• Nenhum resultado encontrado

Seqüenciamento de regiões mitocondriais com genes para RNAt e ordem gênica

5.2. Desenho e análise das estruturas secundárias dos RNAt

Quando genomas mitocondriais apresentam diferenças marcantes entre suas ordens gênicas, surge a dúvida se realmente houve translocação entre pontos distantes do genoma, já que esse evento é mais raro do que a simples troca de posição entre genes vizinhos (Boore e Brown, 1998; Dowton e Austin, 1999). Há a possibilidade de que não tenha havido translocação, e sim a “transformação” de um gene para RNAt em outro. A ocorrência de transmutação de genes para RNAt por meio da troca do anticódon já foi reportada por Rawlings et al. (2003), que ressalta a importância da comparação da estrutura secundária. Nesse caso, um gene para RNAt teria sofrido mutação justamente nas bases que transcrevem o anticódon, alterando o aminoácido transportado. Essa hipótese pode ser refutada quando as estruturas secundárias são comparadas e apresentam grande similaridade nas demais regiões, além do anticódon. Essa similaridade é geralmente interpretada como um forte indicativo de homologia entre esses genes, confirmando que houve translocação.

Para analisar esse tipo de questão, as estruturas secundárias de 80 RNAt, cujas seqüências foram obtidas integralmente, foram desenhadas. Essas estruturas fazem parte do anexo II desta tese, e também foram incluídas as estruturas de Apis mellifera

e Melipona bicolor para comparação. A seguir, serão discutidos alguns casos peculiares que surgiram desse tipo de análise estrutural dos RNAt.

5.2.1. RNAt-Ala (A)

Em relação a Apis mellifera, Bombus morio e Melipona bicolor, o gene para o RNAtAla ocupa uma posição completamente diferente no genoma de

Neocorynura sp., no agrupamento 6 e não no 1. Apesar disso, é possível observar a

grande similaridade das estruturas e seqüências, principalmente nos braços do Aceptor e Anticódon, tradicionalmente mais conservados (Clary e Wolstenholme, 1985). As diferenças se concentram no braço TΨC e também nas alças, que são regiões sem emparelhamento de bases e portanto sem conservação de estrutura nem de seqüência. A exceção é a alça do anticódon, que, por sua função específica de emparelhamento com o RNA mensageiro, tem as bases muito conservadas. A semelhança estrutural encontrada indica que o gene sofreu translocação e não apenas mudança de anticódon. Observando a ordem gênica de Drosophila, representada na Figura 24 e considerada a ordem ancestral dos insetos, podemos ver que o gene para o RNAtAla ocupa posição equivalente à de Neocorynura, o que significaria uma mudança dentro de Apidae e possivelmente Megachilidae, enquanto esta espécie da família Halictidae apresenta o posicionamento plesiomórfico desse gene.

5.2.2. RNAt-Lys (K)

Uma característica importante que se observa nesse grupo de RNAt é a variação do anticódon: onze espécies apresentam UUU e quatro, CUU. Dowton e Austin (1999) afirmam que CUU deve ser o anticódon plesiomórfico para Hymenoptera, mas em vespas também há vários casos de UUU, que surgiram

independentemente. Essa diferença deve se refletir no uso de códons pelos genes codificantes para proteínas dessas espécies, pois a eficiência da tradução na mitocôndria parece depender da relação entre o anticódon do RNAt e o códon mais utilizado na codificação das proteínas.

Um caso surpreendente é o de Bombus morio, cujo RNAtLys, localizado no

cluster 4, apresenta uma deformação na alça geralmente mais conservada, a do

anticódon. Apesar da estrutura aparentemente comprometida, o programa tRNA-Scan localizou o gene sem margem para dúvidas. Porém, não há como se ter certeza se esse RNA é funcional somente pela análise da estrutura, mas esse tipo de alteração dá fortes indícios de perda de função.

Uma maneira elegante de testar se uma seqüência é um pseudogene de RNAt é apresentada em Beagley et al. (1999): o RNA total é extraído, e oligonucleotídeos complementares à seqüência em questão são utilizados como sonda em um Northern Blot. Se a seqüência corresponde a um gene funcional, a sonda deve evidenciar um fragmento de RNA no tamanho funcional, de cerca de 70 nucleotídeos. Se for um pseudogene, a sonda deve encontrar a seqüência não-excisada, ligada ao RNAm do gene vizinho, com um alto tamanho. Não foi possível realizar esse teste durante este trabalho, mas outro tipo de comprovação da perda de função do gene seria a detecção de outra cópia do gene em alguma região desse genoma, indicando duplicação gênica, podendo posteriormente resultar em perda de função de uma das cópias e, por fim, na deleção do pseudogene. Com a continuidade do seqüenciamento, outra cópia do RNAtLys foi localizada no genoma de B. morio, esta no cluster 1. O gene apresenta um braço D sem emparelhamento, mas essa característica não é considerada determinante para uma perda de função, portanto o gene deve ser funcional. Casos de duplicação gênica no DNAmt são muito raros, porém já foram relatados em alguns

organismos, como carrapatos e moscas (Campbell e Barker, 1999; Lessinger et al., 2004).

