção do bem-estar junto desta população. Nesse sentido, encaramos o estudante como ator principal, a atuar num palco organizacional específico, e a representar dois papéis em paralelo: estudar e ser voluntário. O recurso ao modelo JD-R como heurística da vivência dos estudantes e sua articulação com o modelo de bem-estar subjetivo permite identificar variáveis do contexto académico percebidas como exigências e recursos, de contexto e pessoais, em função da sua influência no bem-estar académico e subjetivo, em diferentes momentos do ano letivo, com implicações específicas para a intervenção tanto junto dos estudantes como das organizações de ensino superior que os acolhem.

Considerando o aumento da prática de voluntariado pelos estudantes do ensino superior e seus impactos, anteriormente verificados, na perceção de bem-estar psicológico e emocional (Piliavin & Siegl, 2007; Bowman et al., 2010), o presente estudo permite não só conhecer os perfis dos estudantes voluntários, as suas motivações e contextos da ação voluntária, mas também perceber, à luz dos modelos conceptuais de referência, se os estudantes percecionam a prática de voluntariado como um recurso pessoal, a par das tarefas académicas, e que influência exerce sobre a sua perceção de bem-estar académico e subjetivo.

A concretização dos objetivos de investigação desenvolve-se, essencialmente, de acordo com três estudos distintos que têm em comum a concetualização da perceção de bem-estar dos estudantes de acordo com o modelo JD-R, numa perspetiva longitudinal, respondendo ao desafio de

compreender a relação entre exigências e recursos, do contexto e pessoais, e o bem-estar ao longo do tempo (Demerouti & Bakker, 2011; Boyd et al., 2011; Rodriguez-Muñoz et al., 2012). Realizamos

ainda um estudo prévio das características psicométricas da escala de bem-estar subjetivo MHC-LF (Keyes, 2002) por considerarmos fundamental dispor de uma medida multidimensional validada para as amostras em estudo, que permita avaliar de forma robusta a perceção de bem-estar subjetivo num sentido lato e holístico.

No estudo 1, intitulado “Resources and demands in higher education: impact on students’ academic well-being” testamos, através de um estudo longitudinal com dois momentos de recolha de dados2, os efeitos principais das variáveis, consideradas clássicas, no modelo JD-R: exigências, recursos sobre a perceção de burnout e engagement , numa amostra de 128 estudantes da Universidade de Lisboa.. Definimos três hipóteses: Hipótese 1 - quanto mais os estudantes percecionarem exigências no início do ano letivo (T1), maiores serão os seus níveis de burnout (exaustão e cinismo) no final do ano letivo (T2); Hipótese 2 - quanto maior perceção de recursos (clareza de papel; condições de trabalho e suporte dos pares) no início do ano letivo face ao trabalho académico (T1) maior a perceção de engagement no final do ano letivo (T2); Hipótese 3 - maior perceção de recursos (clareza de papel; condições de trabalho e suporte dos pares) no início do ano letivo face ao trabalho académico (T1) menores níveis de burnout (exaustão e cinismo) no final do ano letivo (T2). Este estudo serve como estrutura concetual e empírica para a compreensão do bem- estar académico dos estudantes do ensino superior enquanto atores de um contexto específico: ser estudante numa universidade.

Antes de passarmos ao estudo que alarga a compreensão do bem-estar académico ao bem- estar subjetivo, como referimos, será necessário adaptar um instrumento de medida desta última variável e assim surge o estudo 2 intitulado “Adaptação da Mental Health Continuum – LF– for adults em estudantes universitários portugueses”. O estudo 2 tem como ponto de partida o trabalho de Gallagher, Lopez, e Preacher (2009) que confirma a proposta de Keyes (2005a, 2005b, 2007) de que o conjunto das medidas de bem-estar emocional e funcionamento psicológico e social positivo

representa um indicador de saúde mental (flourishing) tridimensional mantendo a distinção teórica inicial entre bem - estar emocional, psicológico e social. O estudo desta escala é realizado com uma amostra de 465 estudantes e permite encontrar uma medida ajustada e com boas características psicométricas que será utilizada para investigar o bem-estar subjetivo no âmbito do estudo 3 intitulado “How can academic resources and demands contribute to the subjective well-being of students?“

No estudo 3 investigamos os efeitos principais das características do contexto de trabalho académico na perspetiva do modelo JD-R (recursos e exigências) no bem-estar subjetivo de estudantes do ensino superior (bem-estar emocional, psicológico e social), numa amostra de 128 estudantes da Universidade de Lisboa. Com este estudo pretendemos contribuir para um segundo nível de alargamento do modelo JD-R, procurando conhecer a relação entre as variáveis do contexto e a perceção de bem-estar subjetivo. Nesse sentido colocamos duas questões de investigação: (1) Quais as relações entre as exigências e os recursos e o bem-estar subjetivo? (2) Existe uma relação de influência entre exigências e recursos e bem-estar subjetivo? Tendo em conta o modelo JD-R que define um impacto positivo dos recursos percebidos no bem-estar e um impacto negativo das

exigências percebidas nesse mesmo bem-estar, ao longo do tempo, formulamos as seguintes hipóteses: Hipótese 1- quanto mais os estudantes percecionam exigências no início do ano letivo (T1), menor será a expressão de bem-estar (emocional, psicológico e social) no final do ano letivo (T2); Hipótese 2 - quanto maior for a perceção de recursos face ao trabalho académico no início do ano letivo (T1), melhor será o bem-estar (emocional, psicológico e social) no final do ano letivo (T2).

Depois de percebermos de que modo as variáveis do contexto académico se relacionam com a perceção de bem-estar e mal-estar académico (estudo 1) e com o bem-estar subjetivo (estudo 3) investigamos qual o papel da prática de voluntariado neste processo, assumindo-a como uma variável do contexto pessoal (por ser uma decisão de cada individuo fora do contexto académico) e

questionando o seu papel específico na perceção de bem-estar? Referimo-nos ao último estudo (4) intitulado “Being a volunteer while I am studying makes me feel good!”. Neste estudo caraterizamos as práticas de voluntariado numa amostra de 465 estudantes da Universidade de Lisboa quanto ao tempo de voluntariado, ao tipo de destinatários, à formação recebida e às motivações percebidas. Num segundo momento, exploramos o papel das práticas de voluntariado de uma subamostra de estudantes (n= 128), de acordo com o modelo das exigências e dos recursos do trabalho (JD-R, Demerouti et al., 2001) e com um design longitudinal. Concretamente, questionamos se a prática de voluntariado funciona como um recurso pessoal (Demerouti et al., 2001) nessas relações? Tendo em conta os resultados de investigações anteriores que encontram relações positivas entre prática de voluntariado e bem–estar subjetivo (Bowman et al., 2010; Piliavin & Siegl, 2007) formulamos duas hipóteses de investigação: (1) Estudantes que praticam mais voluntariado no início do ano letivo (T1) apresentam níveis de bem-estar académico superior e de mal-estar inferior, no final do ano letivo (T2); (2) Estudantes que praticam mais voluntariado no início do ano letivo (T1) apresentam níveis de bem-estar subjetivo (psicológico, social e emocional) superiores, no final do ano letivo (T2).

Com o objetivo de ter uma visão global e sistematizada dos estudos que acabámos de apresentar elaborámos o diagrama que se segue:

Figura 1

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