Essa peculiaridade se faz ainda mais importante quando comparamos a posição desse gene nos genomas das abelhas corbiculadas Apis mellifera, Bombus

morio e Melipona bicolor. Na primeira, o gene ocupa a segunda posição do

agrupamento 4. Em M. bicolor, ele sofreu translocação para o agrupamento 1, e talvez o pseudogene encontrado em B. morio seja um resquício do caso intermediário nessa translocação, refletindo como ela teria ocorrido em um genoma ancestral a B.

morio e M. bicolor. Nesse caso, haveria uma evidência forte de que, conforme as

árvores filogenéticas baseadas em COI e cytB, as duas tribos (Bombini e Meliponini) teriam um ancestral comum exclusivo. Essa afirmação confirmaria a hipótese de origem dupla do comportamento social avançado em Apini e Meliponini, ou origem no ancestral com reversão em Bombini.

5.2.3. RNAt-Met (M)

O gene para o RNAtMet de Centris sp. ocupa posição diferente no genoma em relação às demais espécies: está no agrupamento 2, enquanto ocupa o agrupamento 1 na ordem ancestral e também em A. mellifera, M. bicolor,

Lanthanomelissa sp. e Melitoma segmentaria. No entanto, os braços do RNAt de Centris sp. apresentam exatamente as mesmas seqüências de M. bicolor, exceto um

par de bases no braço TΨC, que é normalmente menos conservado. Portanto, fica comprovada a translocação e não a transmutação do gene a partir de outro.

5.2.4. RNAt-Val (V)

O cluster 11 apresenta uma configuração bastante conservada nas

espécies de Arthropoda, ou seja, apenas o gene para RNAtVal. Esse arranjo chegou a ser considerado imprescindível para o funcionamento correto da excisão dos genes para os RNAr (12S e 16S), que são separados por esse RNAt (Simon et al., 1994). O agrupamento foi seqüenciado para todas as espécies exceto Coelioxoides sp, e, confirmando a alta taxa de translocações encontrada nas abelhas, esse cluster apresentou um caso de alteração: a espécie Thygater sp. não tem nenhum gene nessa posição, portanto os genes para RNAr são transcritos seqüencialmente, conforme pode ser visto no alinhamento da Figura 26. As demais espécies apresentaram o arranjo ancestral.

10 20 30 40 50 60 ----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|-- A. mellifera GGAAUAAGUCGUAACAUAGUAAGAGUACCGGAAGGUGUUUUUAGAUUAAAAUUUUAGUUUAA Thygater sp. GGAAUAAGUCGUAACAUAGUAAUUGUAUCGGAAGAUGUAAUUAGAUUAAAAUUUU---

********************** *** ****** *** *************** 70 80 90 100 110 120 --|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|---- A. mellifera AGUAAAAUAUUUCUUUUACAGUGAAAAGAUUAAAAAAUUAGUUUUUAAAAUUUUAUAAUUAA Thygater sp. --- 130 140 150 160 170 180 |----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|- A. mellifera AAUUAUUAAUAAAAUUAUUUGGUUAUAUUUAUAUAUAUAUAUAUAUAUAUAUAUAUAUAUAU Thygater sp. AAUUUUAAAUAUUUUUAUUUUAUAAAAAUUAAAUAUGUUUAU---UAAAUUUAUAAAUAA **** * **** ****** * * * *** **** * *** ** ** **** ***

Figura 26 – Alinhamento da região do cluster 11 entre as espécies Apis mellifera e Thygater sp., demonstrando a ausência do gene para o RNAtVal nessa região do genoma de Thygater sp.. O final do gene para 16S está em preto, até a posição 47; o gene para o RNAtVal de A. mellifera está destacado em cores, da posição 48 até a 117; o começo do gene 12S está em preto, a partir da posição 118.

É possível observar que há oito bases idênticas ao início do gene para RNAtVal em Thygater sp., o que deve constituir em bases remanescentes de um evento de

excisão do gene no momento da translocação. Esse não é o primeiro caso de ausência do gene RNAtVal entre os genes 16S e 12S dos insetos, pois o mesmo já foi descrito para outras espécies: o piolho Heterodoxus macropus (Shao et al., 2001b) e um hemíptero, Tetraleurodes acaciae (Thao et al., 2004). No entanto, é o primeiro caso citado entre os himenópteros.

Documentos relacionados